
A 1ª Mostra Coreana do Rio de Janeiro iniciou suas atividades neste sábado com uma exposição sobre a cultura, a Guerra da Coreia e a imigração de coreanos ao Brasil. No mesmo dia, um workshop de dobradura do país também atraiu o público que pode experienciar de forma prática e estabelecer um contato inicial com esta nação tão distante. O mestre de Taekwondo e alpinista industrial Leonidas Moura, que participou da atividade, aprendendo a fazer pela primeira vez dobradura em papel, diz ser grande admirador da Coreia. “O povo coreano foi colonizado e oprimido por décadas, mas isso não impediu que eles retomassem e preservassem a sua cultura. Tenho grande admiração por esta característica deles”.

A avó Tieko Okuno, que gosta de fazer origami em casa, aventurou-se a fazer um boneco, mas admitiu que gosta mais de criar flores. Ela ainda destacou a importância da Mostra: “é essencial o Brasil manter uma amizade próxima com as Coreias. Esperemos que todos possam um dia viver em paz por lá”. Florinda Monteiro viu no workshop uma possibilidade de aproximar-se do filho que faz origami, além de ter o seu primeiro contato com uma cultura bastante diferente. “Foi uma oportunidade que jamais pensei em ter”. O evento ainda continua suas atividades até 10 de agosto e as atrações são as mais variadas. Por trás de todo este trabalho há um grande propósito: passar uma mensagem ao público brasileiro de que a paz na península coreana é possível. Assim, salienta Marcelle Torres, idealizadora do evento, especialista em assuntos geopolíticos da península coreana.
Vamos retornar ao período que a Mostra Coreana era apenas uma ideia. Qual foi o seu objetivo naquela época?
A minha área de pesquisa enfocava as questões sobre a península coreana e eu tinha este anseio de abordar o processo de paz entre as Coreias e a participação do Brasil. Acredito que a nossa diplomacia precisa ter uma atuação mais ativa e criativa sobre o assunto. A reconciliação coreana é uma das questões em que o Brasil poderia ter uma participação chave, já que é o único país da América Latina que tem relações diplomáticas e embaixadas com ambas as Coreias. Nosso antigo embaixador Roberto Colin, quando a embaixada brasileira foi aberta em Pyongyang, enfatizou que um dos objetivos do nosso país era atuar neste processo de reconciliação. A maior comunidade coreana da América Latina fica no Brasil, em São Paulo, no bairro Bom Retiro, então eu queria ligar estes pontos. No entanto, percebi que sendo apenas pesquisadora eu teria uma certa limitação, eu não conseguiria atingir alguns pontos e ter uma atuação mais expressiva. Já com uma organização, reunindo pessoas que trabalhassem por uma causa, poderia ter resultados mais efetivos. Foi a partir deste contexto que a AsiaColors foi criada. Iniciamos nossas atividades através de um programa da Shell, o Iniciativa Jovem, direcionado a jovens empreendedores. Foram 1200 inscritos e a AsiaColors tornou-se uma das 34 finalistas deste programa, recebendo o Selo de Empreendimento Sustentável.

E o que é a AsiaColors?
É uma empresa de impacto social que visa promover culturas asiáticas no Brasil e atuar em projetos específicos de agricultura sustentável para países asiáticos em situação de segurança alimentar. Nosso primeiro projeto foi um desfile de moda que organizamos ano passado. Ele ocorreu na Associação Japonesa Nikkei. Fizemos uma homenagem às samurais femininas. A ideia principal era salientar a importância da mulher na sociedade japonesa. Nossa ideia também foi destinar os recursos obtidos com as vendas da nossa coleção a um projeto de agricultura brasileiro para o Timor Leste. Esta e outras iniciativas são que embasam o Nosso slogan: “atravessando fronteiras, conectando culturas”.
E porque o Timor Leste?
