Os EUA estão transformando a Nigéria, rica em petróleo, em um representante de suas guerras na África

O Exército dos EUA treinam soldados nigerianos em Jaji entre 15 de janeiro e 22 de fevereiro de 2018. Crédito: reprodução do site The Grayzone.

No mês passado, o presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, escreveu um artigo no Financial Times. Poderia muito bem ter sido escrito pelo Pentágono. Buhari promoveu a Marca Nigéria, leiloando os serviços militares do país para potências ocidentais, dizendo aos leitores que a Nigéria lideraria a “guerra ao terror” da África em troca de investimento estrangeiro em infraestrutura. “Embora alguns acreditem que a guerra ao terrorismo termine com a saída dos EUA do Afeganistão”, diz ele, “a ameaça que supostamente deveria ser abordada, queima ferozmente meu continente”.

Com o Boko Haram e o Estado Islâmico operando na Nigéria e próximo a ela, é fácil divulgar uma narrativa “no estilo guerra ao terror”. Mas o combate ao terror significa intervenção imperial. Então, por que o Pentágono está realmente interessado na Nigéria, um país com um PIB de cerca de US $ 430 bilhões – cerca de US $ 300 bilhões a menos do que o orçamento anual do Pentágono -, uma população com uma taxa de pobreza absoluta de 40 por cento e uma taxa de mortalidade infantil de 74 mortes por 1.000 nascidos vivos, em comparação com 5,6 por 1.000 nos EUA?

O presidente Muhammadu Buhari. Crédito: Siphiwe Sibeko / Reuters.

Uma tese de doutorado da Escola de Pós-Graduação Naval dos Estados Unidos de mais de uma década atrás oferece uma explicação plausível: o Golfo da Guiné, formado em parte pela costa da Nigéria, “tem grandes depósitos de hidrocarbonetos e outros recursos naturais”. Ele acrescentou: “Há agora uma forte competição internacional entre as nações industrializadas, incluindo os Estados Unidos, alguns países europeus, China, Japão e Índia”.

Desde então, os EUA vêm transformando discretamente a polícia e os militares da Nigéria em uma força neocolonial que pode apoiar missões lideradas pelo Comando dos EUA para a África (AFRICOM). A oferta de Buhari faz com que o envolvimento dos EUA na Nigéria pareça que a Nigéria está pedindo ajuda, quando na verdade o cenário já está montado para o AFRICOM. O objetivo mais amplo do Pentágono é impedir a China e a Rússia de firmarem-se no continente. Nesse ínterim, visa esmagar todo e qualquer grupo de oposição que interrompa o fornecimento de energia, para que os gigantes do petróleo possam continuar a explorar os recursos da Nigéria.

Leia o artigo de Muhammadu Buhar no Financial Times (em inglês): Muhammadu Buhari: Africa needs more than US military aid to defeat terror

Uma breve história de um país complexo

É importante ter uma ideia das complexidades étnicas e regionais da Nigéria. Os 206 milhões de habitantes do país, quase metade dos quais são muçulmanos e quase metade cristãos, vivem ao norte do equador, na África Ocidental. Seu país tem 36 estados, sete dos quais são costeiros. O país faz fronteira com Camarões no leste, Benin no oeste, Chade no nordeste e Níger no norte e noroeste. Um relatório do Instituto de Estudos Estratégicos dos Estados Unidos de meados dos anos 90 descreve a Nigéria como “um estado artificial criado de acordo com as exigências coloniais em vez da coerência étnica“.

Sua fragilidade explica a suscetibilidade do país às guerras étnicas, religiosas e de classes. A maioria dos muçulmanos nigerianos é sunita, mas o islamismo no país abrange todo o espectro, do sufismo ao salafismo. A população cristã está distribuída entre a maioria protestante, bem como anglicanos, batistas, evangélicos, católicos, metodistas e católicos romanos. A maioria dos muçulmanos da Nigéria vive no norte, em 12 estados cujas leis são baseadas na sharia.

