A evaporação de pessoas no Japão

Crédito: Lomography.

Johatsu (蒸発) ou literalmente “evaporação” é um termo que define o fenômeno de desaparecimento de pessoas no Japão, sem que estas deixem rastros ou pistas de seu paradeiro. O número cresce anualmente, o que deixa as autoridades em estado de alerta. De acordo com o portal de estatísticas Statista, em 2017 uma faixa de 84,85 mil pessoas desapareceu, enquanto no ano de 2018, 87,96 mil japoneses tiveram o mesmo fim.

O número que estava acima dos 80 mil desde 2014 decresceu em sua média somente em 2020, quando as autoridades registraram 77,02 mil desaparecidos. Em uma breve comparação, de acordo com O Globo, no ano de 2020, o Brasil notificou 79.275 desaparecidos, ao que nos anos anteriores as estatísticas não ultrapassaram a mesma faixa. Desta forma, o número de “evaporados” em território japonês salta aos olhos, já que a ilha é muito menor que o Brasil e o Japão é considerado um dos poucos países de primeiro mundo.

Ainda que tenha ocorrido uma pequena diminuição dos casos em 2020, o Johatsu continua a significar um mistério, pois, afinal de contas, não se sabe ao certo o verdadeiro motivo que fazem as pessoas desaparecer anualmente. De acordo com jornalistas e sociólogos, a modernização pode trazer respostas satisfatórias para os casos. Desde a década de 1960, quando a economia japonesa começou a decolar e a democracia passou a desenvolver-se no país, inúmeras pessoas começaram a apostar na modernidade, ainda que cerceada pela tradição. Portanto, ao mesmo tempo que as empresas começaram a crescer e as famílias tornarem-se modernas e menores, os sistemas empresariais viraram sufocantes, enquanto o divórcio e o sistema familiar transformaram-se em tabu.

Para Akio Morita em seu livro Made in Japan, as empresas japonesas são extensões das casas e os chefes e gerentes são os familiares, considerados como pais. O sentimento de desaprovação causado em um chefe pelo seu funcionário soa como uma desonra familiar, ao passo que a demissão torna-se um exerdar insuportável. Em uma família onde homens e mulheres têm papéis preestabelecidos, e que os homens têm os deveres para com a manutenção econômica dos lares, ancestrais e família, ser demitido é como romper abruptamente com um entremeado de relações psicossociais que dão sentido a vida.

A beira do desespero e com medo da reprovação e julgamento social, a maioria dos homens desaparecem sem deixar rastros e sem serem encontrados por seus parentes. Na escala de desaparecidos, os homens ocupam mais de 60% das estatísticas, ao que os sociólogos atribuem as causas ao mundo do trabalho. Um caso reverso, mas semelhante, ocorre com as mulheres. Donas de casas, suprimidas pelas tarefas domésticas, abusos de poder e agressões físicas, buscam solução no Johatsu, encontrando enfim a liberdade tão almejada. Nas estatísticas, as mulheres representam mais de 35% dos casos de desaparecimento, segundo os departamentos de polícia.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Humanitas Unisinos, os casos de Johatsu parecem ter aumentado ao final da década de 1960 em decorrência do filme “A Man Vanishes”, no qual um homem abandona a namorada e o trabalho, desaparecendo. Segundo o cientista político Hiraku Yamagishi, durante a década de 1970, muitos jovens trabalhadores fugiram do trabalho duro do campo, indo em direção à cidade, abandonando não apenas seu estilo de vida campestre, como também suas casas e sistemas familiares sufocantes.

Tanto a polícia, quanto a sociedade acreditam que muitos dos desaparecidos não estão mortos, ou sendo vítimas de sequestros, raptos ou demais crimes, mas sim que tenham sumido por vontade própria, a fim de desaparecer administrativamente. Agências especializadas no desaparecimento de pessoas, por exemplo, auxiliam-nas a fugir de suas casas e empregos, restabelecendo suas vidas e trabalhos em outros distritos. Apagando seus dados e muitas vezes trocando seus nomes sociais, as pessoas evaporadas passam a viver em locais onde existe o crime organizado e os indivíduos não são localizáveis.

Como as leis de privacidade no Japão respaldam a liberdade individual, um desaparecido raramente é buscado e, se de fato ocorrer a busca, esta somente ocorre nos sete primeiros anos da evaporação, até que o caso deixe de ganhar notoriedade. Embora os números sejam assustadores, para as autoridades ainda parecem a ponta do Iceberg. Como muitas famílias envergonham-se de registrar seus desaparecidos, acredita-se que as taxas de Johatsu alcancem mais de 100 mil evaporados por ano, dentre eles estudantes, pessoas com problemas psicológicos e psico-motores. al qual o suicídio, o Johatsu ainda é um tabu no Japão. Mesmo que as causas sejam postuladas e sejam notórios os motivos que levam ao desaparecimento, estes eventos parecem estar longe do fim, presos em camadas muito profundas da sociedade japonesa.

4 comentários em “A evaporação de pessoas no Japão

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  1. Matéria muito interessante! Não havia pensado na”evaporação de pessoas” com esta visão.
    Parabéns Marina pela matéria, além de interessante nos traz informações culturais do país.

  2. Matéria muito interessante! Ainda não havia pensado na “evaporação humana” com esta
    visão.
    Parabéns pela matéria Marina, que além de trazer uma visao diferente nós mostra tbem sobre a cultura do país

  3. Simplismente fantástico!essa matéria sobre a evaporação humana no Japåo é uma questão muito sé r ia, Parabéns Ma r ina pela Matéria.0

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por Anders Noren

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