Leonel de Moura Brizola – 100 Anos

Crédito: reprodução da internet/PDT.

Vejo Brizola como um homem completo em cada passo de sua vida. E ele se revela por tudo que contam sobre ele. E, sobretudo, Brizola revela-se pelo que diz e faz, como todas as pessoas. Porque ele é o comum que virou Herói da Pátria à qual serviu. O acaso cria as situações que fazem distinguir fortes e fracos, inteligentes ou distraídos. Haveria entre os homens os escolhidos para as grandes missões? Ou eles se escolhem?

Brizola muito jovem escolheu seu nome! Pois foi assim. Chamado pela mãe Onívia ao nascer de Itagiba de Moura Brizola, não havia sido registrado até uma idade que permitiu que ele dissesse qual nome queria. Leonel, Leonel de Moura Brizola. Leonel era chefe de facções revolucionárias gaúchas pelo qual seu pai José tinha admiração. Mas ele nunca pôde ouvir isto de seu pai. Pois o perdeu, antes de um ano de idade, quando José voltava para casa com o cessar fogo da Revolução de 23. Degolado, numa emboscada. Com aquela covardia rancorosa. Como a de quem mandou bombardear o Vietnã depois do acordo de paz alcançado.

Alfabetizado em casa por sua mãe, que tinha dificuldades para manter a família e dar-lhe instrução formal. Já molequinho, ela reorganiza a vida e muda-se, e ele passa a ser criado por um pastor protestante e sua mulher. Por isso, teve de tirar certidão de nascimento para poder ir para a escola. Aprendeu até a escovar os dentes sem esbanjar a pasta. Recém adolescente, com o primário completo, conseguiu que a prefeitura lhe desse uma passagem de ida para Porto Alegre. Queria continuar a estudar.

Engraxou sapato e foi ascensorista, mas conseguiu entrar para a Escola Técnica Parobé, que tinha internato. Passou no vestibular de Engenharia e decidiu que se engajaria na criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Escolheu, pois, um partido que ainda não existia. E às ideias sociais deste partido, mais do que aderia, ajudaria a construir. Num bonde em Porto Alegre, ele iria paquerar uma moça. E a conheceu no partido: Neusa Goulart, irmã de João Goulart, sua companheira de 1º de março de 1950 a 7 de abril de 1993. Era praticamente um ano mais velha do que ele: dia 21 de janeiro de 2022 celebramos 101 anos de seu nascimento.

Eleito deputado estadual, seria Secretário de Obras do Governador Ernesto da Fontoura. Foi prefeito e governador do Rio Grande do Sul, sempre pelo voto popular. Como Governador consolida seu ideário: educação e desenvolvimento, binômio para uma pátria soberana, próspera e justa. Em 1961, comandou a rede da Legalidade que assegurou a posse de João Goulart na Presidência da República, depois de ter oferecido a Jânio seu apoio contra as pressões que dizia estar recebendo. Mas este não via condições de retomar o cargo que renunciara.

É como Governador gaúcho que Brizola é catapultado a líder nacional e se torna o inimigo número 1 de conservadores e golpistas. E não foi por acaso. Antes mesmo de Cuba o fazer, Brizola tinha encampado duas empresas internacionais gigantes por não atenderem aos termos dos próprios contratos que tinham assinado, levando o estado ao atraso em seu sistema de eletrificação e de telefonia: a Bond&Share e a ITT. Cortes internacionais julgaram que os processos foram absolutamente legais e legítimos. Seu plano de educação criou mais de 6000 salas de aula ou escolinhas rurais, treinou e contratou mais de 20 mil professoras, tornando até hoje o Rio Grande do Sul o estado com a mais baixa taxa de analfabetos do país.

Apoiou a criação do MASTER, o movimento dos sem-terra gaúcho, e com sua mulher doaram uma fazenda para reforma agrária. Apoiaram os acampamentos indígenas de Nonoai e a ocupação de terras devolutas. Em 1962, Brizola deixaria o cargo de Governador para disputar uma cadeira de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Teve mais do que um terço de todos os votos do estado para o cargo. Caçado depois do golpe de 1964, passou um mês percorrendo o interior do Rio Grande até o Paraná para ver as condições de resistência ao golpe. Conclui pelo exílio no Uruguai de onde tenta organizar a resistência.

As atrocidades que começavam a acontecer no Brasil levaram a que movimentos mal preparados tenham sido deslanchados. E o Brasil dos golpistas exige mais do que vigilância sobre ele no Uruguai: – confinamento. E depois, sua expulsão, sem passaporte ou meios. Execução pela Operação Condor a curto prazo sem responsabilidade legal. Pois, neste ponto ele renasce num único lance – pede asilo aos Estados Unidos de Carter. E se torna um dos políticos mais conhecidos e respeitados do mundo sem que tivesse sido um presidente da república. A posse de Brizola como governador do Rio de Janeiro foi evento mundial com a presença de líderes dos principais países do mundo. Como se viessem para dizer à ditadura que se esvaía: – Não se atrevam!

Na minha tão pequena presença na história e naquele evento-seminário internacional de posse, não posso esquecer, ao entrar no recinto da reunião e ser anunciado, ter recebido uma ovação, com Willy Brandt, Felipe Gonzalez, Mário Soares entre dezenas de outros à mesa. Era o dia seguinte ao que fui entrevistado pela Globo para saber quais eram nossos planos para a saúde do estado. Muitos embates e muitas vitórias na entrega que fizemos para construir um Brasil melhor para nossos filhos e netos.

