10 dias na Coreia do Norte, uma viagem pelo país do Socialismo Juche

Com guia oficial do Exército Popular da Coreia no Museu da Vitória na Guerra de Libertação da Pátria. Crédito: arquivo pessoal.

No mês de setembro desse ano, a República Popular Democrática da Coreia, o nome completo e oficial da Coreia do Norte, comemorou os 70 anos de sua fundação, realizada em 9 de setembro de 1948. Para essa ocasião, pessoas e organizações de todo o mundo foram convidadas para tomar parte das comemorações gigantescas realizadas na Coreia. Nós do Centro de Estudos da Política Songun do Brasil (organização brasileira fundada em 2016 que estuda a política militar da Coreia do Norte) fomos uma dessas organizações convidadas pela Academia Coreana de Cientistas Sociais.

O objetivo da nossa visita foi não somente tomar parte das comemorações pelos 70 anos da República como também conhecer o país, sua infraestrutura, história e sistema socialista. Nosso grupo de estudos reúne pessoas que há muitos anos dedicam-se a investigar a Coreia do Norte, sua história e filosofia, mas que mesmo assim nunca tinham ido lá; por isso recebemos tão ilustre convite por parte do governo coreano para conhecer o longínquo país, muitas vezes relatado como ‘fechado’ e ‘isolado’. O convite em si foi uma surpresa para nós, mas uma surpresa ainda maior foi o que vimos durante nossa estadia de quase 10 dias nas terras do socialismo coreano.

Saímos do Rio de Janeiro eu e o companheiro Lenan Cunha para um extenso voo de mais de 24 horas até Pequim, capital da China, com uma parada em Dubai. Chegamos em Pequim pela noite do domingo dia 2 de setembro e ao sairmos da estação de metrô tivemos um grande choque de realidade – imagine como estava a mente de dois jovens que não tinham qualquer experiência com viagem saindo para a rua em Pequim! Foi um primeiro impacto muito positivo e uma sensação de grande conquista de já ter chegado ali.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Na tarde do dia seguinte, após ter ido pela manhã na Embaixada da Coreia do Norte em Pequim pegar as passagens de trem, conforme havíamos combinado com a Embaixada da Coreia no Brasil, embarcamos no trem chinês de número K-27 com destino a Pyongyang. A nossa escolha de ir de trem não foi à toa: queríamos ter a chance de conhecer o interior tanto da China quanto da própria Coreia, afinal, o trem atravessa importantes cidades até chegar à capital coreana. Há uma viagem de avião com a companhia aérea estatal Air Koryo que dura por volta de 1 hora, mas queríamos experimentar a magia nostálgica do trem.

E nossa escolha revelou-se muito boa! Dividimos nossa cabine de dois beliches com dois norte-coreanos e, por muita sorte do destino, um deles falava inglês, o que possibilitou uma experiência única em nossas vidas. O Sr Ri e seu tio eram coreanos que trabalham na China e os dois passaram 26 horas conosco conversando sobre tudo e sobre todos. Para mim e para o Lenan foram momentos únicos, afinal, estávamos com dois coreanos longe de guias ou de qualquer outra pessoa, éramos só bons amigos ali. Eles nos ajudaram muito! Durante a passagem pela fronteira sino-coreana, foram eles que nos ajudaram a preencher os formulários da aduana coreana que vinham escrito somente em coreano. Eles também nos ofereceram um apetitoso almoço com comida típica coreana que marcou nosso paladar até hoje!

Monumento à Fundação do Partido do Trabalho da Coreia. Crédito: Lucas Rubio.

