Obsessão: o amor conturbado de um veterano de guerra

Cena do filme “Obsessão”. Crédito: IMDb.

Amor é algo facilmente confundido por outros tipos de sentimentos, normalmente, menos altruístas, menos puros e incondicionais como a paixão, a necessidade de controle, de possuir, ou a obsessão por alguém. Esta questão é bastante explorada nas mais diversas cinematografias pelo mundo e na sul-coreana não seria diferente. No filme “Obsessão” (2014), dirigido por Kim Dae Woo, o coronel Kim Jin Pyong (Song Seung Heon), que fez parte do grupo de militares sul-coreanos levados a combater junto às tropas dos Estados Unidos no Vietnã, sofre em silêncio de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT).

Decorado herói de guerra, ele também está prestes a ser promovido a general. É casado com a filha de seu comandante, a gentil Lee Sook Jin (Cho Yeo Jeong). Uma união que, ao menos para ele, não há mais qualquer afeição e carinho real, mas um coronel deve sempre, ao menos em teoria, seguir suas obrigações. Um dia, um capitão chamado Kyung Woo Jin (On Joo Wan) é transferido para a tropa de Jin Yong, mudando-se para a casa ao lado com sua esposa, a chinesa, Ga heun (Lim Ji Yeon).

Até um período, os vizinhos não parecem ter grande contato, mas a esposa do coronel está bastante interessada nos recém-chegados. Assim, ela acaba provocando a curiosidade de coronel Kim Jin Pyong que vai a casa dos vizinhos e depara-se com a esposa de seu capitão. Percebe-se de pronto que uma atração instantânea acontece, resultando em um caso extraconjugal futuro.

“Obsessão” não é um filme extraordinário, nem aborda questões muito diferentes que outros já não tivessem discutido, mas tem seus encantos. Em especial pela forma como a narrativa é construída, pelas atuações, pelas críticas implícitas, quase sutis, e pela sua beleza fotográfica. É importante ainda ressaltar, perdão a indiscrição da autora, a beleza física do ator Song Seung Heon, cuja forma corpórea é bem utilizada pelo diretor, em especial nas cenas de sexo.

Os quadros e tomadas dos momentos mais íntimos do casal são bastante explícitos para os padrões sul-coreanos, mas ao mesmo tempo têm uma sensualidade e uma plasticidade interessante, não sendo nada vulgares. A atuação do par de atores atingiu o objetivo em demonstrar ter bastante química, naturalidade e desenvoltura nestas cenas em particular, algo extremamente complicado e difícil de fazer, ainda que o público geral ache que não.

A fotografia bastante clara em ambientes externos e que utiliza luzes quentes nos momentos de confraternização dos indivíduos daquela situação e em seus momentos mais íntimos também, contribui para envolver o espectador naquela atmosfera de sentimentos reprimidos, para depois serem extravasados quando os personagens permitem-se mais. As sombras durante as passagens de tensão também almejam incitar no público a sensação de perturbação, a turbulência psicológica do casal de amantes, em especial do coronel.

Por sinal, segundo o próprio Song Seung Heon, esta obra foi um divisor de águas para a sua carreira, já que ele necessitaria até então provar para si que seria capaz de participar em tal produção. O ator que até aquele momento sempre fizera papeis de mocinho com carinha bonita, ansiava por mostrar que era mais do que isso. Para muitos, este, que é um dos queridinhos da onda Hallyu, fracassou no seu objetivo, mas esta autora tende a descordar com a opinião geral.

Song Seung Heon é sim um grande ator e incarna de forma muito convincente, com a dosagem certa de emoção, o coronel introvertido, que sofre em silêncio, que mantem as aparências acima de tudo, mas que sufoca aos poucos com o contexto um tanto opressor em que está inserido. Importante ainda salientar que esta foi a primeira experiência do ator com cenas íntimas de um casal.

No entanto, ele não atingiria tal resultado positivo, sem a participação conjunta de suas e seus colegas. O elenco dos personagens secundários cumpre o papel de suporte de forma bem satisfatórias. A atriz Cho Yeo Jeong faz uma esposa perfeitamente avoada, infantil, tagarela, que vive em seu pequeno mundinho de aparências e nem nota o sofrimento do marido. Ela está mais preocupada com o entorno e os demais, do que com aqueles que lhe são mais próximos, vivendo em um mundo à parte.

Um mundo feliz e bonito, criado, talvez, de forma inconsciente em consequência de ser uma mulher mimada, ou pela sua dificuldade em lidar com questão complicadas, como ser esposa de um militar, herói de guerra. Não se trata de uma pessoa ruim, mas um clássico clichê da mulher da época que é agradável com todos, não é preconceituosa, mas ao mesmo tem a cabeça enquadrada no sistema.