A Nigéria possui centenas de línguas e etnias, os maiores grupos sendo os Hausa (que constituem 30% da população), Ioruba (15,5), Igbo (também conhecido como Ibo 15,2) e Fulani (6%). Existem, é claro, exceções, mas em geral os povos Hausa-Fulani e Kanuri tendem a ser muçulmanos e os igbo, ijaw e Ogoni cristãos. O islamismo e o cristianismo tendem a misturar-se entre os iorubás. Durante o final do século XIX, na sua “disputa pela África”, os britânicos colonizaram a região para cristianizar o sul e deixando as estruturas político- islâmicas no norte, tanto por conveniência, como para a técnica útil de dividir para reinar.

Ouro negro, domínio britânico

Elaborando “contratos” para empresas de energia, o Foreign Office (FO) criou um monopólio para o petróleo anglo-persa (mais tarde British Petroleum) e particularmente para a Shell. Os contratos de prospecção foram concedidos pelo Foreign Office no final da década de 1930, mas foi apenas em 1956 que quantias financeiramente viáveis ​​de ouro negro foram obtidas. A maior parte do petróleo do país está no sul da região do Delta do Níger, povoada pelos povos Ijaw e Ogoni. Portanto, há pouco do chamado Islã militante no setor ilícito de petróleo da Nigéria. As operações da Shell começaram em Ogoniland em 1958.

A Nigéria conquistou a independência lenta e dolorosa da Grã-Bretanha em 1960. Sete anos depois, igbo armado travou uma guerra de secessão no sul rico em petróleo para tentar formar seu próprio país, a República de Biafra. Sob a política de Uma Nigéria , os britânicos apoiaram o regime central do General Yakubu Gowon, durante a Guerra de Biafra (1967-70). A luta e o bloqueio causaram três milhões de mortes. A Biafra não conseguiu separar-se.

O ministro da Commonwealth do governo trabalhista do Reino Unido, George Thomas, explicou na época: “O único interesse britânico imediato na Nigéria é que a economia nigeriana seja trazida de volta a uma condição em que nosso comércio e investimentos substanciais no país possam ser mais desenvolvidos, e, particularmente, para que possamos recuperar o acesso a importantes instalações de petróleo”. Com o declínio do Império Britânico, os Estados Unidos gradualmente seguiram a mesma política na Nigéria. No início, os EUA consideraram apoiar a Biafra.

A administração Kennedy iniciou com $ 170 milhões em gastos econômicos e militares na Nigéria sob um plano que continuou até 1966, na administração Johnson. William Haven North, que atuou como diretor para assuntos da África Central e Ocidental da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), disse: “O apoio à Biafra também estava ligada à questão dos interesses do petróleo; a maior parte das reservas de petróleo na Nigéria estavam na Região Leste, com investimentos substanciais em companhias petrolíferas americanas”. Em 1978, a Sexta Frota da Marinha dos Estados Unidos iniciou os exercícios regulares no Golfo da Guiné que continuam até o presente. O ativista nativo Ken Saro-Wiwa foi preso sob acusações falsas e executado por um militar nigeriano que trabalhava como exército privado para a empresa petrolífera Shell.

O ativista Ken Saro-Wiwa foi preso sob acusações falsas e executado por um militar nigeriano que trabalhava como exército privado para a empresa petrolífera Shell. Crédito: reprodução do site The Grayzone.

A chegada do Tio Sam

Em 1990, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), dominada pela Nigéria, estabeleceu uma ala militar, o chamado Grupo de Monitoramento da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOMOG). O governo de George HW Bush contribuiu com US $ 100 milhões. O sucessor de Clinton na Casa Branca disse que para as chamadas operações de manutenção da paz em outros países africanos como Libéria e Serra Leoa, “a Nigéria forneceu a maior parte do ‘músculo’.” Neste ponto, as sementes foram plantadas para uso da Nigéria como um delegado para as guerras dos EUA na África. No alvorecer do novo milênio, o 3º Grupo de Forças Especiais (Comando do Exército) estava treinando batalhões nigerianos para ajudar as missões de apoio das Nações Unidas. Os militares nigerianos desfrutaram de dezenas de milhões de dólares em armas estadunidenses.

