China e Hollywood: uma relação problemática (texto bilíngue)

Bingbing Li e Stanley Tucci em “Transformers: a era da extinção”(2014). Crédito: IMDb.

China and Hollywood: a problematic relationship (bilingual text)

Hollywood has long played a significant role in framing and shaping perceptions of China, its culture, and Western diasporas. Indeed, few readers will need reminding of Hollywood’s persistent tendency across the twentieth century to imagine China and ‘Chineseness’ through the narrow cultural lens of orientalism; Edward Said’s (1978) term to describe a fearful and contemptuous regime of Western knowledge production that proposes, preserves and perpetuates assumptions about Western superiority by reifying an ontological distinction between itself and the East.

Há muito que Hollywood tem desempenhado um papel significativo ao enquadrar e moldar as percepções da China, sua cultura e diásporas ocidentais. De fato, poucos leitores precisarão relembrar a tendência persistente de Hollywood ao longo do século XX de imaginar a China e o ser chinês através das estreitas lentes culturais do orientalismo, termo de Edward Said (1978) para descrever um regime temeroso e desdenhoso da produção ocidental de conhecimento que propõe, preserva e perpetua suposições sobre a superioridade ocidental, reificando uma distinção ontológica entre si e o oriente.

From MGM’s The Mask of Fu Manchu (1932) to the ‘moody orientalism’ of 1940s film noir (Naremore 1998, 227) and the Chinese (American) gangsters that proliferate in the science fiction and fantasy films of the 1990s, at regular historical junctures Hollywood has employed the pejorative and denigrating representational practices of orientalism to disseminate and also deal with greater formal and practical American anxieties about China as belonging to a geopolitical region the U.S.(-West) considers dangerously different and threatening to its global authority. 

De “A máscara de Fu Manchu” (1932), da MGM, ao ‘orientalismo sombrio’ do filme noir dos anos 40 (Naremore 1998, 227) e os gangsters chineses (americanos) que proliferam nos filmes de ficção científica e fantasia dos anos 90, em momentos históricos regulares Hollywood empregou as práticas representativas pejorativas e denegridoras do orientalismo para disseminar e também lidar com maiores ansiedades formais e práticas americanas sobre a China como pertencentes a uma região geopolítica que os EUA (-ocidente) consideram perigosamente diferentes e ameaçadoras à sua autoridade global.

In the new millennium, the rising fortunes of China’s film market are incentivising Hollywood to expand its ordinarily limited range of possible ways of understanding the People’s Republic of China (PRC) and constructing ‘Chineseness.’ The PRC’s recent, rapid economic achievements and full-scale integration into the world economy have revitalised U.S.-Western fears about the former’s (and its own) place in the current world order, in turn provoking a renewed wave of anti-Chinese sentiment across large swathes of the Western mainstream (particularly news) media, but Hollywood does not appear to be following suit.

No novo milênio, as fortunas crescentes do mercado de filmes da China estão incentivando Hollywood a expandir sua gama normalmente limitada de maneiras possíveis de entender a República Popular da China (RPC) e construir a imagem do chinês. As recentes e rápidas conquistas econômicas da RPC e a integração de escala na economia mundial revitalizou os temores ocidentais dos EUA sobre o lugar do primeiro (e o seu próprio) na atual ordem mundial, provocando uma onda renovada de sentimentos anti-chineses em grandes áreas da grande mídia ocidental (particularmente notícias) , mas Hollywood não parece estar seguindo o exemplo.

Crédito: China Skinny.

Keen to penetrate China’s now highly lucrative but still tightly controlled film market (which has grown at a seemingly exponential rate) the major Hollywood studios are not only tailoring their top-tier blockbusters for Chinese audiences – by including popular Chinese locations, actors and products – but also taking greater care to avoid depictions that might offend Chinese cultural and political sensibilities.

Desejosos de penetrar o mercado de filmes agora altamente lucrativo, mas ainda fortemente controlado da China (que cresceu a uma taxa aparentemente exponencial), os principais estúdios de Hollywood não estão apenas adaptando seus sucessos de bilheteria de primeira linha para o público chinês – incluindo locais, atores e produtos chineses populares, mas também tomando mais cuidado para evitar representações que possam ofender a sensibilidade cultural e política chinesa.

At the same time, Hollywood cinema appears to be supporting China’s geopolitical ambition. Blockbuster films that feature Chinese elements (such as Looper (Rian Johnson, 2012), Transformers: Age of Extinction (Michael Bay, 2014) and Independence Day Resurgence (Roland Emmerich, 2016) , to name but a few) increasingly offer an affirmative appraisal of China’s place in the world order; an appraisal that also accommodates and endorses a narrative that China wants the rest of the world to hear.

Ao mesmo tempo, o cinema de Hollywood parece apoiar a ambição geopolítica da China. Os filmes de grande sucesso que apresentam elementos chineses como “Looper“, de (Rian Johnson, 2012), “Transformers: a era da extinção” (Michael Bay, 2014) e “Independence Day Ressurgimento” (Roland Emmerich, 2016), para citar apenas alguns, oferecem cada vez mais uma avaliação afirmativa do lugar da China na ordem mundial; uma avaliação que também acomoda e endossa uma narrativa que a China deseja que o resto do mundo ouça.

In this narrative China is described and perceived as a rising hegemon but one that will not pose a threat to global peace and security. On the contrary, other nations, these films tell us, will actually benefit from China’s growing power and influence.

Nesta narrativa, a China é descrita e percebida como um poder hegemônico crescente, mas que não representa uma ameaça à paz e à segurança globais. Pelo contrário, outros países, segundo esses filmes, se beneficiarão do crescente poder e influência da China.

