Uma Pátria invisível? Breves comentários sobre as incursões televisivas que abordam o ETA e o País Basco

A série “A linha invisível”, sobre a história do ETA, produzida pela Movistar e dirigido por Mariano Barroso. Crédito: https://www.nit.pt/

A história da Espanha tem como um dos seus marcos os conflitos em torno da unidade nacional. No turbulento século XX, palco da Revolução e Guerra Civil Espanhola e do Franquismo, isso não foi diferente. O País Basco teve um dos mais engajados e violentos movimentos separatistas da história contemporânea.

O grupo terrorista ETA (Euskadi Ta Askatasuna: Pátria Basca e Liberdade) foi o protagonista deste período histórico. A organização nacionalista e separatista, surgida em 1959, evolui para um grupo paramilitar que realizou sequestros, ataques, assassinatos e bombardeios (um deles bastante relembrado em dezembro: a morte de Luis Carrero Blanco, escolhido para suceder a Franco no regime, e que morreu quando seu automóvel explodiu e foi jogado no quinto andar de um edifício, em 1973).

Em 2011, o grupo promulgou o fim das suas atividades, mas só abandonou a luta armada em 2017. Em 2018, foi pedido perdão para as vítimas. Após o encerramento de suas atividades, o ETA volta à cena através da literatura e principalmente das produções televisivas. Duas ganharam destaque esse ano: “Pátria”, produzida pela HBO, e “A linha invisível”, da Movistar. Ambas fomentaram um debate e uma revisão desse período e do ETA.

A série “Pátria” era bastante aguardada. Após o anúncio da sua produção criou-se grande expectativa. A obra foi baseada no romance de Fernando Aramburu, que causou comoção na Espanha. Félix Viscarret dirige os quatro primeiros episódios e Óscar Pedraza os outros quatro. A narrativa concentra-se na vida de duas mulheres (Elena Bittori e Miren Uzkudun) e as consequências para suas famílias após o assassinato do empresário Txato, esposo de Elena, que não pagou o valor pedido pelo ETA devido a dificuldades financeiras.

A trama contrapõe o contexto dos anos 1990 com o ano de 2011. O andamento cauteloso da narrativa permite destacar de forma detalhada o sofrimento dos personagens. Os oitos episódios (Octubre benigno, Encuentros, Últimas merendas, Txato, entzun, pim, pam, pum, El país de los calados, Patrias y mandangas, Pan ensangrentado, Mañana de domingo) fazem uso de flashbacks e elipses narrativas exigindo atenção do espectador.

Se a produção da HBO prometia chamar atenção, ela teve que dividir o palco com a obra “A linha invisível”. A série acompanha história de Txabi Etxebarrieta. Ao assassinar o guarda civil Antonio Pardines (a primeira vítima das 853 do ETA) Txabi ultrapassou a “linha invisível” que dá título a obra. Tal como Pátria, a série antepõe dois personagens na narrativa.

Mas, ao invés de duas mulheres que eram amigas e separam-se pela ação do ETA, aqui há demarcação de atuação nas esferas políticas. Txabi era estudante e professor e o policial Melitón Manzanas era chefe da Brigada Social de Guipúzcoa, responsável pela vigilância de dissidentes e pelas torturas de prisioneiros. Antonio de la Torre, que interpreta Melitón, rouba a cena entregando uma grande atuação. A série também destaca o grupo de jovens que participava do movimento e a influência de um “ideólogo” conhecido como inglês e que residia na parte francesa do País Basco.

O mérito da obra é mostrar as raízes estudantis e operárias do ETA. Há um perfil de esquerda nas posturas e influências do grupo, que buscavam agregar ao recorte revolucionário a questão nacionalista basca. O endurecimento do regime levou o grupo a cruzar a linha invisível. A série tenta ressaltar isso associando os motivos individuais e as diferentes visões dos grupos que compunham a organização.

Se “Pátria” foi baseado num romance de sucesso, “A linha invisível” teve sua estrutura narrativa sustentada em pesquisas históricas, tendo como ponto de partida o interesse do seu realizador Abel Garcia Roure. Em 2013, ele começou a planejar um filme e iniciou a escrita do roteiro com Fran Araujo, mas acabou desenvolvendo uma história mais longa. Com a aprovação do projeto, em 2015, contatou o historiador Gaizka Fernandez Soldevilla, que estava realizando pesquisas sobre o tema, para assessorar a produção da série composta por seis episódios (Pintadas y petardos, Un líder, Tambores de guerra, Un poeta, La línea, El futuro).

Para quem deseja conhecer de forma mais aprofundada esse ponto da história espanhola, o melhor exercício é assistir “A linha invisível” e depois “Pátria”. Ambas complementam-se e traçam um panorama da questão percorrendo quase 60 anos. Ambas tratam de deixar muitas questões: qual o peso do passado para as gerações seguintes? Como as escolhas dos filhos mudam a vida dos pais? Como a vida política afeta as escolhas familiares? Qual a diferença da reação do governo espanhol ao movimento numa ditadura e numa democracia? E tantas outras.

Sugestões de leitura e referências
https://www.espinof.com/criticas/linea-invisible-estupendo-retrato-origenes-eta-mejores-series-movistar-ahora
https://fueradeseries.com/critica-la-linea-invisible-movistar-origenes-de-eta-98fc4b3f2479
https://www.elperiodico.com/es/series/20200405/critica-serie-la-linea-invisible-mariano-barroso-movistar-nacimiento-eta-7917915
https://cineuropa.org/es/newsdetail/387616/
https://vertele.eldiario.es/noticias/critica-la-linea-invisible-ETA-Franco-policia-serie-movistar_0_2220078019.html
https://valenciaplaza.com/la-linea-invisible-es-una-de-esas-historias-que-habia-que-contar
https://www.revistagq.com/noticias/articulo/patria-hbo-final-explicado-critica
https://www.lavanguardia.com/series/hbo/20201029/4966667562/patria-hbo-critica-lengua-euskera-pais-vasco.html

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por Anders Noren

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