Smolensk: fantasia e realidade na frente leste da II Guerra Mundial

Soldados soviéticos do 20º Exército da Frente Ocidental lutando no banco Dnieper, a oeste de Dorogobuzh. Crédito: Wikiwand.

Desde a década de 1930, a Alemanha nazista demonstrava forte interesse na expansão de suas fronteiras, tanto a leste quanto a oeste. Entretanto, a posição das potências liberais – EUA, Inglaterra e França – era dúbia e de tolerância para os anseios do mando fascista em buscar fazer crescer seus territórios.

Os sucessivos desmandos ao Tratado de Versalhes, a forte militarização da sociedade e o desenvolvimento do complexo bélico-industrial alemão demonstram o quanto os sinais de que uma guerra para a o mando fascista era apenas uma questão de tempo. Entretanto, diferentemente do que se pudesse imaginar, estas potências pouco ou nada fizeram para impedir essa escalada de violência. Muito pelo contrário, os acordos secretos assinados demonstram que França e Inglaterra tinham a clara intenção de jogar os exércitos nazistas contra a União Soviética (URSS) no mais breve espaço de tempo possível.

Esse quadro se modificou com a assinatura do Pacto Ribbentrop-Molotov, onde astutamente a diplomacia soviética eximiu-se de um conflito imediato contra a Alemanha e deixou a cargo dos europeus ocidentais a resistência ao monstro que eles haviam ajudado a criar com a sua tolerância e apoio: a máquina de guerra nazista. Mês após mês, países caíam sob o domínio nazista ou simplesmente se juntavam à irresistível onda de ataques do blitzkrieg – tática de ataques rápidos e concentrados desenvolvidos pelos alemães -, fato que levou a um amplo domínio sobre a Europa ocidental e a tão desejada tranquilidade para invadir enfim a URSS.

O sucesso dessa invasão, inicialmente parecia confirmar aquilo que o mundo estava acostumado a ver: a destruição de tudo por onde os exércitos alemães passavam. A partir de 1941, com o início da ofensiva, o Exército Vermelho foi empurrado para dentro do seu território e a sorte da guerra parecia estar mesmo ao lado dos germânicos.

Mas esta era uma impressão inicial. O passar do tempo demonstrou que o conflito não se resolveria tão rapidamente quanto o Quartel General nazista imaginava. Começa a surgir, a partir de meados de 1941, a resistência soviética. Vindo a consagrar um cinturão que jamais foi transposto pelo inimigo, a tríade Leningrado-Moscou-Stalingrado mostrou que a poderosa máquina de guerra alemã tinha limites, e mais, que poderia ser derrotada com muita organização e força de vontade. Dentre as heroicas batalhas que demonstraram isso, encontra-se Smolensk.

Smolensk situa-se entre os rios Dvina e Dniepre, cerca de 360 km de Moscou, hoje pertencente à Bielorrússia. A batalha que levou o nome da cidade iniciou-se em julho de 1941, como parte da ofensiva alemã contra Moscou. A guerra rápida e de grandes proporções fez com que a princípio, pouco pudesse ser feito na defesa da cidade e de sua região metropolitana. Mas já em junho, alguns lugares na URSS apresentavam determinadas dificuldades para o avanço nazista ocorrer. A população de Smolensk soube aprender essa lição.

Mas, afinal, qual seria o segredo para deter esse avanço? A resposta estava na formação do seu povo, como viria a ser consagrado pelo tempo. A mobilização dos civis e a formação política do soldado soviético a partir do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) frutificaram. Desde as primeiras linhas de defesa, a participação do cidadão soviético era fundamental, pois mesmo com o princípio de evacuação das cidades, milhares de pessoas permaneciam na defesa de sua terra, cavando trincheiras, esticando arame farpado e construindo pontos de observação e defesa. Esta não poderia ser uma tarefa desenvolvida somente pelos militares. A população precisava sentir-se como parte da defesa e proteção de um bem maior do que qualquer prédio: a sua liberdade.