Já On Joo Wan faz o típico aproveitador, carreirista, capaz de usar a própria mulher para atingir seus objetivos profissionais. O capitão Kyung Woo Jin representa bem como é um ambiente estruturado em uma hierarquia muito rígida, resultando em diversos puxas-sacos e profissionais que apresentam uma ambiguidade de caráter, tão comum a este meio, quanto a outros digamos mais liberais. Lim Ji Yeon também vive de forma crível uma mulher quase apática para a vida. Ela compreende que o marido a explora, mas aceita. Mesmo não sentindo conforto, nem felicidade ao seu lado.

Seu encontro com o coronel, ainda que contenha grande carga emocional em vários momentos, no geral, parece apenas mais um acontecimento, quase um acidente de percurso a sua existência, sendo bastante evidente em outros momentos de tensão do filme. A atriz, de repente, encarnou tanto a apatia de sua personagem, que lhe faltou uma dose maior de explosão emocional ao final, em que Ga Heun compreende que sentia amor pelo coronel afinal. Detalhe que esta foi a primeira experiência da atriz em um projeto cinematográfico comercial.

Cena do filme “Obsessão”. Crédito: IMDb.

Esta atmosfera de passividade com relação ao status quo é realmente uma característica que engrandece o enredo. A sensação é de que se está sufocando em torno de pessoas tão bem-comportadas, tão aparentemente cordiais e diplomáticas. É possível compreender o coronel em vários momentos e seus conflitos internos.

Contudo, nos bastidores, as fofocas espalham-se, assim como os preconceitos com a chinesa Ga Heun e a superficialidade de mulheres que parecem insistir em levar vidas normais, com uma, ou outra aventura, uma que outra atitude ousada, como dançar às segundas com um estranho chamado Lim (Yu Hae Jin), dançarino de tango. Enquanto isso, seus maridos vivem as experiências mais horríveis que um ser humano pode experienciar. A guerra está em pleno vapor ainda no Vietnã, mas parece não atingir o cotidiano daquele pequeno mundinho sul-coreano, aparentemente.

O romance com Ga Heun será para o coronel Kim Jin Pyong como o ponto de explosão, em que ele extravasa suas angústias e tenta experimentar retornar a vida normal. Isso é perceptível quando ele procura aprender a dançar para uma noite especial com aquela que ele acha ser sua nova e verdadeira amada.

Talvez, o que tenha provocado no coronel estabelecer este vínculo com Ga Heun fosse a reação dela em um momento de extrema tensão, em um evento do hospital do exército, organizado pelas esposas dos oficiais comissionados, onde são voluntárias. Na ocasião, um paciente que sofre de TEPT ataca Ga Heun, e Kim Jin Pyong vem em seu auxílio.

Ela chega a ser baleada, mas age como se nada tivesse ocorrido, enquanto as demais mulheres desesperadas gritam e desmaiam. Uma atitude que chama atenção a um ex-combatente de guerra, pois ali está alguém que pode entender um pouco das suas experiências e do que significa viver a sua realidade, ser quem ele é, tendo de presenciar situações de conflito, comuns para aquele modo de vida.

Outra curiosidade do filme, e que poderia ter sido melhor explorada, é justamente o fato histórico da participação sul-coreana na Guerra do Vietnã, algo pouco comentado, talvez até por razões compreensíveis. Afinal, este evento histórico traz uma verdade um tanto vergonhosa para uma Coreia que sempre lutou por independência, acabar submetida às ordens de outro país, que almejava invadir e controlar um irmão asiático.

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Por fim, seria amor o que o Coronel sente? Ou apenas uma consequência de sua mente perturbada? Para a maioria dos críticos na época a segunda constatação seria a certa. Esta autora acredita que o humano é sempre mais complexo e aposta que podem ser ambos. Pois mentes perturbadas também amam, de forma errada talvez, mas amam.

E anseiam, acima de tudo, buscar algo de mais real, verdadeiro e honesto que o entorno aparentemente da normalidade e da aparência não oferece.  Alguém que entenda as dificuldades e não apenas as ignore. Trata-se de uma tentativa de buscar por algo melhor, mesmo que passe de uma ilusão e que possa ter consequências mais drásticas em seu desfecho.

Fonte: Texto originalmente publicado no site do Koreapost
Link direto: https://www.koreapost.com.br/colunas/cine-coreia/obsessao-o-amor-perturbado-daqueles-que-retornam-da-guerra/

Título: Obsessão (Obsessed em inglês)
Título em coreano: 인간중독 (Inganjoongdok)
País: Coreia do Sul
Direção: Kim Dae Woo
Roteirista: Kim Dae Woo, Oh Tae Kyung
Elenco: Song Seung Heon, Lim Ji Yeon, Cho Yeo Jeong, On Joo Wan, Yu Hae Jin, Bae Sung Woo, Park Hyuk Kwon, Jeon Hye Jin
Duração: 2h12min
Lançamento: 14 de maio de 2014
Idioma: coreano
Legendas: inglês, português

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por Anders Noren

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