O inferno nuclear de “Pandora”

“Pandora” (2016), do diretor Park Jung Woo. Crédito: Netflix.

O maior inimigo do ser humano é a sua estupidez. Esta é uma das conclusões a que se pode chegar ao assistir “Pandora” (2016), do diretor Park Jung Woo. A atual preocupação com uma possível guerra mundial nuclear é uma demonstração da incapacidade do homem de focar sua atenção para perigos reais, que ele, possivelmente, nem suspeita que podem custar-lhe a vida – como a explosão do reator de uma usina nuclear.

Lembro de um professor de Relações Internacionais argumentando em sala de aula sobre a questão norte-coreana; ele sempre salientava: “governos não tomam medidas que podem levar a uma auto eliminação”! Realmente, por trás da criação e utilização de bombas nucleares há sempre muita inteligência e estratégia militar envolvida, já em uma usina nuclear, não!

A Coreia do Sul é um dos países que mais utiliza este tipo de energia. São 24 plantas nucleares, distribuídas em nove cidades, ao longo de 28 condados. A maioria delas localiza-se ao sul do país, região mais vulnerável a terremotos. A história é repleta de grandes catástrofes nucleares que ocorreram em diferentes países, em decorrência da incompetência governamental e empresarial. Após o último acontecimento em Fukushima no Japão, a população sul-coreana tornou-se mais sensível ao tema, pressionando suas autoridades a não expandir mais a construção de novas instalações nucleares, o que tem sido ignorado até o momento. “Pandora” é um filme de protesto e tenta em 136 minutos deixar claro ao espectador o quadro infernal de uma catástrofe, muito possível de ocorrer, pois depende apenas da negligência humana para eclodir.

Crédito: IMDb.

Junto ao tema central de denúncia temos outras questões vinculadas que são bem desenvolvidas durante toda a trama. Jae Hyeok (Kim Nam Gil) vive com sua mãe (Kim Young Ae), sua cunhada (Moon Jeong Hee) e o sobrinho Min Jae (Bae Gang Yoo) em uma pequena cidade coreana. Ele, no início, parece mais um destes rapazes preguiçosos que ainda vivem com a mãe e parece não ter rumo. Enquanto ainda pensa no que fará da vida, segue trabalhando na mesma usina que seu pai e irmão morreram em um acidente passado.

Ele namora Yeon Joo (Kim Joo Hyun), uma mulher forte, que o ama realmente, atua pelo bem de todos e que deseja, um dia, casar-se com ele. Contudo, Jae Hyeok almeja trabalhar em um barco de pesca e viajar para outras partes do mundo como a América do Sul e o Alaska. Porém, seu sonho é constantemente limitado por Yeon Joo e a mãe que não desejam vê-lo afastado da família. Afinal, em uma cultura ainda muito patriarcal como a coreana, a presença de uma figura masculina que comande e cuide de tudo e de todos ainda se faz essencial. Não há muita liberdade para o jovem, que tenta a todo custo largar o trabalho na usina nuclear.

Ele tenta ter um negócio em outra cidade, mas acaba falindo, tendo de retornar ao perigoso trabalho para pagar suas dívidas. A mãe é uma personagem bastante autoritária e teimosa, controlando a vida de todos, inclusive da cunhada que tenta dialogar com ela e fazê-la aceitar que Jae Hyeok vá para o exterior. Contudo, ela é repreendida automaticamente pela matriarca. A figura materna aqui, apesar de autoritária, apresenta uma fragilidade passiva em suas ações, comprometendo a vida de toda a família.

Mesmo tendo perdido o marido e o filho em um acidente nuclear passado, ela não se opõe que o filho continue trabalhando no mesmo local; ela ainda permanece residindo na mesma cidade, próxima à usina. Aqui há uma crítica muito interessante a alta hierarquização da sociedade coreana e às regras de vida em família, que limitam, e muitas vezes acabam, com sonhos e atuações da juventude, impedindo que estes possam servir positivamente ao país. Também remete a crítica do poder que grandes empresas detêm sobre a vida dos moradores de pequenas cidades, sendo elas a única fonte de trabalho e renda para a população local.

Esta mesma situação é representada pelo presidente do país (Kim Myung Min), um homem jovem que é constantemente podado pelo primeiro-ministro, mais velho e, portanto, provavelmente, mais “experiente”. Ocorre que após o terremoto que atinge a cidade, e a crise gerada pelo vazamento do reservatório de água, que impele o superaquecimento do reator nuclear e, consequentemente, sua explosão, ninguém parece ter qualquer preparo, ou experiência para lidar com uma catástrofe dessas.