Mais do que isso, a formação de soldados a partir da lógica do PCUS foi fator determinante também para esse sucesso. O soldado soviético não era somente um especialista na destruição, na morte. A ativa participação do PCUS na guerra formou homens e mulheres que tinham consciência do caráter imperialista e de extermínio do conflito, demonstrando que esta era uma defesa não só de casas e vilarejos, mas de todo um projeto de desenvolvimento soberano em que os trabalhadores do campo, da cidade e os soldados eram peça fundamental. O moral do soldado soviético era elevado, pois ele sabia o que estava em jogo, aquela não era uma guerra sem sentido, comandada por homens velhos que nunca tinham pisado num campo de batalha. Aquela era uma guerra de sobrevivência da sua autonomia enquanto ser humano.

Movimentos alemão e soviético perto de Smolensk, 10 de julho a 4 de agosto de 1941. Crédito: Wikiwand.

Especificamente sobre Smolensk, temos a estratégia de montar as principais linhas de defesa da cidade na retaguarda, fora do campo aberto, onde os nazistas tinham vantagem. Assim, boa parte dos conflitos desenrolava-se em locais de difícil acesso aos tanques nazistas, onde se favorecia o combate homem a homem, no qual o conhecimento do terreno era parte fundamental. Fábricas, casas, prédios, pequenos morros, tudo era usado como trincheira pelo Exército Vermelho.

A ofensiva fascista iniciou-se em 10 de julho, e ao contrário do esperado, encontrou a resistência, onde 45 mil civis participaram da construção das linhas de defesa. Essas linhas foram fundamentais para manter a organização e o abastecimento das tropas da infantaria, enquanto a reserva ganhava tempo para treinar mais homens e mulheres que se juntariam ao esforço.

Já em 13 de julho foi possível iniciar uma reação, libertando as cidades de Rogachov e Zhoblin, na região metropolitana de Smolensk, onde no total 8 divisões alemãs foram destruídas. Nesse momento, a principal novidade é a chegada na linha de frente dos foguetes Katyusha, peça de artilharia móvel que foi fundamental na vitória soviética, pela sua rapidez e dinamismo. Apelidado de “órgão de Stálin”, era o terror das tropas nazistas, que ao conseguirem identificar de onde vinha o ataque, este já havia sido encerrado e movido para a linha de defesa. Outro ponto importante foi o início do trabalho dos guerrilheiros, armados com fuzis, granadas e coquetéis Molotov, a bomba caseira incendiária que foi popularizada no conflito.

Mesmo com todos esses esforços, em 16 de julho de 1941 a cidade foi tomada pelos invasores, com apenas a parte norte sendo retomada entre 23 e 27 de julho do mesmo ano. Apesar de sua queda, Smolensk foi fundamental para barrar o avanço rápido até Moscou e para demonstrar a importância da retaguarda civil ao Exército Vermelho. Sua heroica valentia mostrou os pontos principais a serem seguidos no início da contraofensiva soviética que seria desencadeada em breve. Seus heróis não serão esquecidos e seu nome ficará marcado na História.

Uma bateria de foguetes soviéticos Katyusha disparando nas montanhas dos Cárpatos durante a guerra de 1944. Crédito: History Net.

Bibliografia

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

IEREMEEV, Leonid. O Exército Soviético na Segunda Guerra Mundial: Aos 50 anos da vitória. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1995.

KULKOV, E., RJECHEVSKI, O. e TCHELICHEV, I. A verdade e a mentira sobre a Segunda Guerra Mundial. Edições Avante, 1985.

PITILLO, João Cláudio Platenik. Aço Vermelho: os segredos da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.

WERTH, Alexander. Stalingrado, 1942: o início do fim da Alemanha nazista. São Paulo: Contexto: 2015.

ZHUKOV, Guerogui. Memorias y reflexiones. 1969.

4 comentários em “Smolensk: fantasia e realidade na frente leste da II Guerra Mundial

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  1. Muito boa escrita acerca do esforço de guerra contigencial soviético ao avanço nazista. Demonstra-se sempre o despreparo orgulhoso de sucessivas vitórias relâmpagos ser um dos principais calcanhar de Aquiles para os alemães. Incentivo também uma escrita acerca da Batalha por Karkhov na Ucrânia. Boa disputa também entre essas máquinas de guerra.

  2. Parabéns Vinícius, muito interessante sobre essa batalha, continuarei a acompanhando quando possível, abraços tio eninho

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por Anders Noren

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