
A primeira viagem do presidente americano Joe Biden ao exterior como Comandante-em-Chefe é uma viagem de oito dias à Europa, que começou em 9 de junho. Ele se encontrará com o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e a Rainha Elizabeth II, além de comparecer ao G7, Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e cimeiras da União Europeia (UE). O líder americano encerrará sua visita com um encontro com o presidente russo, Vladimir Putin, em Genebra. Existem grandes expectativas em relação ao sucessor do ex-presidente Donald Trump, mas mesmo que ele as cumpra, isso não é necessariamente uma coisa boa, já que suas intenções não são tão inocentes como muitos as retrataram.
O principal objetivo da viagem de Biden é reviver a política de multilateralismo da era Obama, que Trump abandonou em busca de cursos de ação mais unilaterais contra o que considerava rivais de seu país. Esta iniciativa foi superficialmente descrita como uma “Aliança de Democracias”, a fim de contrastá-la provocativamente com a falsa percepção de todos os outros países não aliados dos americanos, supostamente, não democracias. As três cúpulas multilaterais das quais participará incorporam essa ótica. Enquanto estiver lá, espera-se que Biden faça o melhor para gerar um consenso mais confiante sobre a posição de seus aliados em relação à Rússia e à China.
Os EUA parecem ter finalmente percebido a futilidade de tentar conter simultaneamente essas duas potências mundiais, daí a necessidade de um avanço estratégico. Ao contrário das esperanças que alguns tinham antes de sua posse, não parece mais haver qualquer chance crível de uma distensão significativa com a China, o que poderia explicar o pragmatismo dos Estados Unidos em relação à Rússia no mês passado.
Coincidentemente ou não, a administração Biden anunciou então que basicamente permitirá que o gasoduto russo Nord Stream II para a Alemanha seja construído com sanções mínimas contra entidades específicas, em vez de setoriais como alguns fizeram lobby. Poucos dias depois, o secretário de imprensa do Pentágono anunciou que sua instituição não considera a Rússia um “inimigo” em uma reviravolta em relação à política anterior. Por mais surpreendente que pareça, não podemos deixar de perguntar se Biden poderia realmente ter sucesso em intermediar a reaproximação americano-russa – embora incipiente e lenta – que Trump esforçou-se tanto para fazer, mas acabou falhando.
Essa observação sugere que as burocracias militares, de inteligência e diplomáticas permanentes dos EUA (“Estado Profundo” – Deep State em inglês) chegaram à conclusão de que tal eixo político está mais alinhado com seus interesses do que uma reaproximação comparativa com a China. Só se pode especular sobre seu cálculo estratégico, mas esse insight não é exatamente um segredo, já que está causando pânico em alguns dos países da Europa Central e Oriental, como a Polônia e os Estados Bálticos, que se posicionaram como os mais politicamente anti-russos no mundo. Alguns de seus especialistas agora temem ser “traídos” por Biden como parte de um grande acordo entre ele e Putin.
Não há dúvida de que os EUA exercem uma influência desproporcional sobre as políticas externas e militares de seus aliados da UE e da OTAN (que geralmente são o mesmo), mas alguns deles estão claramente perturbados pelo cálculo estratégico aparentemente mutante dos EUA, daí a necessidade de Biden para articular a política emergente de seu país. Seja como for, as autoridades russas não têm grandes expectativas em relação à cúpula, mas, no entanto, esperam que ela os ajude a administrar melhor suas difíceis relações com os Estados Unidos. O efeito final desse resultado de uma perspectiva estratégica americana seria que os EUA poderiam concentrarem-se mais em “conter” a China.
Com isso em mente, os observadores podem esperar que os EUA mantenham alguma pressão sobre a Rússia e, ao mesmo tempo, exerçam mais pressão sobre a China, à medida que ela surge gradualmente como o principal alvo da agressão ocidental. Biden pode ter dificuldade em convencer os países da Europa Central e Oriental disso, mas provavelmente terá sucesso no final do dia, já que os EUA continuam sendo a força hegemônica naquela região e seu principal aliado continental, a Alemanha, tem importantes interesses comerciais com Moscou que deseja retomar o mais rápido possível. Tal retomada também poderia, em teoria, servir como “compensação” para as restrições econômicas iminentes contra a China.
Lentamente, mas com segurança, Biden está reconstruindo a rede de alianças dos EUA, mas reformando-a de forma que comece a concentrar-se mais na China do que na Rússia. Este é um trabalho em andamento que não ocorrerá tão rápido, mas é uma tendência observável. Muito dependerá do resultado das quatro cúpulas, mas parece que a viagem de Biden renderá alguns frutos tangíveis. Ainda assim, os observadores não devem ser enganados pela mídia, que pode tentar obscurecer essa realidade estratégica emergente, já que ainda é um “tabu” para qualquer líder dos EUA estender a mão à Rússia.
Fonte: Texto originalmente publicado em inglês no site da CGTN.
Link direto: https://news.cgtn.com/news/2021-06-10/What-can-the-world-expect-from-Biden-s-EU-trip–10XyKtsisLu/index.html
Andrew Korybko
Analista político americano baseado em Moscou. Autor de Guerras Hibridas: das revoluções coloridas aos golpes
Tradução – Alessandra Scangarelli Brites – Intertelas
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