Eu estive no país ano passado. Trata-se de uma nação que foi colonizada por Portugal, pela Indonésia e pelo Japão. Eles fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a experiência política deles apresenta diversas lições ao mundo. É fundamental também lembrar da importância do brasileiro Sergio Vieira de Mello (o diplomata das Nações Unidas foi titular desta organização internacional durante a transição política do Timor à condição de país independente, entre 1999 e 2002). E como no projeto das Coreias hoje, eu queria fazer as conexões entre os países, no caso entre o Brasil, Timor Leste e Japão.
E todos os projetos apresentam um certo apelo a questão social, correto?
Sim, neste desfile as meninas que trabalharam como modelos eram todas integrantes de um projeto social do Rio de Janeiro, responsável por descobrir talentos em comunidades do Rio. Então, o nosso objetivo também é dar oportunidade a quem realmente precisa. Assim, o desfile foi feito no Museu do Amanhã e mantemos em contato com elas. Nosso segundo projeto é este agora da Mostra Coreana.
No Brasil, projetos culturais encontram diversos obstáculos para serem efetivados. Como foi o processo para tornar a Mostra uma realidade?
Trabalhar com projetos culturais no Brasil não é fácil, é preciso muita dedicação, persistência e determinação. Eu tinha um sonho, mas ninguém concretiza um sonho sozinho. Você precisa de apoio, de quem acredita e sonha junto com você. Então, a base da realização da Mostra Coreana está no time que formamos: a equipe da AsiaColors, os voluntários que abraçaram e se dedicaram ao projeto, somada aos apoios que recebemos. Gostaria de citar a coorganização do Consulado Geral da República da Coreia em São Paulo, o patrocínio da Hyundai Motor Brasil, a parceria com o Retiro dos Artistas e o suporte da Nova Escola de Teatro, Instituto Nam Ho Lee, Centro Cultural Hallyu, Studio Suzzato, Deise Monteiro Produção e Associação de Imprensa do Estado do Rio de Janeiro. Além de termos o nosso projeto acolhido e trabalhado pelo Centro Cultural Justiça Federal e toda a dedicada equipe que compõe o órgão.
E é perceptível que o seu foco foi a retomada das negociações para um processo de paz e possível reunificação das Coreia.
A mudança de posicionamento atual do governo sul-coreano e a grande movimentação internacional pedindo a redução das tensões na península, fez com que eu quisesse passar esta visão brasileira sobre esta questão. Então, pensamos fazer uma exposição de fotos que abordasse um pouco da cultura coreana, mas que também fizesse uma reflexão sobre estes recentes acontecimentos. O interesse dos brasileiros tem crescido bastante nos últimos tempos não apenas pela cultura, mas também pela história do que vem acontecendo na região. A ideia é fazer com que o público tenha uma ideia da geopolítica através de um olhar histórico e humano da Guerra das Coreias, com relatos das famílias e cidadãos coreanos. Então são tratados na exposição: a cultura, a zona desmilitarizada, a separação das famílias pelo conflito e a imigração coreana ao Brasil. Em razão da possível nova reunião entre os dois governos a ocorrer em agosto deste ano, promovida pela Cruz Vermelha, pensamos que era o momento ideal para realizar outras atividades como a peça teatral, no intuito de passarmos nossa mensagem da importância desta unificação para o mundo e para o Brasil.

Nas suas explanações ao público sobre a programação do evento, você inúmeras vezes enfatizou a importância da sustentabilidade. Como ela está representada, particularmente, nesta exposição?
O designer Diogo Suzzato sempre viu a sustentabilidade como um grande paradigma social a ser seguido. Nesse projeto, ela está representada através do papelão, material escolhido pelo fator de fácil reciclabilidade. Os tubos presentes na estrutura do telhado do templo coreano são produtos que exigem grande quantidade de energia para a tritura, e então, serem levados ao processo que os torna papelão novamente. No momento de crescente interesse de brasileiros pelos recentes acontecimentos na península coreana, além do olhar para a cultura coreana, decidimos enfatizar, de forma educativa, a importância da sustentabilidade em nossa sociedade, no âmbito doméstico e internacional.