In Looper, China has overtaken the U.S. as the world’s leading superpower but this is not presented as a cause for concern: America’s economic collapse is not presented as a result of Chinese contamination. In short, the entity Hollywood calls China is no longer understood exclusively as a place of repression and totalitarianism. Instead of dramatizing contentious issues and highlighting value conflicts, representations of Chinese places and people in U.S. movies appear to contest dominant political understandings of the PRC as a threatening other.

Em “Looper”, a China ultrapassou os EUA como a principal superpotência do mundo, mas isso não é apresentado como motivo de preocupação: o colapso econômico da América não é apresentado como resultado da contaminação chinesa. Em suma, a entidade que Hollywood chama de China não é mais entendida exclusivamente como um lugar de repressão e totalitarismo. Em vez de dramatizar questões controversas e destacar conflitos de valor, as representações de lugares e pessoas chinesas nos filmes dos EUA parecem contestar os entendimentos políticos dominantes sobre a RPC como um outro ameaçador.

In Transformers: Age of Extinction, for example, the Chinese character Su Yeuming (Li Bingbing), a cipher for China, plays a crucial role in helping an all-American hero to save the world from corrupt Americans who believe that their power allows them to do as they please in the world. She even plays a crucial role in the moral and ethical rehabilitation of an American character who has fallen from grace. Increasingly, China is represented as the U.S.-West’s primary ally, regardless of the tensions that might exist between Washington and Beijing.

Em “Transformers: a era da extinção”, por exemplo, o personagem chinês Su Yeuming (Li Bingbing), um expoente para a China, desempenha um papel crucial em ajudar um herói americano a salvar o mundo de americanos corruptos que acreditam que seu poder lhes permite fazer o que bem entenderem no mundo. Ela ainda desempenha um papel crucial na reabilitação moral e ética de um personagem americano que caiu em desgraça. Cada vez mais, a China é representada como o principal aliado dos EUA-Ocidente, independentemente das tensões que possam existir entre Washington e Pequim.

Although China appears to have been able to use its hard (economic) power to co-opt Hollywood as an adjunct tool of Chinese statecraft, especially soft power, the way the dream factory represents Chinese culture is still problematic. Recent representations of China reflect Daniel Vukovich’s notion of ‘Sinological Orientalism’ (2012), which relies on the U.S.-West’s condescending insistence that China must inevitably become more like ‘us.’ Put another way, China can now be the depicted as an ally because it taken by American cultural producers to be more like, and thus now compatible with, the U.S.-West.

Embora a China pareça ter sido capaz de usar seu Hard Power (poder econômico) para cooptar Hollywood como uma ferramenta auxiliar da política chinesa, especialmente ao seu Soft Power, a maneira como a fábrica dos sonhos (o cinema) representa a cultura chinesa ainda é problemática. Representações recentes da China refletem a noção de Daniel Vukovich de ‘Orientalismo Sinológico’ (2012), que se baseia na insistente condescendência do ocidente e dos EUA de que a China deve inevitavelmente se tornar uma de ‘nós’. Em outras palavras, a China agora pode ser retratada como aliada, porque os produtores culturais americanos a consideram mais parecida com o ocidente e o EUA e, portanto, agora compatível.

Crédito: GoodReads.

This creates problems for the transmission of Chinese culture as Chinese characters are often overwritten with Western characteristics and sensibilities. In Transformers: Age of Extinction, the victory of the film’s principle American hero is underwritten by Chinese provision, but this is only made possible by what the film depicts as China’s growing cultural equivalence to, and compatibility with, the U.S.-West. Specifically, it is a Chinese teenager’s love of American football that allows the American hero to defeat one of the film’s antagonists. Meanwhile, Su’s heroic turn is underpinned by her conformity to ‘American’ values.

Isso cria problemas para a transmissão da cultura chinesa, pois os personagens chineses são freqüentemente substituídos pelas características e sensibilidades (valores) ocidentais. Em “Transformers: a era da extinção”, a vitória do principal herói americano é garantida com auxílio dos chineses, mas isso só é possível graças ao que o filme descreve como crescente equivalência cultural e compatibilidade da China com o ocidente e o EUA. Especificamente, é o amor de um adolescente chinês pelo futebol americano que permite ao herói americano derrotar um dos antagonistas do filme. Enquanto isso, a virada heróica de Su, personagem chinês, é sustentada por sua conformidade com os valores “americanos”.

Although Hollywood’s representation of China is not without its problems, for the time being at least it is consistent with China’s cultural diplomacy aims. However, whether or not such representations will ultimately aid China in generating a friendlier international environment remains to be seen.

Embora a representação de Hollywood da China não esteja isenta de problemas, por enquanto, pelo menos, é consistente com os objetivos da diplomacia cultural da China. No entanto, ainda não se sabe se essas representações ajudarão a China a gerar um ambiente internacional mais amigável.

Chris Homewood

Dirige o programa de graduação em Estudos de Cinema da Universidade de Leeds. Ele foi membro do conselho da rede internacional de pesquisa Soft Power, Cinema e os BRICS. Ele tem várias publicações sobre o cinema alemão e o cinema mundial e sua atual pesquisa, sobre co-produções chinesas, resultou em convites para dar palestras e ministrar workshops em Pequim, Xangai e Durban.

Tradução:

Alessandra Scangarelli

Jornalista (PUCRS), roteirista, pesquisadora e tradutora. Especialista em Politica Internacional (PUCRS) e Mestre em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS). Foco de análise e atuação: relações internacionais e estudos do audiovisual russo e asiático.

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