O aumento do suicídio durante a epidemia de Covid-19 no Japão

Número de suicídios femininos aumentam no Japão, durante a pandemia de Covid-19. Crédito: Observatório do Terceiro Setor.

No Japão, país de primeiro mundo, onde o capitalismo é ultra competitivo e esmagador, o suicídio (自殺 jisatsu) tem tornado-se cada vez mais um problema. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2017, o país tinha a sétima maior taxa de suicídio, enquanto em 2019, alcançou o segundo lugar entre nações desenvolvidas estudadas pelo G7.

Dentre os motivos para o alto número de suicídios estão problemas de saúde, assuntos domésticos, questões financeiras, além de divórcio, desavenças nos relacionamentos e reprovação nas escolas e universidades.  Durante a década de 1990, por exemplo, o jisatsu subiu em 34,7%, atingindo seu pico em 2003, com o total de 34.427 casos. E enquanto o maior número de suicídios vinha do gênero masculino, alcançando homens de 20 a 44 anos, as mulheres passavam desapercebidamente dentre as estatísticas, misturando-se a uma grande massa heterogênea, quase desconhecida pelos estudiosos do tema.

Durante os anos de 2019 e 2020, os casos de suicídio têm aumentado gradativamente, levando a uma crise no país, que se viu obrigado a tomar medidas mais radicais sobre o assunto. Porém, ao que se cabe este aumento? No ano de 2020, quando o mundo passou a enfrentar a epidemia do novo Coronavírus (Covid-19) com isolamentos sociais e quarentenas, o Japão fez o movimento contrário, adotando a política de “conviver” com o vírus. Neste sentido, restaurantes, escolas e bares continuaram a funcionar normalmente, de forma a manter as táticas de higienização (de maneira precária), enquanto as atividades sociais e econômicas prosseguiam em normal funcionamento.

Distrito japonês em plena pandemia. Crédito: Diário de notícias.

De acordo com Hitoshi Oshitani, professor de virologia da Tohoku University School of Medicine, os japoneses aceitaram que “esse vírus é algo que não pode ser eliminado. Na verdade, a grande maioria das doenças infeccionas não pode ser eliminada, então entendemos que a melhor forma de combatê-lo [o vírus] era conviver com ele”. Segundo Oshitani, como o Japão e muitos países asiáticos já enfrentaram outros tipos de pandemia, estavam melhor preparados para lidar com os casos.

Seguindo esta política, inúmeras empresas japonesas mantiveram seus trabalhadores em tempo integral, em ambientes de grande circulação, evitando os protocolos necessários para desacelerar o contágio da Covid-19. No entanto, durante os meses de março e maio de 2020, novas ondas de Coronavírus ameaçaram o Japão, estando fortemente presentes em Tóquio, Osaka e demais cidades. Em meio à confusão entre manter o home office e serem demitidos, inúmeros trabalhadores continuaram com seus serviços até as medidas adotadas no país tornarem-se insustentáveis.

Em junho de 2020, por exemplo, a empresa Nissan demitiu 398 funcionários em razão da pandemia, desligando turnos das fábricas após suspender o contrato de seus trabalhadores por dois meses. Em 2021, empresas como a Capcom forçaram trabalhadores a turnos presenciais em pleno ápice da pandemia, ameaçando-os de demissão caso resistissem à norma. A crise política e financeira em respeito a Covid-19 tornou-se calamitosa, de forma a afetar não só a saúde física, como também mental dos cidadãos japoneses. Durante outubro de 2020, o Japão teve mais mortes por suicídio por conta de seu cenário, que causadas pela epidemia.

A falta de políticas públicas que auxiliassem os trabalhadores, concomitante com a ideia de não parar a economia, gerou o colapso do desemprego em massa, ansiedade e depressão.  “Meu salário foi cortado e não consigo ver a luz no fim do túnel” -relata Eriko Kobayashi, de 43 anos, trabalhador que tentou suicídio quatro vezes. Ao mesmo tempo, a professora Michiko Ueda, associada da Universidade de Waseda e especialista em suicídios, afirma para a CNN: “Nós nem tivemos um lockdowm e o impacto da Covid-19 é mínimo em relação a outros países”.

A pandemia e o suicídio tem sido cada vez mais alarmante para as autoridades japonesas. Mas atualmente, as mulheres têm ganhado destaque neste cenário, ao que, exclusivamente, o contexto pandêmico tem gerado vítimas femininas. De acordo com Hanako Montgomery, jornalista do canal VICE News, durante a pandemia muitas mulheres têm desenvolvido ataques de pânico e de ansiedade por serem obrigadas a lidar com um sistema familiar extremamente sufocante, e com relações interpessoais machistas e degradantes. Em outubro de 2020, quando os casos de suicídio alcançaram o número de 2.153 mortes, 879 casos envolviam vítimas femininas. Quase 1 milhão de trabalhos temporários foram perdidos em semanas por conta da quarentena e, 70% dos quadros destas empresas eram ocupados por mulheres.

Ministro da solidão Tetsushi Sakamoto. Créditos: Hypness.

O governo criou três forças tarefas de saúde mental, reservando a verba de 55 milhões de dólares para apoiar suas diferentes frentes, enviando 12 milhões, especificamente, para a ajuda de mulheres. No entanto, muitas delas alegam que os critérios para o auxílio do governo são discrepantes e que não sanam o mal da desigualdade de gênero existente na sociedade. Submetidas a subempregos e a exploração de pequenas empresas, as mulheres são, muitas das vezes, trabalhadoras irregulares, o que colabora para os altos índices de suicídio deste grupo no país.

Segundo Tetsuhi Sakamoto, recentemente nomeado Ministro da Solidão, o governo teme que os casos de suicídio aumentem, caso o Japão não consiga controlar rapidamente a crise epidêmica. No entanto, os jogos das Olimpíadas de Tóquio de 2021 continuam a acontecer, de forma a não contêr a propagação do vírus, em favor da economia. Para lidar com a causa dos suicídios, sedes de apoio para mulheres e jovens têm sido criadas e fomentadas pelo governo, mas enquanto as políticas e as lideranças públicas privilegiarem a economia, ao invés dos motivos que levam a crise, a sociedade japonesa sofrerá de forma irreversível.

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por Anders Noren

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