E é exatamente isso que o filme nos mostra. As autoridades ignoraram todos os avisos dos técnicos como Pyung Sub (Jung Jin Young), diretor na usina e depois, chefe da equipe de resgate e ao apelo de ativistas como Nam (Kim Se Dong). Assim, vários erros são cometidos desde indicar para cargos de chefia pessoas despreparadas, sem conhecimento sobre o assunto, até a problemas existentes na estrutura da planta nuclear que possam levar a um acidente.

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Não há também plano de proteção, de evacuação dos residentes. Nem tempo para avaliar melhor a condição da usina foi dado a Pyung Sub. Até certo momento da catástrofe, empresários e autoridades ficam mais preocupados com os custos de tomar medidas necessárias, ou o que elas representariam para suas carreiras.

Após a explosão, as autoridades ainda tentam limitar o acesso à informação do problema, mas os residentes, em cooperação com a mídia, logo esclarecem os fatos à nação, criando um pânico geral. Por fim, sobrará ao técnico e aos trabalhadores como Jae Hyeok sacrificarem as próprias vidas para evitar um desastre maior.

Diferentemente de Hollywood, Park Jung Woo não está preocupado com o conforto do espectador. Não há um momento cômico, ou de relax, durante todo o filme. São 136 minutos de total tensão, com cenas repletas de momentos dramáticos e de efeitos especiais bem construídos, que auxiliam no estado de alerta que se quer provocar na plateia. Também é uma narrativa que não contempla heróis, nela há apenas vilões e vítimas. O herói Jae Hyeok é um típico explorado pelo sistema e pela sociedade, tendo suas oportunidades limitadas desde sempre.

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Na cena final, que ele vai explodir o reservatório de água para deixar que as salas abaixo do tanque permaneçam inundadas e esfriem o reator, já que foi impossível conter o vazamento daquele, o jovem herói deixa uma mensagem de despedida aos familiares: desculpando-se por cumprir com suas promessas e que eles lembrassem: ainda que fosse um perdedor, ele não fora um covarde!

A vida pode ser realmente uma droga”, diz o jovem antes de morrer. As palavras do personagem são uma clara punição aos diversos vilões, entre eles sua mãe, e uma mensagem geral de que esta questão não era para ser tratada de forma leviana. Como uma crítica da revista Variety, Maggie Lee, escreveu: “Pandora” é um filme que nenhum dos maiores diretores japoneses ousariam fazer. Isso ocorre em decorrência do tema causar pânico a uma nação que tem em sua história um horrível ataque nuclear e centenas de acidentes sísmicos que provocaram crises, entre elas a de Fukushima.

Por fim, “Pandora” também deixa implícito aos ativistas ecológicos, que mesmo sendo o aquecimento global uma ameaça, energias limpas como a nuclear, não podem ser a resposta, ou a substituição definitiva ao petróleo, o carvão, ou o gás. No entanto, a palavra “Pandora”, vem da mitologia grega. Era um artefato que foi dado a primeira mulher criada por Zeus, Pandora. Ela abre o jarro e deixa todos os males do mundo contidos nele saírem, com exceção da esperança. Um lição terrível foi dada à  família de Jae Hyeok, assim como às autoridades. Nisso está a esperança que se aprenda e ensine às futuras gerações sobre os perigos da energia nuclear e os cuidados que se deve ter com ela.

Desta forma, espera-se que, no futuro, a esperança não tenha de ser depositada em um jovem trabalhador, que precisa sacrificar sua vida para solucionar um problema, criado pela da falta de humanidade e coletivismo de seus compatriotas. Este filme encontra-se disponível no Netflix.

Fonte: Texto originalmente publicado no site do Koreapost
Link direto: http://bit.ly/koreapost-infernonucleardepandora

Título: Pandora
Título em coreano: 판도라
País: Coreia do Sul
Direção: Park Jung Woo
Roteirista: Park Jung Woo
Elenco: Kim Nam Gil, Kim Joo Hyun, Jung Jin Young, Kim Young Ae, Moon Jeong Hee, Bae Gang Yoo, Kim Dae Myung, Lee Kyoung Young, Kang Shin Il, Yoo Seung Mok, Kim Se Dong, Kim Myung Min
Duração: 2h16min
Lançamento: 7 de dezembro de 2016
Idioma: coreano
Legendas: inglês, português

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por Anders Noren

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