
Os motivos que levaram o Brasil a participar da Segunda Guerra Mundial ainda são objeto de discussão e análise em nosso país até hoje. Passados mais de 70 anos do final do referido conflito, ainda sofremos com avaliações débeis, que partem de uma perspectiva rasa para avaliar os objetivos de Getúlio Vargas no contexto de uma guerra mundial. Para além do campo de batalha, onde o Brasil teve uma pequena, porém, importante participação, (contingente brasileiro mobilizado para a Itália foi em torno de 25.334 homens), temos as questões continentais, regionais e as questões domésticas.
O Brasil, que tentava superar o subdesenvolvimento através de boas relações comerciais mundo a fora, estabeleceu uma agenda de “ganha-ganha” com a Alemanha a partir da negativa de Estados Unidos e Inglaterra em praticá-la com o governo Vargas. Nesse sentido, o governo brasileiro pode ter acesso a produtos industrializados oferecendo matérias-primas múltiplas em um ambiente de troca justa. Agregado a isso, estava a maior frota mercante da América Latina e a estabilidade política que a Revolução de 30 passou a oferecer. Passando assim, Brasil e Alemanha serem ótimos parceiros comerciais, isso em nada tinha haver com apoio do governo brasileiro ao nazismo em voga na Alemanha de Adolf Hitler.

O presidente Getúlio Vargas no dia 11 de novembro de 1940 explicou da seguinte maneira o respaldo internacional que o Brasil alcançava naquela data: “A projeção internacional do Brasil ampliou-se de forma notável nos dez últimos anos e exprime a justificada confiança com que os outros países encaram as nossas atitudes de correção e lealdade. Na guerra desencadeada noutros continentes, guardamos posição de estrita neutralidade, louvada, até, pelos contendores, e, assim, pretendemos continuar, sem prejuízo dos nossos compromissos de completa solidariedade com o programa de defesa dos países americanos”.
Os acordos técnico-militares que o Brasil celebrou com os alemães foram vitais para que Vargas ampliasse o seu horizonte e percebesse a importância do Brasil naquela conjuntura de conflagração geral. Estando a Alemanha precisando de matérias-primas e o Brasil de maquinários, essa relação ampliou-se sobre bases onde a geopolítica não interferia pautando um lado sobre o outro. A expansão do conflito sobre o oceano Atlântico e a atuação vigilante da marinha inglesa interromperiam o sonho brasileiro de se tornar um país com uma força militar moderna a partir dos acordos com a Alemanha. Contudo, Vargas e a sua postura proativa, de pronto trocou a Alemanha pelos Estados Unidos e de imediato livrou-se da pecha de simpático ao fascismo, coisas que os ingleses viviam acusando o governo do Brasil.

As tratativas que fizeram com que o Brasil aderisse ao bloco Aliado, transformando o país em único latino-americano a enviar tropas para o teatro de operações europeu, estavam balizadas por um forte teor nacionalista. Essas tratativas proporcionaram ao governo Vargas o recebimento de grandes investimentos externos, ajudando na superação do seu passado agrário-exportador, edificando assim, um Estado forte e líder na América Latina. Esse projeto de desenvolvimento só foi possível graças às condições internacionais vigentes. Em tempos de paz, dificilmente o Brasil teria conseguido tamanho aporte técnico dos EUA.
Getúlio Vargas, por vezes, expressou a sua intensão de não permitir que o Brasil fosse apenas um satélite dos Aliados, nesse contexto surgiu à ideia de enviar tropas à Itália. Getúlio percebeu a importância para um país que tinha a ideia de se desenvolver possuir um exército moderno. A autonomia brandida por Getúlio manifestou-se em forma de neutralidade no primeiro momento da Guerra. Mostrou ele, desde cedo, que o alinhamento não se daria de forma subordinada. Até o final de 1941, Vargas não viu a necessidade de encampar um conflito que era essencialmente europeu, prejudicando assim suas lucrativas relações com o Eixo.
Ao apontar Vargas como nacionalista é importante conceituar esse nacionalismo primeiro, já que na Europa ele foi encarregado de devastar o continente por duas vezes no século XX, sendo inclusive alvo de duras críticas por parte dos agrupamentos de esquerda na Europa Ocidental até hoje. Mas na América Latina, o nacionalismo que surgiu com os Libertadores (Simon Bolívar, San Martin, Bernardo O’Higgins, Antônio Sucre, Abreu e Lima José Martí e outros), fruto da luta contra o colonialismo espanhol e português, teve um víeis libertário, que gerou concórdia entre os Estados latino-americanos recém instaurados. Em alguns casos, gerou inclusive solidariedade.
O governo Vargas que era fruto de uma revolução burguesa sabia da necessidade em possuir um Estado moderno para desenvolver as forças produtivas. É nesse patamar que a Revolução de 1930 materializou-se contra o coronelismo e os resquícios do Império. Isto é, o modelo que ela apregoava confrontava diretamente a velha ordem oligárquica (República Velha), de dependência constante das grandes potências. A Revolução de 1930 foi uma tentativa de romper em definitivo com as relações sociais e econômicas do colonialismo, coisa que os países centrais não queriam. Com a Revolução de 1930, Vargas estabeleceu um fio condutor com algumas das revoltas do Período Regencial, que tanto especulavam sobre independência e republicanismo.
Nesse contexto, Vargas representou os anseios da burguesia, que a reboque, encampou uma série de demandas populares, demandas essas que se materializaram na modernização das relações de produção e na edificação de um Estado Nacional de bem estar social. Que tinha por principio integrar a nação sob uma proposta de desenvolvimento industrial e de satisfação do mercado interno. As lutas operárias do início do século XX expuseram o atraso social que vivia o Brasil, colocando a classe operária no centro da discussão.

A emergência desse Estado nacional burguês que Vargas representava, trazia uma marca determinante, que o colocava em choque contra o imperialismo, era a tentativa de edificar uma economia nacional com base em um desenvolvimento indústria autônomo. A necessidade brasileira em modernizar as suas forças armadas também conflitava com os interesses anglo-estadunidenses em nossa região (América do Sul). Concisos da importância de se manter o Brasil na condição de agrário-exportador, os estadunidenses negaram até o último minuto apoio técnico ao Brasil para que este possuísse indústrias e armas. Importante lembrar que nosso país já trazia uma tradição em dependência das potências estrangeiras no concernente a sua necessidade bélica (Exemplo a Missão Francesa de 1919).
Pode-se afirmar que os submarinos alemães colocaram o Brasil na Guerra, e na mesma linha, podemos sugerir que os aviões japoneses em Pearl Harbor nos facilitaram a industrialização e a modernização de nossas forças armadas. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial foi importante para a modernização do Estado nacional, que a partir do projeto de Vargas, elevou todos os índices sociais e permitiu ao Brasil figurar dentre as grandes nações. A interrupção abrupta desse projeto por uma série de golpes que foram justamente uma antítese à Revolução de 1930 inviabilizou o surgimento de um Brasil de “primeiro mundo”, tornando o país um servo da Guerra Fria.
Entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial é documentada pela mídia Estados Unidos (em inglês)
Repórter Esso – Brasil entra na Segunda Guerra
Trecho do discurso de Getúlio Vargas aos pracinhas da FEB.
FEB na Itália – Arquivo Nacional
A vitória na Itália começa com a rendição alemã aos brasileiros em Fornovo di Taro – TV Estadão
“Estrada 47” (2015), dirigido por Vicente Ferraz.
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