
Com organização de Daniela Mountian e traduções diretas do russo dos premiados Irineu Franco Perpetuo, Moissei Mountian e Tatiana Larkina, a editora Kalinka lança a coletânea “Contos Russos Juvenis”, que traz 15 histórias de diversos autores consagrados, cobrindo um período que vai de 1781 a 1928, e uma grande variedade de temas e estilos – desde a linguagem realista e de denúncia até obras do século 20 que mostram a transformação da ideia de infância, a partir daí expressa em universos mais lúdicos, como o nonsense de Daniil Kharms, isento de didatismos.
Essa transformação na literatura infantojuvenil, tão sensível através do tempo, é, porém, benéfica ao público adulto, que pode também se deliciar com a coletânea. “Uma concepção do século 19 defendida por [Vissarion] Belínski e [Nikolai] Tchenichévski era a de que as crianças tinham que ler livros para adultos. Essa não é a concepção atual de literatura infantojuvenil. Por outro lado, muitos livros que não foram escritos exclusivamente para crianças entraram para o repertório infantil. É o caso de várias obras da literatura universal e, nesta coletânea especificamente, de ‘Mumu’ [de Turguêniev], texto que não foi escrito para crianças, mas hoje é lido nas escolas russas, e dos contos de Tchékhov, que foram incluídos na época em coletâneas infantis, apesar de não terem sido escritos para esse fim”, explica Mountian.
“O próprio autor escolheu, entre suas obras, ‘Kachtánka’ e ‘Belolóby’ para serem lidos pelos russinhos, mas não fazia muita diferenciação entre textos para adultos e para crianças. Na verdade, se o texto é bom, funciona para qualquer idade. Assim, a antologia que apresentamos aqui pode ser lida por jovens e por adultos. A restrição maior hoje vem no sentido contrário: o jovem ler um texto inadequado para ele”, salienta ao Russia Beyond Daniela Mountian, que, além de organizadora da coletânea, é pós-doutoranda da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da Fapesp, com pesquisa voltada à literatura infantojuvenil russa.

Como explica a organizadora, ela buscou incluir na coletânea histórias que são marcos da literatura russa para a infância e a juventude. Entre elas, encontra-se uma parábola da imperatriz Catarina, a Grande, que abre o livro. A história por trás do texto é marcante: naquela época, a aristocracia recusava-se a falar russo (os nobres, em geral, comunicavam-se em francês) e a população não era alfabetizada. Por isso, a maior parte das publicações literárias para a infância ainda era composta por títulos estrangeiros.
Assim, Catarina é considerada pioneira na prosa literária russa com dois contos, entre eles, seu “Conto do Tsarévitche Cloro” — que compõe o novo tomo em português e que surge em meio ao ápice do chamado “despotismo esclarecido russo”, em que a imperatriz, ao mesmo tempo que pregava os ideais de Rousseau, era implacável com antagonistas políticos. Seguindo a trilha dos contos populares, a coletânea traz também textos de Nikolai Leskóv e Fiódor Sologub, além de revelar fraturas sociais em histórias tocantes de Ivan Turguêniev, Anton Tchékhov, Lev Tolstói e Aleksándr Kuprin.

“Escolhi ainda trazer autores pouco conhecidos no Brasil, como Lídia Avílova e Lídia Tchárskaia, a escritora mais lida pelas russinhas do início do século 20”, conta Mountian. O volume também surpreende pela arte, que ficou a cargo de Fido Nesti, ilustrador que colaborou por uma década com a revista The New Yorker, entre outros veículos importantes, e realizou uma extensa pesquisa para elaborar as imagens de “Contos Russos Juvenis”.
“Acho muito importante na formação infantojuvenil as referências pictóricas que o leitor tem nas primeiras leituras. Eu guardo na memória até hoje as imagens dos livros que eu tinha quando criança, por isso sempre tenho esse cuidado em tentar traduzir a minha visão do texto sintetizando os detalhes. Eu busco ir atrás da alma do conto em uma imagem”, disse Nesti ao Russia Beyond.
Fonte: Texto originalmente publicado no site Russia Beyond BR.
Link direto: https://br.rbth.com/cultura/85776-nova-coletanea-de-contos-juvenis-russos-no-brasil
Marina Darmaros
Articulista do Russia Beyond BR
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