
Não bastasse o início precipitado – há um mês, quando a pandemia de Covid-19 estava (e continua) em seu pico -, o Brasileirão 2020 tem sido marcado por outro absurdo. O uso do árbitro de vídeo – o VAR, da sigla em inglês (video assistent referee). Ou se acaba com o VAR no futebol ou o VAR acaba com o futebol.
E não se trata de resistência à tecnologia, nem de não querer a atualização do esporte. Ao contrário. O futebol é sempre vanguarda porque é o jogo das subjetividades. Da imprecisão, do inesperado. É o jogo do momento. E o VAR mata isso. O futebol é o jogo em que as percepções e as decisões são aquelas do instante, do in loco. E o VAR enterra isso.
Justamente quando o mundo mais procura e precisa de experiências que fujam à mecanização, à robotização, o futebol – que é isso, das emoções – é transformado num jogo mediado pelo computador. Justamente quando a sociedade carece de, e parte dela busca, meios de se humanizar, o futebol, que traz as sensações da vida humana à flor da pele, é transformado num videogame modorrento.
Poderia esparramar aqui em argumentos técnicos e científicos que sustentam, objetivamente, a inviabilidade do VAR no futebol. Por exemplo, dizer que todo movimento humano exibido em câmera lenta tem uma conotação diversa daquela que o movimento em si, em seu tempo real de acontecimento, denota. Não precisa ser teórico em linguagem audiovisual, comunicação, semiótica ou algo do gênero para saber disso.

Só fazer um teste: dá um tchauzinho aí com a mão. Agora imagina esse tchauzinho em câmera lenta. Deixa de ser um tchauzinho, torna-se um aceno melancólico. Deturpação assim ocorre com a câmera lenta de um movimento de braço de um jogador que venha eventualmente a esbarrar, com o braço ou a mão, na bola. Sempre em câmera lenta terá a sensação de gesto deliberado.
Só o exato instante de quando acontece é que é capaz de revelar se foi ou não intencional. Portanto, só no aqui-e-agora do campo é que se tem condições de julgar. Não se decide futebol em ilha de edição. Porque, se assim for, deixa de ser futebol.
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