A travessia da China para a Coreia se dá pelo Rio Amnok (ou Rio Yalu em chinês), quando o trem cruza a Ponte da Amizade, a mesma ponte usada na década de 1950 para atravessar as tropas voluntárias chinesas que lutaram na Guerra da Coreia. A sensação que sentimos ao entrar na Coreia e ao saber que já estamos sobre terras coreanas é sublime. Assim que você adentra o território coreano é necessário parar na estação de trens de Sinuiju e passar pelos trâmites aduaneiros – que se dão dentro da sua própria cabine. Oficiais do Exército Popular da Coreia, com um ar muito simpático, solicitam os formulários que foram entregues previamente e fazem uma pequena revista que não é nada demais, eles apenas solicitam que você retire da sua bolsa e coloque à vista livros, publicações, celulares e câmeras que está levando.

Nesse momento, uma situação engraçada aconteceu: os diplomatas cubanos que estavam na cabine ao lado tiveram algum tipo de imprevisto e o oficial coreano que estava com eles falava em coreano esperando alguma resposta. De pronto eu e o meu amigo coreano Ri fomos ajudar e a resolução do problema fluiu de um jeito hilário: o oficial falava em coreano para o Ri, Ri falava em inglês comigo e eu falava em espanhol com os cubanos e assim vice-versa. Depois de uns minutos, o trem partiu finalmente rumo à Pyongyang.

Com membros das delegações do Reino Unido e Suécia diante do navio USS Pueblo, capturado pela Coreia em 1968. Crédito: arquivo pessoal.

No caminho até a capital, vimos uma Coreia do Norte rural (afinal, estávamos no interior do país) com extensos campos de cultivo fartamente alocados na terra, rios cortando as plantações em diversos momentos e com água muito limpa, um ar muito fresco e pequenas cidades reunidas em torno das estações de trem em que parávamos. Ao redor da estação, um pequeno centro administrativo com alguns prédios do governo, escola e um vilarejo. Não conseguimos ver muito além desses pontos porque seria necessário entrar nas aldeias, o que, naturalmente, não era possível por conta da pequena pausa que o trem fazia.

Mas vimos e fotografamos aldeias muito dignas com casas em estilo tradicional, porém bem cuidadas. Durante a viagem pelo interior da Coreia, contávamos com os comentários do nosso amigo Ri, que muitas vezes contava um pouco da história do lugar em que estávamos passando. Vimos os restos de que parecia ter sido uma forte ponte no passado e Ri nos contou que aquela ponte foi bombardeada e totalmente destruída pelos Estados Unidos durante a Guerra de 1950-1953 e que tinha sobrado dela apenas as colunas que a sustentaram um dia.

Na tarde do dia 4 de setembro, por volta das 17h, chegamos em Pyongyang! A sensação é indescritível. Ao redor da estação é possível ver os gigantescos e coloridos prédios, bem diferentes dos prédios mais modestos do interior. Nos despedimos do nosso amigo Ri e de seu tio, segurando o choro e sem conseguir tirar uma foto com eles pois são muito reservados. Logo após ficarmos um minuto admirando a estação e sem saber muito bem para onde ir, um senhor, representante do governo, aproximou-se de nós e perguntou se éramos do Brasil.

À nossa resposta positiva ele nos apresentou à Kim Chon, uma jovem falante de espanhol que seria a nossa guia. Depois das devidas apresentações, ainda na estação de trens de Pyongyang, tive a emoção de reencontrar um velho amigo, Kang Chol Min, antigo secretário da embaixada coreana no Brasil e um ótimo falante de português. Ele seria o guia justamente da delegação diplomática cubana que estava conosco no trem.

Lucas Rubio e sua guia Kim Chon. Crédito: arquivo pessoal.

Depois, fomos de ônibus da estação até o Hotel Koryo, onde ficamos hospedados. Era surreal a sensação de estar em Pyongyang! Enquanto minha guia conversava comigo e se apresentava, eu não conseguia parar de olhar para a janela do ônibus. Era Pyongyang! Quanto eu esperei para estar ali. Os prédios são coloridos, todos têm, em seu topo, placas ou inscrições com lemas revolucionários e tudo é tão organizado! Chegando ao hotel, ficamos surpresos com o luxo do lugar onde estávamos sendo alocados. Fomos tratados como chefes-de-Estado. Nossos guias nos deram algumas informações, nos mostraram as acomodações e depois disseram que estávamos livres para jantar e descansar (e era tudo que a gente queria fazer!).