Enquanto isso, ativistas nativos observando o sofrimento com o derramamentos de petróleo e a destruição ambiental estabeleceram o Movimento pela Sobrevivência do Povo Ogoni. Nove dos líderes desse grupo, incluindo Ken Saro-Wiwa, foram posteriormente presos sob acusações forjadas e executados pelos militares nacionais que haviam sido financiados pela Shell para atuar como seu próprio exército privado. Os assassinatos geraram indignação internacional e ativistas pressionaram com sucesso os EUA para encerrar a ajuda militar. O general Sani Abacha, sob cuja ditadura os Nove Ogoni foram enforcados, criou uma Força-Tarefa Conjunta Multinacional (MNJTF, sigla em inglês) para combater ativistas e gangues. O MNJTF foi mais tarde centrada no Chade e usada como base para lutar contra o Boko Haram.

Em 1999, a Nigéria encerrou seu regime militar, pelo menos no papel. Em meados da década de 2000, a Human Rights Watch escreveu que, sob a fachada de democracia parlamentar, “a conduta de muitos funcionários públicos e instituições governamentais é tão amplamente marcada pela violência e corrupção que se assemelha mais à atividade criminosa do que à governança democrática”. Com os Ogoni, Ijaw e outros povos do Delta do Níger esmagados com força, alguns voltaram-se para a violência. Após o lobby da Shell, o antigo senhor colonial da Nigéria, o Reino Unido, começou a gastar dinheiro do contribuinte britânico em operações militares para combater grupos armados: £ 12 milhões entre 2001 e 2014, quando a Campanha Contra o Comércio de Armas (CAAT) foi coautora do relatório.

A CAAT documenta a exportação do Reino Unido de quase £ 500 milhões de armas para a Nigéria naquele período, incluindo mísseis e granadas. Ela cita o aumento das exportações de armas do Reino Unido como uma razão direta para o fracasso do cessar-fogo no sul. Os “contratados de segurança” do Reino Unido, incluindo Control Risks, Erinys, Executive Outcomes e Saladin Security, foram incorporados a unidades policiais móveis para esmagar os manifestantes.

Nigéria e a “guerra ao terror”

A propaganda ocidental prestou menos atenção à violência sistêmica da Shell contra os Ogoni e outros povos, concentrando-se, em vez disso, na resistência que mais ganhou manchetes, como sequestros de resgate de figuras poderosas e interrupção de oleodutos. A opressão Estatal no norte mais seco e menos fértil, por sua vez, alimentou a narrativa impulsionada por grupos islâmicos: a de que a cultura ocidental é tóxica. Fundado em 2002 e liderado por Mohammed Yusuf, que mais tarde foi executado pelo Estado, o Boko Haram é oficialmente chamado de Grupo do Povo de Sunnah para Pregação e Jihad ( Jamā’at Ahl as-Sunnah lid-Da’wah wa’l-Jihād ).

Ele surgiu na cidade nordestina de Maidugari, perto do Chade e Camarões, onde estabeleceu comunidades semi-autônomas. Graduados religiosos que estudaram no Sudão tentaram formar comunas semelhantes, mas foram atacados pela polícia. Em 2009, membros do Boko Haram supostamente atiraram em uma delegacia de polícia em Bauchi. A resposta do governo foi desencadear uma guerra civil. A MNJTF mencionada acima é descrita como “notória” em um relatório da Biblioteca da Câmara dos Comuns britânica. Foi reativada, desta vez para lutar contra os islâmicos. O relatório também observa como as Forças Armadas da Nigéria aterrorizaram a população civil com ataques, prisões e bombardeios indiscriminados.

O Reino Unido intensificou o treinamento dos militares da Nigéria, enquanto os EUA usaram o Chade como base para suas operações de “guerra ao terror”: a Iniciativa Pan-Sahel (cobrindo Chade, Mali, Mauritânia e Níger) e a Parceria Trans-Saara de Contraterrorismo ( que incluiu Argélia, Marrocos, Nigéria e Tunísia). As operações iniciais do AFRICOM na Nigéria envolveram treinamento marítimo e integração das forças do país com as de outras nações africanas para fomentar alianças militares pan-africanas. Em seus primeiros anos, o AFRICOM prestou pouca atenção ao Boko Haram. Mas isso mudou à medida que os ataques ficaram maiores.