Você escreveu o roteiro da peça, conte um pouco sobre como foi produzir e organizar esta iniciativa.
Eu não sou da área de teatro, mas, novamente, era uma forma bastante importante de repassar a mensagem. Assim, conheci o diretor Bruno Petram e o produtor Gabirel Cortez da Nova Escola de Teatro que abraçaram o projeto. Abordamos a história de um amor praticamente impossível entre dois professores. Tanto ele da Coreia do Sul, quanto ela da Coreia do Norte, tiveram suas famílias separadas há mais de 65 anos pela guerra. Eles são o símbolo de 60 mil famílias (anteriormente eram 130 mil, mas muitos já morreram) que esperam todo dia pela oportunidade de reverem uns aos outros. Para a união destes personagens acontecer inclui um território neutro que, no caso, é o Canadá. Os canadenses têm uma cooperação acadêmica com a Coreia do Norte que ocorre já há um tempo. Esta situação serviu de inspiração para a história. Mas há dois pontos importantes que são retratados: o conflito da Yeon, a professora norte-coreana, em tentar conciliar a paixão que sente por Woo-jin, professor sul-coreano, e o receio de que sua família possa ter problemas futuros em razão de seu relacionamento na Coreia do Norte; e o outro é a separação das famílias, os quais busquei relatos reais para embasar melhor o texto. Tenta-se transmitir um pouco do que é esta dor para eles, desta impossibilidade de rever sua família por décadas. Portanto, creio que seja importante passar esta história humana aos brasileiros.
O filme “Zona de Risco” (2000), dirigido por Park Chan-wook, uma outra atração da Mostra, também segue esta mesma linha da peça.
Esta produção foi exibida também no Centro Cultural Coreano em São Paulo, órgão que nos apoiou para que pudéssemos mostra-la aqui no Rio. E a ideia central que o filme destaca é o olhar humano da guerra. Insisto sempre que precisamos sair um pouco desta visão um tanto arraigada da Guerra Fria, com um olhar mais distante de analista e geopolítica, para mostrar a humanidade que muitas vezes é deixada de lado. São pessoas que viveram e vivem esta história, são todos coreanos. Não importa se é do Sul, ou do Norte. Não se pode aceitar esta ideia, bastante difundida, de que não há solução para o problema. É uma causa que tentamos convidar as pessoas a participar dela. A ideia de que é possível viver em paz. E por esta razão que temos também na exposição a mensagem do senhor José Ramos-Horta, ex-presidente do Timor Leste e ganhador do Nobel da Paz. Eu o conheci em 2015, em uma conferência em Seoul, capital da Coreia do Sul, e o reencontrei ano passado, em uma Cúpula dos prêmios Nobel da Paz, em Bogotá, Colômbia, onde tive a oportunidade de conversar com ele.

O público brasileiro, às vezes, pode assumir uma posição um tanto indiferente ao que se passa em outros países, você não acha?
Infelizmente sim. O que é uma pena, pois a nossa história diplomática tem toda uma importância promissora, nós temos um canal aberto com as duas Coreia, e o que estamos fazendo? Nada! O que a nossa representação em Pyongyang está fazendo para atuar frente a esta questão de grande importância global? Da minha experiência internacional, eu posso dizer que o Brasil é visto como um país neutro, que não tem conflitos com outros países o que é admirado por outras nações. Então, nós poderíamos ser os reais mediadores nesta questão. Por isso, o público brasileiro, em geral, precisa despertar, pois necessitamos reaver o nosso prestígio e nossa posição como um país chave para as questões internacionais.
Fonte: Texto originalmente publicado no site do Koreapost
Link direto: http://www.koreapost.com.br/entretenimento/eventos/1a-mostra-coreana-rio-de-janeiro-paz-entre-coreias-e-possivel/
Para conferir a programação acesse o site da 1ª Mostra Coreana do Rio de Janeiro
“Zona de Risco”(2000), dirigido por Park Chan-wook.
Deixe seu comentário