No dia seguinte, assim como todos os dias seguintes, nos encontramos de manhã cedinho no saguão do hotel para sair em grupo para conhecer vários e vários lugares. Durante os 9 dias que estivemos lá conhecemos diversas instalações: escolas, fábricas, museus, monumentos, eventos, reuniões e comemorações gigantescas. Saíamos de ônibus pelas ruas de Pyongyang e junto de nós estavam delegações de várias partes do mundo, incluindo Inglaterra, Mongólia, República Checa, Índia, Nigéria, Rússia, Ucrânia e Japão.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Os coreanos têm um grande orgulho ao apresentar seu país e suas conquistas. Orgulho ainda maior pela sua história. O respeito pelos Líderes é imenso lá por conta do protagonismo que estes tiveram na constituição histórica do país. A Coreia foi invadida pelo Japão no início do século passado e só foi libertada com a vitória do exército insurgente criado por Kim Il Sung, o fundador da Coreia do Norte e avô do atual líder. Depois de se libertar da brutal colonização japonesa em 1945, a Península foi dividida em norte e sul sob influência das grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética, e em 1948 Kim Il Sung fundou, em 9 de setembro, a República Popular Democrática da Coreia.

Apenas 2 anos depois, em 1950, o pequeno e recém-nascido país teve que enfrentar os Estados Unidos na Guerra de Libertação da Pátria, a Guerra da Coreia como conhecemos aqui. O conflito durou 3 anos e vitimou 3 milhões de coreanos, em sua maioria inocentes. Em 1953, a divisão da Península manteve-se basicamente no mesmo lugar onde já estava dividida (na altura do Paralelo 38°) mas representou uma grande vitória para o lado Norte, uma vez que os EUA não conseguiram eliminar o regime socialista.

Esses e outros episódios militares dolorosos para a Coreia são a justificativa para a implementação da chamada Política Songun, estruturada e aplicada nos anos 1990 por Kim Jong Il, uma política que valoriza os assuntos militares acima de todos os outros e que é a responsável pela inserção dos militares em todas as camadas e esferas da sociedade coreana. Os coreanos, após uma correta leitura histórica, entenderam que somente o fortalecimento da defesa nacional seria capaz de manter de pé a experiência socialista. Daí entendemos a especial preocupação do país no desenvolvimento de armas nucleares e mísseis de longo alcance, não só porque no passado foram ameaçados com essas armas, mas também porque elas representam o que há de mais moderno no mundo atual no assunto defesa.

Este slideshow necessita de JavaScript.

A guerra foi totalmente devastadora e deixou marcas profundas no imaginário e memória popular. Para nível de comparação da dimensão das atrocidades cometidas pelos Estados Unidos na região, jogaram-se mais bombas sobre a Coreia nos 3 anos de guerra do que em toda a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Pyongyang, a capital da República Popular, foi totalmente destruída e sobraram apenas um punhado de prédios de pé após a guerra. A capital foi detalhadamente planejada para ser reconstruída após a guerra e por isso é o grande símbolo do socialismo coreano – suas ruas são largas, suas instituições são de altíssimo nível e a qualidade de vida na cidade é ótima.

Afinal, estamos falando de uma capital asiática que possui apenas 3 milhões de habitantes e que não se pode encontrar sujeira, poluição e ruas abarrotadas de carros. Tudo é muito verde e o ar circula com grande facilidade, deixando sempre um aroma indescritivelmente bom na cidade. O transporte público é abundante e variado. Cortando a malha urbana está o Rio Taedong, um rio de impressionantes águas límpidas que abriga, nos fins de semana, barquinhos cheios de coreanos que se divertem em suas águas. Pyongyang é a cidade modelo e o centro da atividade política e cultural da República.

