
Um assassinato ocorreu na cidade de Manju, interior da Coreia do Sul, no ano 2000. Um homem suspeito foi preso, mas devido a um álibi, ele foi liberado. Vinte anos após o ocorrido, outro corpo, nas mesmas condições do caso anterior, é encontrado em um campo da cidade que fica em uma área abandonada e voltada ao replanejamento e desenvolvimento urbano. Essa é uma pequena introdução do enredo do K-Drama “Além do Mal” (Beyond Evil).
O drama tem como diretora Shim Na Yeon (심 나연), que trabalhou em “Moment at Eighteen”, estrelado por Ong Seong Wu (옹성우). Já o roteiro fica a cargo de Kim Soo Jin (김수진), que roteirizou dramas como “Mad Dog” e “Weighlifting Fairy Kim Bok Joo”. O título coreano 괴물 (Guimur) significa “Monstro”, porém a tradução da Netflix para o inglês escolheu o título “Beyond Evil”, em português “Além do Mal”. Isso não ocorre à toa! Na sequência, vai-se discorrer um pouco sobre as razões possíveis incluídas na trama da série e que levaram a esta escolha.
A pequena Manju é uma cidade rural, podendo ser considerada uma comunidade. Aos poucos, os espectadores são ambientados no clima de interior, e existe uma indicação de que “os cidadãos são sempre observados”. Isso já revela um aspecto que perdurará por todos os arcos narrativos e nas atitudes dos personagens do drama. Um dos protagonistas é o suspeito do assassinato ocorrido em 2000, o policial assistente de detetive, Lee Dong Sik (Interpretado por Shin Ha Kyu), assim como o filho de um importante nome na Instituição Policial da Coreia do Sul, Han Junwon (Interpretado por Yeo Jingoo) que é transferido para Manju.

O drama tem aspecto de suspense psicológico e humor satírico. Percebe-se ainda uma ênfase das diferenças entre cidades grandes e pequenas, salientando as experiências e peculiaridades da vida no interior. Por exemplo, entre os traços característicos está a ideia de que todos podem saber da vida de todos; ou de que é possível conhecer inteiramente o íntimo de uma pessoa, ao ponto de afirmar que ela não seria capaz de cometer crimes atrozes, já que “pertence à família”. Essa problemática no contraste de cidades grandes e pequenas trazida na narrativa, revela como funcionam as relações sociais nessas regiões mais isoladas da Coreia do Sul.
Sem dar prévia não-requisitada (spoiler), pode-se inferir que a provocação que o título do drama “Além do Mal” traz contesta a ideia de ambiente idílico que muitas vezes é ressaltado socialmente, não apenas na Coreia, mas em várias partes do mundo. Os moradores da cidade de Manju são colocados em constante pressão e aquela noção de calmaria, onde é possível conhecer uns aos outros e ninguém da dita “família” cometeria um crime hediondo, vai sendo totalmente desconstruída, à medida que aos indivíduos da localidade é apresentada a dura realidade das diversas facetas mais sombrias do ser humano.

Assim, para ressaltar a contestação à ideia do interior como um paraíso na Terra, diversos elementos ajudam o espectador a participar desta provocação. Um que “salta aos olhos” é a atuação. Reunindo nomes de peso da interpretação sul-coreana e jovens talentos que apresentam grande potencial, as expressões faciais, gestos e a linguagem corporal dos atores são ressaltadas através dos movimentos de câmera e enquadramentos. Desta forma, as atuações vislumbram não apenas a personalidade dos personagens, dando maior dramaticidade, mas também fornecem pistas ao espectador das possíveis conexões desses indivíduos com os acontecimentos da trama. Portanto, há uma construção fílmica que parece questionar as certezas das dicotomias estabelecidas socialmente sobre o que seria uma pessoa má, ou boa; ou um policial bom, ou mau, alertando que, ao menos no que diz respeito aos humanos, nada pode ser delimitado tão precisamente.
Outro artificio clássico dos dramas sul-coreanos e também presente nesta série é o flashback, momento de retorno ao passado por meio da perspectiva da memória de algum ou de alguns personagens. Mesmo sendo um artifício comum, a escolha por viajar no tempo faz com que aos poucos a história possa ser desenvolvida e o espectador acompanhe a complexidade do contexto social que os personagens e a história em si estão inseridos.
Em especial, pode-se destacar a chamada agressividade passiva, que não necessariamente é física, ou verbalmente ofensiva, mas que na sua sutileza revela inúmeros preconceitos e uma violência nas entrelinhas das relações sociais. Somado a isso, novamente a política corrompida e as forças econômicas predadoras atuam na busca por áreas abandonadas, no intuito de construir diversos empreendimentos potencialmente lucrativos no interior da Coreia do Sul. Estas, para conseguirem seus objetivos, são capazes de realizar tudo, até cometer atrocidades. Trata-se de uma questão sociopolítica bastante presente em dramas sul-coreanos e que nesta obra aparece com contornos que acentuam a maldade de figuras pretensamente inocentes. Assista “Além do Mal” na Netflix Brasil.
Helmer Marra
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Asiática Contemporânea (MidiÁsia) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Alessandra Scangarelli Brites
Editora da Revista Intertelas, jornalista (PUCRS), especialista em Política Internacional (PUCRS), mestre em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS)
Ficha Técnica
Título: 괴물 (Guimur, Coreano); Monster (Alternativo, tradução para o inglês); Beyond Evil (Ingês); Para Além do Mal (Português).
Direção: Shim Na Yeon (심 나연)
Roteiro: Kim Soo Jin (김수진)
Distribuição: JTBC (Coreia do Sul); Disney+ Hotstar, WeTv, Netflix e Viki (Distribuição mundial)
Transmissão: 2021/1
Classificação indicativa: +16 (+15 na Coreia do Sul)
Nº de Episódios: 16
Nota no MyDramaList: 8.8/10
Deixe seu comentário