Em 2011, o Boko Haram lançou uma insurgência formal. Um relatório publicado naquele ano pelo Subcomitê de Segurança Interna de Contraterrorismo e Inteligência da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos delineou as raízes do Boko Haram e as razões de sua popularidade. Eles incluíram “um sentimento de alienação dos mais ricos, cristãos, produtores de petróleo, sul da Nigéria, pobreza generalizada, corrupção governamental galopante, medidas de segurança pesadas e a crença de que as relações com o Ocidente são uma influência corruptora“. Acrescentaram que “estas queixas geraram simpatia entre a população muçulmana local, apesar das táticas violentas do Boko Haram“. Essas queixas foram recebidas com o tipo de violência que alimenta ainda mais as queixas.

Os EUA expandem o seu envolvimento na África

No contexto da “guerra ao terror”, o Pentágono viu o Boko Haram como uma oportunidade para treinar os militares da Nigéria e empregá-los para seus objetivos. O principal objetivo dos EUA era garantir que as regiões ricas em petróleo não caíssem nas mãos do inimigo. O Serviço de Pesquisa do Congresso observou que, na época em que o AFRICOM foi fundado no final dos anos 2000, a África “forneceu aos Estados Unidos aproximadamente a mesma quantidade de petróleo bruto que o Oriente Médio“.

Um relatório do Comitê de Serviços Armados em 2011 observou: “O Delta do Níger, rico em petróleo da Nigéria, é uma importante fonte de petróleo para os Estados Unidos fora do Oriente Médio”. A Administração de Informação de Energia dos EUA declarou: “A Nigéria é o maior produtor de petróleo da África. Possui as maiores reservas de gás natural do continente e foi o quinto maior exportador de gás natural liquefeito do mundo”. O país tem 37 bilhões de barris de petróleo comprovado, perdendo apenas para a Líbia, que foi explodida em pedaços pelos Estados Unidos e pela OTAN em 2011.

As forças da Nigéria executaram sumariamente o líder do Boko Haram, Yusuf, em 2009. Uma tese publicada pela Escola de Pós-Graduação Naval dos Estados Unidos observou que, além do assassinato, “as forças de segurança matando ou deslocando milhares de muçulmanos nigerianos provocaram a ampliação do Boko Haram”. O vice de Yusuf, Abubakar Shekau, assumiu e escalou uma campanha de bombardeio suicida. A tese da Marinha também observa que “as ações de BH, juntamente com outros grupos militantes como o Movimento para a Emancipação do Delta do Níger (MEND, sigla em inglês), reduziram a produção de petróleo do país, deslocando a Nigéria de 5 ª para 8 ª na lista dos maiores fornecedores estrangeiros de petróleo para os EUA”.

Em 2013, os estados de Adamawa, Borno e Yobe impuseram poderes de emergência. O Pentágono anunciou um orçamento de $ 45 milhões de dólares para combater o Boko Haram treinando tropas no Benin, Camarões, Chade, Níger e Nigéria. Uma das consequências é que a Nigéria foi transformada de um interesse periférico dos EUA, em uma força substituta. Anos de guerra, principalmente nas regiões do norte e da fronteira, levaram a 2,1 milhões de pessoas deslocadas internamente . O Programa Mundial de Alimentos calcula que 3,4 milhões enfrentam a fome e que 300.000 crianças estão desnutridas.

Construindo um Estado de Esparta

Em junho de 2014, foi relatado que uma unidade de 650 pessoas, do 143 rd Batalhão Exército nigeriano, foi criada e treinada pelas Forças Especiais dos Estados Unidos, a partir de Operações Especiais do Destacamento de Operações Especiais da Guarda Nacional do Exército da Califórnia – Comando do Norte dos EUA e Companhia A, 5º Batalhão do 19º Grupo das Forças Especiais (Aerotransportado). Naquela época, o Exército nigeriano estava ativo em 30 dos 36 estados do país. O chefe da Divisão de Cooperação de Segurança do Exército dos EUA na África, o Coronel John D. Ruffing, disse: “Não é manutenção da paz … É tudo o que chamamos de ‘ação decisiva’, o que significa que esses soldados correrão perigo para conduzir uma operação de contra-insurgência [ s]”.  Um soldado estadunidense disse: “Esta é uma missão clássica das Forças Especiais – treinar uma força nativa, em uma área remota, em um ambiente austero, para enfrentar uma ameaça muito real”.

