Nikita Mikhalkov, diretor de cinema e filho de Sergei Mikhalkov, autor do hino nacional da União Soviética, apresenta os desafios de uma Rússia que tenta se reinventar, mas ainda é assombrada por seus antigos problemas, em um de seus últimos trabalhos, “12”, de 2007. O enredo é uma refilmagem do americano “Doze homens e um sentença”, cuja versão original foi realizada por Sidney Lumet (1957), e o remake de 1997 foi dirigido por William Friedkin. Neste enredo, doze homens que compõe um júri são responsáveis por decidir se um jovem acusado de matar o próprio pai deve ou não receber a pena de morte. Onze jurados acreditam que sim, com exceção de um que, com inúmeras argumentações, começa a persuadir os demais das incongruências de provas e depoimentos que tanto a promotoria, quanto a defesa parecem ter desconsiderado. Aos poucos vão sendo desconstruídos estereótipos e julgamentos morais que refletem a personalidade e os valores de cada jurado.
Mikhalkov dá um novo tom ao enredo revelando não apenas as personalidades de cada personagem, mas também a grande transformação que vem passando seu país, a Federação Russa, desde o fim da União Soviética em 1991. Trata-se de um período de transição que ainda não chegou a sua conclusão, deixando transparecer a questão maior, que consta em todos os filmes de Mikhalkov: qual será a Rússia do futuro? Certamente, trata-se de um país que, juntamente com o restante do mundo, vem sofrendo modificações desde o âmbito político ao cultural, porém apresenta suas peculiaridades, devido a sua história única e tudo o que representou, durante décadas, para várias gerações. Uma Rússia que tenta redefinir-se, mas que encontra diversos desafios provenientes de seus primeiros anos de capitalismo. Consta também a indagação dos princípios de democracia e respeito aos direitos humanos, preceitos que, quanto aos seus reais significados, ainda encontram grande debate na população russa.
Assim, além de um negro, ou de um porto-riquenho, temos um jovem checheno, vítima da guerra, que teve seus pais mortos pelo movimento separatista. No entanto, ele é adotado pelo amigo da família, um capitão do exército russo. As duas versões americanas utilizam apenas uma sala e um banheiro como cenários, de maneira que o desenvolvimento da trama depende exclusivamente dos diálogos. Já a versão russa se passa em um ginásio esportivo, pois a sala de reunião ainda está sendo construída. Flash backs entre o ginásio e as cenas do menino pequeno ocorrem em diferentes momentos. Em um primeiro momento, ele é persuadido pelos separatistas mulçumanos a integrar o grupo, mas logo o pai, também adepto do islã, o faz voltar para casa e estudar.

Depois, o menino encontra os pais mortos e vagueia pelas ruas até ficar entre o fogo cruzado das tropas russas e separatistas, fazendo com que tenha de esconder-se em um cômodo abandonado. Ele logo é encontrado pelo amigo da família e futuro pai adotivo. Como nas versões americanas, a de Mikhalkov, há constantes reflexões sobre a condição humana. Na reconstituição de uma cena para averiguar o argumento de uma testemunha que afirmava ter ouvido o jovem matar o pai e depois fugido, somos levados a acompanhar as reflexões dos personagens que colocam sempre em questão as reais intenções de um depoente. O resultado é uma grande interrogação ao que se entende por justiça, ou atuar de forma justa, já que vários depoimentos e posicionamentos com relação a um réu, estão repletos de pré-conceitos, ou julgamentos de uma população que quase viu seu país ser desintegrado e enxerga nos povos que habitam as regiões de conflito apenas traidores da pátria; contudo, jamais vítimas de uma situação caótica, como eles, os demais russos, também são.

