
O mundo é um lugar muito diferente do que era no fim de 2010, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encerrava seu segundo mandato como chefe do Executivo brasileiro com um cenário de crescimento econômico e 80% de aprovação popular. Internacionalmente reconhecido, o líder petista assume diante do cenário do conflito entre a Rússia e a Ucrânia — esta sob forte apoio militar, financeiro e logístico dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) — e dos desdobramentos geopolíticos e financeiros por ele acarretados. No bojo disso há uma grande expectativa global de que o Brasil tenha um papel ativo nas negociações de paz entre Rússia e Ucrânia.
Miguel Relvas, ex-ministro de Assuntos Parlamentares de Portugal, acredita que o Brasil pode ter um papel crucial no processo de busca pela solução entre a Rússia e a Ucrânia. O ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1996, o presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, que esteve na posse no último domingo (1º), fez um pedido especial ao homólogo brasileiro: que iniciasse uma costura de negociações entre russos e ucranianos com líderes da Turquia, Índia, Indonésia, África do Sul e China. Ambos os políticos estrangeiros argumentam que nem Europa, tampouco os EUA têm capacidade de interlocução com a Rússia, uma vez que, ao apoiar a Ucrânia por meio de sua aliança militar, o continente e o país fazem parte do conflito.

O Brasil, portanto, seria um ator neutro, com boas relações com todos os lados e, diferentemente de outros países, com lastro e visão ocidentais — o que facilitaria a abertura com esse lado do mundo. Por outro lado, o país é um dos membros do BRICS, grupo que também inclui Rússia, China, Índia e África do Sul, situação que permite a movimentação entre essas peças do outro lado do tabuleiro. A nomeação do ex-chanceler Celso Amorim como assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, publicada em edição extra do Diário Oficial da União na noite de quarta-feira (4), traz um reforço ainda maior à questão. Amorim é o principal conselheiro de Lula para a política externa.
Na posse, Lula afirmou que deve ligar para o presidente russo, Vladimir Putin, em breve. Entre as primeiras viagens previstas do presidente brasileiro recém-empossado estão EUA e China.
A Sputnik Brasil conversou com Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor titular de história moderna e contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com Rogério Anitablian, analista geopolítico, para entender se o Brasil pode de fato ter uma atuação para propiciar o diálogo que, eventualmente, cessará o conflito ucraniano. O professor da UFRJ acredita que, embora o Brasil tenha uma tradição muito forte em negociações internacionais, a intermediação em negociações de conflitos bilaterais não é, fundamentalmente, um tema desenvolvido pela diplomacia brasileira. Outro aspecto enxergado por ele é que “[Vladimir] Zelensky [presidente da Ucrânia] não está disposto a negociar a paz“.
Ao mesmo tempo, aponta Silva, os Estados Unidos “não estão dispostos” a dar a Lula da Silva um “papel mundial de grande destaque”. Ele argumenta que isso se mostra “pela enviada não tão importante que os Estados Unidos mandaram” para a posse de Lula. O professor relembra que a última intervenção brasileira em um conflito internacional envolvia a questão das armas nucleares e de longo alcance do Irã — aparentemente iniciada por um movimento pedido pelo próprio governo dos Estados Unidos, mas que, após encetada, foi seriamente atacada pela diplomacia dos EUA, que depois retirou o apoio às gestões brasileiras nesse sentido.
No caso do Irã “foi muito comentado, quase ao nível de escândalo, no Brasil”, rememora. A crise na época deu-se principalmente porque os Estados Unidos não se interessavam por um acordo com o Irã “e suas gestões junto ao Brasil para negociação não eram exatamente sinceras“. Quando, entretanto, o Brasil conseguiu chegar a um acordo com os iranianos, os Estados Unidos foram “tomados de surpresa” e resolveram não endossar o acordo.
Já o analista geopolítico Rogério Anitablian acredita que, pela tradição da diplomacia brasileira, as negociações de paz poderiam ser entabuladas e conduzidas pelo governo Lula. Sem elencar nomes, ele argumenta que seria interessante se o Brasil conseguisse envolver outros atores que têm tido uma postura de relativa equidistância ou de imparcialidade (sob o ponto de vista de um não alinhamento com um ou outro lado) no conflito.
Nesse sentido, prossegue, o Brasil poderia liderar essa tentativa de negociação de maneira que privilegiasse uma interlocução considerada válida por ambas as partes. A própria aliança que sustentou a eleição deste governo brasileiro, observa Anitablian, devido ao amplo espectro e ao novo paradigma sob o ponto de vista do não alinhamento ideológico nas relações internacionais, pode fazer com que o governo brasileiro “consiga colocar frente a frente as partes que se encontram em contenda para que possam negociar. Essa perspectiva de não alinhamento ideológico do Itamaraty, dentro de uma postura de uma diplomacia ativa por parte do Brasil, pode privilegiar um bom desenlace“.
Para os dois analistas consultados pela Sputnik, é possível, também, explorar o fato de o Brasil ser um dos signatários do Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).
Anitablian contextualiza que esse status pode, de alguma forma, privilegiar a atuação, no sentido de oferecer garantias às partes de que essas armas não sejam usadas no futuro — nem contra a Ucrânia, nem contra a Rússia.
Marina Lang
Sputnik Brasil
Fonte: Texto publicado originalmente pela Sputnik Brasil.
Link direto: https://sputniknewsbrasil.com.br/20230105/governo-lula-pode-ser-o-pivo-nas-negociacoes-de-paz-entre-russia-e-ucrania-26811521.html
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