O reflexo do orgulho dos coreanos em sua história e em sua capacidade de reconstrução após uma terrível guerra de extermínio reflete-se em seus museus e monumentos. Todos grandiosos! Visitamos a Torre Juche, o Arco do Triunfo, o Museu da Vitória na Guerra de Libertação Nacional e alguns outros lugares que traduzem esse orgulho. Nesse museu, por exemplo, é possível ver vários equipamentos militares americanos que foram capturados na guerra e um grande troféu – o USS Pueblo, um navio espião que foi capturado pela marinha coreana na década de 1960 no momento que invadiu as águas coreanas em busca de informações que, segundo os coreanos, apoiariam uma ação hostil dos EUA. Vale citar que mesmo depois da derrota na guerra, os EUA não desistiram da Coreia do Norte e mantiveram o país em cerco desde aquelas épocas até hoje. O museu mostra justamente a nuance desse conflito com salas que recriam as montanhas que eram as bases secretas do Exército Popular da Coreia e ambientes reais de guerra.

Este slideshow necessita de JavaScript.

A Torre Juche, por sua vez, foi construída para comemorar os 70 anos de nascimento de Kim Il Sung, comemorados na década de 1980, e é um marco central da cidade e do país. Ela é um símbolo muito presente em pôsteres, músicas e pinturas. É uma imensa torre de concreto, com 170 metros de altura (o que lhe confere o título de maior torre de concreto do mundo) e tem no seu topo uma chama feita de painéis de vidro que se iluminam à noite simulando fogo real. É possível subir ao topo da torre, não sem antes notar as placas de centros de estudos sobre a Coreia que foram enviadas do mundo todo e fixadas no pé da torre. Lá em cima, é possível ver toda a Pyongyang e sua arquitetura colossal. Blocos de apartamentos ao velho modelo soviético e coloridos com cores chamativas mais lembram peças de Lego e convivem ao lado de modernos arranha-céus com aparência muito futurística. Salta à visão o Hotel Ryugyong, uma construção que parece uma imensa pirâmide egípcia espelhada ou então um foguete em plena ignição.

Nas escolas, hospitais e fábricas que visitamos, vimos uma organização fora do comum. Tudo é extremamente limpo e está sempre no lugar. Há muita arte em todos esses lugares, o que se manifesta não somente em pinturas como também em painéis em relevo, esculturas, pôsteres e músicas tocando nos onipresentes autofalantes. Visitamos o Palácio das Crianças de Mangyongdae, um complexo estudantil desenhado em forma de braços maternos que acolhem as crianças e que conta com inúmeras salas onde se realizam atividades extracurriculares para os estudantes das escolas primárias que apresentam um alto desempenho.

O imponente Hotel Ryungyong. Crédito: Lucas Rubio.

Salas de prática de esporte, artes visuais, bordado, música, física, química, caligrafia, tudo reunido num prédio extremamente belo e moderno – algo que só seria acessível para pessoas muito ricas no Ocidente é acessível para todas as crianças coreanas totalmente de graça. Eu acredito que esse espaço, o Palácio das Crianças, chame-se assim porque as crianças na Coreia do Norte são tratadas de modo muito especial, elas são chamadas de “reizinhos do país” e a preocupação dos três líderes – Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un – ao longo de suas governanças com os assuntos educacionais sempre foi muito grande, tanto é que abundam fotografias em todos os lugares das várias visitas e inspeções feitas pelos líderes às instalações educacionais.

O Hospital Pediátrico de Okryu, que também visitamos e que fica do outro lado da rua da Maternidade de Pyongyang, é outro exemplo disso. O lugar, além de organizado e sem filas, é muito bonito e conta com uma série de serviços de educação e lazer para que as crianças ali internadas não se sintam mal, afinal, nenhuma criança gosta de ir para o hospital. As paredes são decoradas com desenhos animados famosos no país (e, para minha surpresa, vi desenhos da Disney também) e os pacientes têm inúmeros brinquedos e atividades para preencher os espaços vazios que normalmente seriam monótonos sobre uma maca. A presença da tecnologia também é marcante.

