
A Segunda Guerra Mundial teve como marca indelével o genocídio praticado pelos nazistas, sendo o mais conhecido o dos judeus, o Holocausto. Todos conhecem a história sobre os guetos, os campos de extermínio e o número assustador entre 4,5 a 6 milhões de judeus assassinados. A imagem que sempre se teve foi dos judeus sendo levados praticamente sem reação para os guetos, para os campos e depois para as câmaras de gás.
Entretanto, foram muitos os casos de revoltas, levantes, resistência armada que assustaram os nazistas e, além de mostrar a dignidade e a coragem dos envolvidos, salvaram muitas vidas. Aqui vamos nos ater a um caso específico ocorrido na Bielorrússia: a guerrilha Bielski. A Bielorrússia, hoje Belarus, era uma região que pertencia à Rússia, mas após a Revolução de Outubro, a criação da URSS e a guerra civil que se seguiu teve sua parte ocidental anexada à Polônia.

Com a invasão da Polônia em 1939 e o pacto de não agressão, a União Soviética recuperou o território, que entretanto foi invadido e ocupado pela Alemanha Nazista durante a Operação Barbarossa em 1941. Com a ocupação os nazistas passaram a executar sistematicamente dezenas de milhares de judeus no Distrito de Nowogrodek (Novogrudok), entre julho de 1941 e outubro de 1942, enviando os demais para guetos. Posteriormente a SS e as unidades policiais de colaboracionistas assassinaram os judeus que se encontravam nos guetos.
Depois que seus pais e dois irmãos foram assassinados pelos alemães no gueto de Nowogrodek, em dezembro de 1941, três irmãos sobreviventes da família Bielski, Tuvia, Asael e Zus, esconderam-se nas florestas e criaram um grupo de partisans (guerrilheiros). No início, os irmãos Bielski tentaram salvar apenas suas próprias vidas e as de seus familiares, formando um grupo de 30 parentes e amigos. Tuvia Bielski, um veterano do exército polonês e líder carismático foi a escolha natural para comandar o grupo. Seu irmão Asael tornou-se o vice-líder e Zus ficou encarregado de efetuar incursões de reconhecimento do território inimigo. Um quarto irmão, muito mais jovem, Aron foi incluído no grupo.

Os Bielski eram uma família judaica de agricultores de um vilarejo próximo de Stankiewicze. Portanto, conheciam bem a região. Isso ajudou a enganar os nazistas e seus colaboradores bielorrussos. Com a ajuda de amigos e vizinhos não-judeus conseguiram algumas armas. Também contaram com armamento capturado dos alemães, armas soviéticas e equipamentos fornecidos por partisans soviéticos, estes já com atividades militares de acordo com a orientação de Moscou.
A despeito de algumas incursões e atos de vingança, Tuvia Bielski acreditava que sua principal missão era a de salvar a vida de judeus, de modo que localidades de Lida, Nowogrodek, Minsk, Iwie, Mir, Baranowicze e de outros guetos muitos foram estimulados a escapar e unir-se ao grupo na floresta. Patrulhas do grupo vasculhavam constantemente as estradas em busca de fugitivos que necessitassem de proteção. Outros judeus de grupos menores juntaram-se ao grupo Bielski que chegou a 300 pessoas, no final de 1942, e autodenominava-se Otriad Bielski (em russo destacamento guerrilheiro), mantendo-se de forma nômade nas florestas (também eram denominados de judeus da floresta).