Em uma país de dimensões continentais e culturas que englobam partes do território europeu e asiático, fica clara a difícil de tarefa de promover uma união nacional entre culturas tão distintas, que habitam o mesmo vasto território. Temos isso bem evidenciado na cena em que a faca que o jovem teria utilizado para assassinar o pai está sendo examinada. Em um flashbacks percebemos que se trata, na verdade, da faca utilizada pelos terroristas para matar a família do rapaz. Com este instrumento apendemos ainda mais sobre a região do caucáso, em que a faca é um instrumento cultural bastante proeminente e a forma como a comunicação ocorre é bastante diferenciada da capital Moscou. A exemplo, no Cáucaso, ninguém emite a vontade de querer matar alguém. Não, se a intenção for esta, então se mata, sem mais delongas. Assim, o médico georgiano (Sergei Gazarov), depois de muito aturar as indiretas do taxista racista interpretado por Sergei Garmach, um dos nomes mais importantes entre os atores russos dos últimos tempos, retira a faca da mão dele para demonstrar seu excelente manuseio de instrumento e dar início a uma dança folclórica que impressiona a todos.

Desde as duas guerras na Chechena, 1991 e 1999, a população vem enfrentando uma série de ataques terroristas, o que provocou uma rejeição da população russa, principalmente em cidades principais como Moscou e São Petersburgo, aos imigrantes do Cáucaso. A Rússia, que é segundo país depois dos Estados Unidos a receber o maior número de imigrantes, quase todos provenientes dos países que integravam o bloco soviético, encontram-se em uma luta interna constante consigo mesma para integrar esta população em uma nova noção de país.

Além deste, outros desafios são explicitados, como um sistema político que ainda é regido pela lei do mais forte e da sobrevivência, assim ressalta o administrador de cemitérios (Aleksei Gorbunov) que descreve um esquema corrupto que aproveita o momento frágil das famílias para lucrar com o sofrimento alheio; ou das medidas tomadas pelas grandes construtoras, muitas controladas por oligarcas, para retirar os antigos moradores de suas casas, demolir e construir prédios novos; ou, ainda, o neto (Mikhail Iefremov), agora já crescido, que tentou fazer a avó rir, enquanto ela morria, esperando a ambulância que demorava a chegar. A complexidade humana também está presente como demonstra o jurado (Sergei Makovetski), peça chave que desde o início acredita na inocência do jovem checheno e inicia o processo de persuasão dos demais. Ele fora criador de uma nova tecnologia da comunicação e desejava vendê-la a uma empresa nacional, mas não consegue compradores.

Após diversos fracassos, ele acaba entrando em depressão e torna-se alcoolista. Um dia, uma mulher que viria mais tarde a ser sua segunda esposa o salva com um simples gesto de compreensão e palavras de incentivo. Há também o caso da vizinha de meia idade e testemunha no caso, apaixonada pelo capitão, pai adotivo do menino chechêno, que faz de tudo para acabar com o casamento e a família dele. “Pura crueldade feminina”, salienta o personagem de Makovetski. Com essas e outras história, o diretor Mikhalkov pinta um retrato da sociedade russa atual e da complexidade do homem e sua existência.
Título: 12
País: Rússia
Direção: Nikita Mikhalkov
Roteiristas: Nikita Mikhalkov, Vladimir Moiseyenko, Aleksandr Novototskiy-Vlasov
Elenco: Sergey Makovetskiy, Nikita Mikhalkov, Sergey Garmash, Valentin Gaft, Aleksey Petrenko, Yuriy Stoyanov, Sergey Gazarov, Mikhail Efremov, Oleksiy Gorbunov, Sergey Artsibashev, Viktor Verzhbitskiy, Roman Madyanov
Produção: Aleksey Balashov Sergei Gurevich Aleksey Karpushin Nikita Mikhalkov Leonid Vereshchagin Yekaterina Yakovleva
Duração: 2h39min
Lançamento: 20 de setembro de 2007
Idioma: Russo
Legendas: Inglês em sites especializados
Fonte: Texto originalmente publicado no site do O Beco do Cinema
Link direto: https://obecodocinema.wordpress.com/2016/06/28/12-homens-e-uma-sentenca-versao-russa/