Nas fábricas que visitamos, duas – uma de sapatos e outra de mochilas – vimos uma linha de produção extremamente tranquila e preocupada não só com a qualidade dos produtos finais como também com a qualidade dos funcionários. Todas as fábricas têm bibliotecas, salas com computadores e quadras de esporte para que, durante os intervalos e após a jornada diária, os operários descansem ou se divirtam. Isso aumenta não só a qualidade de vida dos trabalhadores como também dá inspiração para trabalhar, dizem meus guias. Muita tecnologia também na produção industrial, longe de ser o país atrasado que pintam.

Em todos os lugares que visitamos tínhamos Kim Chon, que era nossa tradutora, e também os guias locais. Sempre que falávamos de onde somos eles expressavam uma grande surpresa e logo se interessavam por saber sobre nós. Isso traduz muito bem um pouco da personalidade dos coreanos. São pessoas muito humildes, muito trabalhadoras, simpáticas (embora um pouco tímidas no primeiro momento), patriotas, inabaláveis em suas convicções de sempre seguir adiante apesar das dificuldades, como o bloqueio econômico, e muito interessadas em conhecer coisas novas.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Nos perguntavam muitas coisas sobre o Brasil e sempre estavam muito preocupadas em saber o que nós estávamos achando da Coreia. Eles sempre tentam passar uma boa imagem do país, como bons anfitriões que são. Definitivamente, os coreanos que tivemos contato, desde os que já lidam com público estrangeiro até mesmo os comuns, não são nem um pouco as pessoas que passaram pela “lavagem cerebral” que a gente aqui geralmente acha que são. São espertos, com senso de humor e um conhecimento de mundo espantoso. Uma pequena anedota sobre isso: minha guia um dia me perguntou se era verdade que no Brasil muitas pessoas têm hipertensão e diabetes! Como uma norte-coreana supostamente “isolada” saberia disso?

Um dos lugares mais marcantes que visitamos foi o Palácio do Sol Kumsusan. Esse Palácio fica localizado relativamente afastado do centro e é o mausoléu que guarda os corpos conservados dos dois antigos líderes – Kim Il Sung e Kim Jong Il. O lugar tem um clima extremamente solene e lá dentro tudo é grandiosamente fúnebre. Centenas de coreanos visitam esse lugar quando está aberto ao público e o fluxo é ainda maior quando o país está em datas comemorativas. Os jardins do palácio são enormes, verdes e irrigados por um riacho, num clima quase celestial que atrai animais belíssimos que espontaneamente habitam a região, como cisnes. O palácio, construído em imensos blocos de concreto e mármore, é imponente e praticamente indestrutível. Um lugar muito simbólico para entender a relação de respeito e cuidado dos coreanos com seus líderes.

Durante a intensa rotina de pegar nosso ônibus, andar pelas ruas, visitar lugares ou monumentos, também participamos de algumas reuniões e cerimônias. Participamos do Seminário Internacional da Ideia Juche, que reuniu todas as delegações que estavam visitando o país naqueles dias e também importantes autoridades coreanas. Também participamos de alguns cursos oferecido pelo Partido. Vimos importantes autoridades coreanas em algumas ocasiões. Fomos a um show musical pela noite e lá encontramos Kim Yong Nam, o chefe de Estado da RPDC, e Choe Ryong Hae, uma das pessoas mais poderosas da Coreia do Norte, o vice-marechal do Exército Popular da Coreia, cargo mais alto depois do próprio Marechal Kim Jong Un.

Eu tive a chance de conhecer pessoalmente o vice-presidente do Partido do Trabalho da Coreia que foi ao hotel onde as delegações estavam hospedadas para nos oferecer um banquete. A autoridade mais importante que vimos bem próximo foi ninguém mais ninguém menos que o próprio Máximo Dirigente Kim Jong Un! Isso ocorreu na parada militar realizada no centro da cidade em 9 de setembro.