Leonel de Moura Brizola, de nome próprio, governador de dois estados brasileiros, um deles por duas vezes. Presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Vice-Presidente da Internacional Socialista! Presente! Naquela tardinha de 21 de junho de 2004, cheguei ao seu lado; ele já só sobre uma maca. Coloquei o dorso da mão no seu pescoço e a palma na testa, ainda com calor. Fiquei em silêncio por uns minutos e dali fui deixá-lo em seu túmulo em São Borja, ao lado de Getúlio Vargas, João Goulart e sua Neusinha, com o sentimento de orgulho de ter lutado com tantos mais sob sua liderança. O Brasil soberano de cabeça erguida e povo respeitado não esquecerá seu nome. Nunca.

Fonte: Texto originalmente publicado no site Hora do Povo.
Link direto: https://horadopovo.com.br/leonel-de-moura-brizola-100-anos/

Eduardo de Azeredo Costa

Secretário de Saúde de Leonel Brizola no governo do Rio de Janeiro. Notável personalidade da medicina brasileira

Vivaldo Barbosa: É muito bom constatar que hoje brizolismo e lulismo se confundem

Brizola durante o exílio no Uruguai. Crédito: Ricardo Chaves (1974).

O que mais distinguia Brizola no ambiente político brasileiro é que era ser portador de um pensamento. Brizola tinha pensamento político, o que o diferenciava de tantos do seu tempo e de hoje em dia. Brizola era trabalhista, que na política brasileira ligava-se ao nacionalismo. As correntes mais autenticamente nacionais, mais enraizadas no povo brasileiro.

O trabalhismo forjou-se no Brasil de maneira bem diversa das correntes europeias, assumindo fisionomia própria. Diferenciou-se do que se denominava socialismo ou social democracia. O próprio Brizola dizia que o seu pensamento ficou definido quando ele via nas ruas os operários e gente do povo defender a legislação do trabalho e os direitos do povo. Aquela era a gente com quem se identificava, diferente em boa parte do que ele via em outras áreas.

Brizola ligava-se ao sentimento de pátria, de brasilidade. Compreendia a situação em que o Brasil foi colocado ao longo da história, de maneira marginal. Reclamava que os grupos econômicos e os países centrais não tinham o direito de se apropriar de nossas riquezas. Sempre clamou para que a política brasileira enfrentasse os interesses internacionais. Em Brizola o trabalhismo e o nacionalismo misturavam-se, como da tradição brasileira.

Sua paixão pela educação era solidariedade ao povo brasileiro e a visão superior do Brasil. Muitas coisas da vida de Brizola poderão ser ressaltadas e muitos aspectos da sua personalidade devem servir de inspiração permanente. Coerência? Claro, sempre foi sua marca. Coerência era a retidão de vida de Brizola, o que o fazia respeitado, mesmo em meio a tanta polêmica em que mergulhava. Nunca procurou enganar ninguém, nunca aderiu às palavras fáceis, sempre na procura de expressar o seu sentimento, nunca ocultá-lo, distanciava-se dos hábitos corriqueiros dos políticos menores. Coerência como questão central, não apenas decorrente de manifestações marginais, passageiras.

Coragem? Coragem cívica, que o distinguia. Exemplo foi sua decisão de expropriar as empresas multinacionais de eletricidade e de telefonia, que sufocavam a economia gaúcha. Dominavam as concessões, mas não investiam, não expandiam, impediam a industrialização e o desenvolvimento da economia. O exemplo mais vivo foi a rebelião que Brizola liderou pela posse de Jango, enfrentando as cúpulas das Forças Armadas. Sua coragem encontrou eco no povo brasileiro, que soube mobilizar e esteve ao seu lado.

Crédito: Imagens & História.

Venceu com a marca da coragem. Demonstrou coragem ao ficar contra a derrubada do Collor, que rompia sua investidura popular. Pagou preço elevado, mas a derrubada da Dilma mostrou que tinha razão. Brizola, hoje, estaria ao lado de Lula, sem dúvida. Sendo homem de pensamento, trabalhista e nacionalista, Brizola não titubearia em ver que o único político no Brasil que hoje abraça as causas trabalhistas é o Lula.

Assim como o Partido dos Trabalhadores (PT) é o partido que mais defende a legislação trabalhista, a Previdência Social e as estatais estratégicas. Como sempre o fez, Brizola estaria junto na luta pela derrubada de tudo o que se abateu sobre o Brasil. Talvez a coisa mais marcante dos 100 anos de Brizola seja constatar que brizolismo e lulismo hoje se confundem.

Fonte: texto originalmente publicado no site do Vio Mundo.
Link direto: https://www.viomundo.com.br/politica/vivaldo-barbosa-sobre-os-100-anos-de-brizola-e-muito-bom-constatar-que-hoje-brizolismo-e-lulismo-se-confundem.html

Vivaldo Barbosa

Foi deputado federal Constituinte e secretário da Justiça do governo Leonel Brizola, no RJ. É advogado e professor aposentado da UNIRIO.

Um comentário em “Leonel de Moura Brizola – 100 Anos

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  1. Parabéns pelo artigo.
    Sempre acompanhei, convivi um pouco e assisti pessoalmente diversas vezes.
    Era um orador que prendia a atenção do público.
    Seu ideal, a Educação o Ensino e a pesquisa ainda é o único caminho para o progresso de uma nação

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por Anders Noren

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