Em 2015, o líder do Boko Haram, Shekau, alegadamente prometeu lealdade ao Estado Islâmico (ES), renomeando a organização Estado Islâmico na África Ocidental (ISWAP, sigla em inglês). Um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso observa que o ISWAP “ultrapassou o Boko Haram em tamanho e capacidade e agora está entre os afiliados mais ativos do ES”. Não é que os estrategistas não entendam que a violência não funciona. Eles entendem que a violência aumenta a violência e que pode ser usada como pretexto para mais violência. Um artigo do Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos de 2020 observa: “os últimos dois anos foram mais mortíferos do que qualquer outro período para os soldados nigerianos desde o início da insurgência do Boko Haram”.

Soldados do Exército dos EUA destacados para a Escola de Infantaria do Exército da Nigéria treinaram mais de 200 soldados nigerianos em 2018. Crédito: reprodução do site The Grayzone.

Enquanto a guerra contra o Boko Haram continuava, as gangues do Delta do Níger no sul ameaçaram retomar os ataques à infraestrutura petrolífera. A “ajuda” dos EUA expandiu-se para incluir o treinamento da Força Policial Nigeriana (NPF, sigla em inglês) em todo o país. Em novembro de 2016, 66 policiais formaram-se no programa de treinamento em Análise de Impressões Digitais e Forenses, uma iniciativa administrada pela Embaixada dos Estados Unidos em colaboração com o Escritório de Entorpecentes e Policiais Internacionais e o Departamento de Polícia de Atlanta.

Em março de 2017, 28 oficiais nigerianos formaram-se em cursos oferecidos pela divisão de Assuntos Internacionais de Entorpecentes e Policiais, liderada pela polícia dos Estados Unidos do Condado de Prince William, Virgínia. O programa também forneceu “equipamento, treinamento, orientação e apoio de capacitação para várias instituições do setor de justiça e aplicação da lei da Nigéria”. Soldados do Exército dos EUA, destacados para a Escola de Infantaria do Exército da Nigéria, treinaram mais de 200 soldados nigerianos em 2018, expandindo a função do AFRICOM.

Expandindo a AFRICOM

No que o Departamento de Estado dos EUA chama de abordagem de “todo o governo”, as operações militares continuaram, à medida que o treinamento da polícia expandiu-se. No início de 2018, 12 soldados do Exército dos EUA, liderados pelo Capitão Stephen Gouthro, treinaram 200 nigerianos na Escola de Infantaria do Exército Nigeriano. Facilitada pelo Exército EUA África, oito soldados de Assistência à Segurança e da Organização e Gestão da Formação e quatro soldados da 1ª Brigada de Combate compartilharam “táticas de combate terrestre” com o 26 º Batalhão de Infantaria do Exército nigeriano.

Em julho deste ano, as Forças Especiais do Exército dos EUA treinaram 25 oficiais do Serviço de Barcos Especiais da Marinha da Nigéria como parte do JCET: um programa de treinamento de intercâmbio combinado de cinco semanas. O chefe político e econômico do Consulado dos EUA em exercício, Merrica Heaton, disse que o treinamento foi elaborado para ajudar os militares nigerianos a impedir o crime no Golfo da Guiné, “combater os extremistas violentos no Nordeste e fazer cumprir o Estado de Direito em toda a região“.

Enquanto os observadores aparentemente focaram a sua atenção ao drone stealth ultrassecreto dos EUA – RQ-180 da Northrop Grumman – nas Filipinas, o Departamento de Defesa vendeu quase US $ 500 milhões em aviões a hélice para a Nigéria, marcando o que a Embaixada e o Consulado dos Estados Unidos descreveram como “um histórico nível de cooperação … entre os militares dos EUA e da Nigéria”. O AFRICOM confirmou recentemente que a inauguração de doze A-29 Super Tucanos na Força Aérea da Nigéria terá um “papel essencial no aumento da segurança e estabilidade regional”.

