“Seoul Station”: os mortos-vivos e outros demônios que residem na “aura” humana

Seoul Station”, animação que precedeu o filme “Invasão Zumbi”, assim como este sucesso de bilheteria e crítica, também traz uma mensagem política e social, escondida atrás de zumbis que atacam pessoas sadias, sedentos por carne humana. Contudo, neste caso, o diretor Yeon Sang-ho expõe de forma mais direta e profunda a sua reflexão crítica, do que em sua obra live-action, já que nela não há explicação para o surto epidêmico, a exemplo de um erro laboratorial, de uma empresa qualquer, que provoca a criação de um vírus capaz de transformar humanos em mortos que andam. Não, nesta estória, a causa para o tal “vírus” mortal é a capacidade autodestrutiva humana, pura e simplesmente.

Há uma crítica direta à Coreia do Sul e seu sistema político em que o chamado Estado de Bem-Estar Social, de acordo com o autor, ainda se encontra longe do ideal. Pode-se citar a falta de previdência social pública do país, em que diversos idosos, sem família, acabam tendo de viver nas ruas, ou até o famoso caso das avós que recorrem à prostituição para sustentar seus netos. Contudo, Yeon Sang-ho não fica apenas nesta crítica, o mais interessante é sua ideia de que este sistema acaba por criar uma competição predatória entre os indivíduos, desprovendo-os de sua humanidade, tornando-os meros produtos e serviços a serem consumidos. Não há o viver em comunidade, as famílias estão destruídas, restando apenas pessoas mortas que devoram umas as outras.

Na estação de trem de Seul, onde há vários sem-tetos da terceira idade, um senhor parece estar sofrendo de uma grave doença, seu amigo tenta buscar socorro, mas é ignorado por todos a quem tenta pedir ajuda. Ao mesmo tempo, a jovem Hye-sun (dublada por Shim Eun-kyung), que fugiu de casa, é usada pelo namorado, um inútil completo, Ki-woong (dublado por Lee Joon), que tira fotos dela e posta na internet, promovendo programas falsos com homens, no intuito de roubá-los, ou extorqui-los. Hye-sun ao perceber as reais intenções do companheiro, rompe com ele e foge, deparando-se com o caos da capital que virou m verdadeiro apocalipse zumbi. Seu pai Suk-gyu (dublado por Seung-yong Ryoo), com o auxílio de Ki-woong, vai em busca da filha. Diversos acontecimentos ocorrem, levando a um desfecho inesperado, em especial sobre a relação pai e filha, outro grande contraste com “Invasão Zumbi”.

O estilo estético da obra está mais voltado para o realismo, entrando em consonância com a crítica político-social. Conforme a jornalista Clarence Tsui, em sua crítica para o “Hollywood Reporter”, tal vertente artística segue o da banda desenhada europeia, uma vertente de animação bastante política, cujos enredos e temáticas buscam abordar o contexto e o quotidiano da vida real. A banda desenhada é uma forma artística proveniente das famosas revistas em quadrinho, que conjugam texto e imagens, a fim de narrar histórias dos mais variados gêneros e estilos. Somado a isso, como Tsui também salienta, a exemplo de seus trabalhos anteriores “O Rei dos Porcos” e “Fake”, Yeon em “Seoul Station”: “concorda com as tradições criadas pelos filmes de zumbis subversivos e ásperos de George A. Romero, já que Yeon molda o sangue e o grotesco em metáforas sociais reconhecidamente subestimadas sobre desesperança e alienação em uma sociedade cheia de desigualdade”.

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A representação das autoridades governamentais é outro ponto a ser destacado. Soldados utilizam de medidas extremas para conter tanto humanos, como mortos-vivos, em uma clara analogia a maneira como o Estado, regulado por pessoas que objetivam apenas manterem-se no poder, não consegue distinguir um grupo do outro, concluindo serem todos rebeldes e insurgentes. Estes donos do poder, por sinal, são pessoas que não têm um rosto, sendo desconhecidas do grande público. Uma característica bastante presente nos filmes do diretor e de outros autores do cinema sul-coreano. O resultado é uma repressão tal que apenas levará ao avanço da “doença” e, consequentemente, o colapso total. Mais uma vez, é possível encontrar outra diferença desta obra com “Invasão Zumbi”. Nesta última, as autoridades parecem ao final estarem mais conscientes do problema. Simbólica em todos os seus sentidos, esta animação é uma espécie de revolta do homem contra si, e vale o tempo do espectador que dificilmente irá aborrecer-se com um roteiro repleto de reviravoltas, críticas e adrenalina.

Fonte: Texto originalmente publicado no site do Koreapost
Link direto: http://www.koreapost.com.br/colunas/cine-coreia/seoul-station-os-mortos-vivos-e-outros-demonios-que-residem-na-aura-humana/

Título: Seoul Station
Título em coreano: 서울역 (Seoulyeok)
País: Coreia do Sul
Direção: Yeon Sang-Ho
Roteiristas: Yeon Sang-Ho
Duração: 1h32min
Lançamento: 5 de abril de 2016
Idioma: coreano
Legendas: Inglês 

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por Anders Noren

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