No dia do feriado de fundação da república, fomos para a Praça Kim Il Sung pela manhã escoltados por policiais que fecharam o trânsito para a passagem dos ônibus das nossas delegações internacionais. Chegamos na Praça sob forte esquema de segurança e após uma revista finalmente sentamos em uma arquibancada virada para a Praça Kim Il Sung, onde o Exército já se organizava para o evento que ali seria realizado – uma parada militar! Por anos eu vi pela televisão e internet as gigantescas paradas militares da Coreia do Norte (as maiores do mundo) e sonhei em um dia ver pessoalmente esse grande espetáculo. Bom, ali estava eu! Tudo estava esplendidamente decorado na Praça e nas ruas da capital e o clima festivo era muito contagiante. Após a banda marcial do Exército posicionar-se na Praça, a multidão começa a gritar e a banda toca uma música especial que anunciava a esperada chegada de Kim Jong Un à tribuna do evento.

Detalhe do telhado do Palácio da Amizade – o museu dos presentes que os Líderes receberam em vida. Lá tem uma bola de ouro presenteada pelo Pelé. Crédito: Lucas Rubio.

A parada militar começou e vimos diante de nós milhares de soldados marchando com grande entusiasmo em comemoração aos 70 anos da República. Foi incrível! A sensação é indescritível. Os soldados marcham tão fortemente que o chão chega a tremer e ao mesmo tempo eles gritam palavras de ordem que penetram a alma. Depois do desfile dos soldados, vimos tanques, caminhões e outros armamentos pesados passando pela Praça. Depois, uma belíssima parada civil teve início – um verdadeiro carnaval ao estilo coreano com pessoas alegres passando na rua e acenando para Kim Jong Un, às vezes em cima de gigantescos carros alegóricos que faziam alusão à história e construção socialista da Coreia.

No final da parada, o Marechal Kim Jong Un dirigiu-se à amurada e foi então que pudemos ver de perto o líder! A multidão irrompe em gritos de alegria, enquanto a banda toca sem parar e fogos de artifício rasgam o céu. Diante de nós, um dos homens mais misteriosos e temidos do mundo acenando para nós. Me fiz valer do meu privilégio de ser alto e ocidental (diferente da maioria) para conseguir uma atenção especial e um aceno particular do próprio Kim Jong Un.

Manifestação popular feminina em praça pública. Crédito: Lucas Rubio.

No mesmo dia, pela noite, vimos novamente o Marechal no Estádio Primeiro de Maio, o maior do mundo, com capacidade para 150 mil pessoas. Estávamos ali reunidos para assistir aos gigantescos jogos de massa chamados “Grandiosa Nação”, o antigo “Festival Arirang”. Esse espetáculo é o maior show à céu aberto do mundo e reúne milhares de artistas que durante horas dançam, cantam e interpretam peças revolucionárias que falam da luta anti-japonesa, da guerra contra os EUA, dos feitos da construção socialista, do desejo da reunificação com o Sul e, é claro, exaltam as atividades revolucionárias dos grandes líderes.

No dia seguinte, pela noite e na Praça Kim Il Sung, assistimos outro grande espetáculo – a parada com tochas. É uma parada realizada pela juventude da capital coreana que reúne milhares de pessoas segurando tochas acesas com fogo. Com passos orquestrados e movimentos ensaiados esses jovens formam figuras e palavras que, vistas à distância, são perfeitas. É fenomenal! Todos esses espetáculos são demonstrações do que os coreanos adoram chamar de “unidade monolítica” ou “unidade do coração único”.

Eles consideram que todo o país é uma grande família reunida em torno do pai (o líder) e que sempre trabalha para ter mais prosperidade e uma vida melhor. Essa lógica ajuda e entender bem como funciona a Coreia – tudo é sempre feito em conjunto e o coletivo sempre é mais importante que o individual. Eles fazem mutirões para tudo. Qualquer problema ou atividade só pode ser resolvido com a convocação da comunidade que se une para alcançar um resultado.