O Pentágono alocou US $ 36,1 milhões ao Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA para renovar a Base Aérea de Kainji, que hospedará os Super Tucanos. Além do simulador de treinamento e unidades de armazenamento de armas pequenas, a Base inclui “guarda-sóis de aeronaves, uma nova almofada de carga quente do aeródromo, perímetro e cercas de segurança, luzes do aeródromo e várias melhorias no pátio do aeródromo, estacionamento, hangar e pontos de controle de entrada“.

Guerra da “zona cinzenta” contra a China

Tendo deixado as operações para as Forças Especiais, o AFRICOM agora está encarregada de supervisionar uma “presença” em expansão na Nigéria. Mas, além de evitar interrupções no fornecimento de petróleo, os EUA buscam conter não apenas o envolvimento russo, mas, principalmente, o chinês. De acordo com a Agência Estatal dos EUA, Voice of America (VOA), a China National Offshore Oil Corporation começou a investir no setor de petróleo Estatal da Nigéria em 2005.

Uma tese de 2007 do US Army War College expressou preocupação com o fato de que, após “doações” de equipamento militar chinês para a Nigéria, a China ajudou o governo a perfurar centenas de poços em um gesto de boa vontade para fornecer água potável. Os EUA agiram para manchar a imagem da China. Como parte do que hoje é chamado a abordagem “todo o governo”, o 96 º Batalhão dos Assuntos Civis dos EUA e o Comando de Relações Civis e Operações Psicológicas do Exército dos EUA realizaram cooperações em redes de trabalho com os civis da Nigéria, a indústria privada e as agências de ajuda. O US Army War College dá a entender que isso era para contrariar psicologicamente a influência da China.

A Nigéria assinou um Memorando de Entendimento com a China em 2018 para integrar o projeto de investimento e infraestrutura global da China, o Iniciativa Cinturão e Rota. Mais recentemente, a Voice of America disse que a China aproveitou-se da instabilidade do petróleo relacionada ao crime e ao terrorismo na Nigéria, investindo bilhões de dólares em petróleo para estabilizar as linhas de abastecimento. Do ponto de vista militar dos Estados Unidos, essa chamada “guerra política” cria o que eles chamam de “zona cinzenta” de conflito na qual áreas tradicionalmente consideradas econômicas e civis são transformadas em bélicas.

A analista Kaley Scholl, Secretário Adjunto da Marinha para a Investigação, Desenvolvimento e Aquisições, escreve que em um jogo de guerra, o 91º Batalhão dos Assuntos Civis, coordenado com o 3º Grupo de Forças Especiais para descobrir “um conglomerado chinês ativo na Nigéria que anunciou um porto de águas profundas sendo construído em um mês como parte da Iniciativa Cinturão e Rota”. No jogo de guerra, os PSYOPs dos EUA derrotam os chineses. Scholl afirma que “as operações chinesas de zona cinzenta estão corroendo a legitimidade dos EUA e desafiando a ordem mundial baseada em regras liberais”. Na realidade, a agressão imperial dos EUA e as guerras por procuração corroem qualquer legitimidade que os planejadores do Pentágono pensam que eles têm.

Mas esses analistas parecem esquecer que tanto os EUA, quanto a China estão armados com armas nucleares e possuem mísseis balísticos intercontinentais capazes de lançá-las. O Pentágono pode considerar a Nigéria apenas mais um peão no novo jogo de xadrez da Nova Guerra Fria. No entanto, qualquer escalada de tensões em pontos nervrálgicos, como Taiwan, poderia desencadear involuntariamente uma catástrofe nuclear. Este parece ser um risco que o Pentágono está disposto a correr para impor “domínio total do espectro”.

Fonte: texto originalmente publicado em inglês no site do The Grayzone.
Link direto: https://thegrayzone.com/2021/09/13/us-oil-rich-nigeria-proxy-africa/

T.J. Coles
Pesquisador e pós-doutor no Instituto de Cognição da Universidade de Plymouth e autor de vários livros, o mais recente sendo “We’ll Tell You What to Think: Wikipedia, Propaganda and the Making of Liberal Consensus”.

Tradução do inglês para o português: Alessandra Scangarelli Brites, editora da Revista Intertelas

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por Anders Noren

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