Entretanto, em agosto de 1943, os alemães iniciaram uma caçada de grandes proporções, destinada a encontrar e destruir partisans soviéticos, poloneses e judeus naquela região. Foram mobilizados mais de 20.000 militares, membros das SS e da polícia. Nesse momento o Otriad Bielski era composto por cerca de 700 judeus, correndo maior risco de ser detectado pelas patrulhas nazistas. Assim, tiveram que se transferir em dezembro de 1943 para uma base permanente na floresta de Naliboki, uma região pantanosa e de difícil acesso, na margem direita do Rio Niemen, ao leste de Lida e nordeste de Nowogrodek.
Desta forma, foi criada uma verdadeira comunidade judaica, mantendo sua identidade religiosa e cultural. A despeito das dificuldades,Tuvia Bielski nunca deixou de aceitar e proteger todos os refugiados judeus, sem importar sua idade, ou gênero. O grupo organizou os trabalhadores com formação e determinadas habilidades em oficinas improvisadas que empregavam pelo menos 200 pessoas, entre elas sapateiros, alfaiates, carpinteiros, artesãos de couro e ferreiros.

Em uma atitude que demonstrou determinação e esforço extremo, o grupo construiu um moinho, uma padaria, uma lavanderia, uma enfermaria primitiva, uma escola para as crianças e uma sinagoga. Os grupos de trabalho forneciam ao acampamento alimentos e cuidavam da terra, onde era possível cultivar trigo e cevada. Embora o Otriad não possuísse necessariamente uma linha ideologica socialista, Tuvia Bielski e outros líderes cooperavam com os partisans soviéticos. O próprio Tuvia desenvolveu um relacionamento amistoso com o comandante regional dos partisans soviéticos, General Vassily Yefimovich Chernyshev (cujo codinome era “Platão”). Este reconhecia a função crucial do acampamento como base de manutenção para os guerrilheiros soviéticos. Em 1944, os líderes do acampamento receberam armas do quartel-general dos partisans soviéticos.
Ao mesmo tempo em que salvava vidas e protegia os não-combatentes no acampamento, o grupo realizava diversas missões de combate, justiçando policiais bielorrussos que cooperavam com os nazistas e também agricultores locais suspeitos de delatar e assassinar judeus. O grupo danificou trens alemães, explodiu trilhos ferroviários, destruiu pontes e facilitou fugas dos guetos. Os combatentes do grupo normalmente uniam-se aos partisans soviéticos em operações contra guardas e instalações inimigas, matando muitos alemães e seus colaboradores locais.
Em 22 de junho de 1944, as tropas soviéticas iniciaram uma ofensiva maciça na Bielorrússia oriental. Em seis semanas, o exército soviético destruiu o Grupo Central do Exército alemão e rumou para o oeste, até o Rio Vístula na Polônia, libertando assim toda a Bielorrússia. Na época da libertação, o grupo contava com 1.230 pessoas, sendo que mais de 70% eram mulheres, idosos e crianças. Estima-se que 50 membros do Otriad tenham sido mortos – um índice relativamente baixo em comparação a outros destacamentos guerrilheiros e grupos judaicos na região. Após a libertação, Asael alistou-se no exército soviético, tendo morrido no front da Prússia Oriental. em fevereiro de 1945.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, Tuvia e Zus Bielski emigraram primeiro para a Palestina e depois para os Estados Unidos, onde passaram o resto de suas vidas. Essa história surpreendente e comovente só chegou ao conhecimento do público brasileiro por meio do filme “Ato de Liberdade” (Defiance), protagonizado por Daniel Craig no papel de Tuvia. Um drama bem-feito e interessante por resgatar a questão central que foi o surgimento e sobrevivência desse grupos de judeus.
Obviamente por ser uma obra hollywoodiana está carregada de situações romanceadas e inverossímeis. Não se critica a adaptação necessária para as telas, mas as alterações desnecessárias e uma certa má vontade com os soviéticos, típica da filmografia norte-americana. A despeito disso, recomenda-se assistir o filme e ler o livro de mesmo nome, escrito por Nechama Tec e lançado pela Editora Record.
Um novo documentario sobre os irmãos está sendo produzido por Sharon Rennert, saiba mais acessando Bielski Documentary.
Trailer do filme “Um ato de liberdade” (2008), dirigido por Edward Zwick.
Entrevista com Zus Bielski (em inglês):
Agradecemos!
PARABÉNS….ESCLARECEDORA A MATÉRIA