É incrível notar que em mais de 70 anos de República nunca houve qualquer revisão ou negação dos ideais de seus fundadores e do caráter socialista da Revolução. Assim, o Estado é sempre o responsável por prover tudo para a população, que se vê, de fato, refletida legitimamente no seu governo. O Estado providencia educação, saúde, segurança e moradia completamente gratuitos e obrigatórios. Não há desemprego, nem moradores de rua na Coreia – todos possuem emprego dado pelo Estado.

É um crime alguém não receber um emprego ou estudo. As conquistas alcançadas nesse regime são sempre reverenciadas com grande paixão por eles e serve como argumento para o apoio ao ideal socialista que eles seguem e chamam de Juche. “Juche” em coreano significa “autodeterminação” e “independência” e traduz bem o que é o socialismo de estilo coreano – mesmo cercado por grandes potências (China, URSS, Japão e Estados Unidos), a Coreia nunca abandonou um programa interno e externo próprio e jamais permitiu qualquer interferência em seu modo de conduzir as coisas. A queda do socialismo europeu em 1989-1991 e as aberturas que descaracterizaram o socialismo chinês são sempre usados como exemplos de como o socialismo coreano segue sendo único e peculiar no mundo todo.

Quando chegamos de volta ao Brasil, muitos nos perguntaram – mas os coreanos apoiam mesmo a família Kim ou só o fazem por medo? Sim, os coreanos apoiam mesmo a família Kim, a qual chamam de “linhagem dos grandes homens do Paektu” e o governo goza de total prestígio entre o povo. Por exemplo, praticamente 100% dos coreanos usam em suas roupas, no lado esquerdo do peito, um broche com a fotografia dos líderes. Ninguém é obrigado a usar e a iniciativa começou na década de 1970 após os broches serem entregues como uma lembrança de um congresso do partido, mas mesmo assim as pessoas usam com muito orgulho, mesmo quando estão longe de sua casa. Lembram dos coreanos que viajaram conosco no trem? Mesmo longe de qualquer autoridade ou gente conhecida eles usavam e mudavam o broche de roupa quando iam se trocar. É natural e totalmente justificável para eles.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Depois desses 9 dias de uma verdadeira epopeia revolucionária, nos despedimos da Coreia do Norte no dia 13 de setembro no recém reformado aeroporto que atende à capital. No dia anterior, tínhamos ido visitar o Monte Myohyang, muitos quilômetros distantes de Pyongyang, e lá visitamos cachoeiras, bosques e fizemos um piquenique no sopé de uma cachoeira. Fomos embora da Coreia quase chorando de estar deixando para trás um país sem violência, com índices sociais invejáveis, uma história incrivelmente bela e recheada de episódios de resistência e autodeterminação. 

Mesmo com suas dificuldades econômicas e estruturais, admitidas e debatidas sem problemas pelos próprios coreanos, a Coreia do Norte segue firme em sua posição de independência e socialismo, rejeitando categoricamente o caos do mundo capitalista e suas competições sociais e econômicas, garantindo aos seus cidadãos uma vida tranquila, segura e digna de orgulho. Foi esse o impressionante país que vimos durante esses dias de setembro!

Lucas Rubio

Presidente do Centro de Estudos da Política Songun do Brasil e graduando em Letras: Português-Russo pela UFRJ.

 

2 comentários em “10 dias na Coreia do Norte, uma viagem pelo país do Socialismo Juche

Adicione o seu

  1. Eu queria agradecer a vcs por compartilharem um pouco da experiência que viveram nesse país tão misterioso para nós do ocidente. Sou um grande admirador da RPDC e da política Juche e eu SONHO em poder um dia visitar o país fundado pelo grande líder Kim Il Sung. Confesso que me emocionei com o depoimento e com as imagens incríveis que vcs trouxeram para nós, vcs fazem um trabalho INCRÍVEL! Continuem assim. Abç

Deixe seu comentário

por Anders Noren

Acima ↑

Descubra mais sobre Revista Intertelas

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading