No dia 14 de novembro de 2018, foi promulgado o novo acordo de coprodução cinematográfica entre o Brasil e a Itália. Até então, o texto que estabelecia as regras para a realização de um filme entre produtores dos dois países era aquele de 1970, o qual obrigava o produtor minoritário a deter ao menos 30% das responsabilidades financeiras e criativas da obra. O novo acordo modernizou a proporção entre os participantes da realização de um filme, mas isso não foi suficiente para torná-lo plenamente compatível com a realidade do século XXI.
Pelo novo documento, o coprodutor majoritário tem um teto de até 80% e o minoritário agora pode deter somente 20% da obra para que ela seja considerada nacional em seu país. Em alguns casos excepcionais, essa porcentagem pode ser ainda menor, com apenas 10% de participação. Em tese, isso significa que a parceria entre brasileiros e italianos tornou-se mais viável. Ou seja, com menos aportes financeiros e uma equipe técnica e criativa mais enxuta, o produtor de um dos dois países poderá entrar oficialmente na aventura da coprodução.

Para os brasileiros, é especialmente importante que o filme possa ser considerado italiano e europeu sem que o produtor italiano tenha que arcar com uma quantidade muito grande de dinheiro. A abertura dessa porta europeia poderá resultar em uma entrada mais fluida no mercado exibidor italiano e europeu, e, até mesmo, em uma eventual seleção do longa-metragem no Festival de Veneza – um dos três mais importantes do mundo e que prioriza filmes italianos nas suas mostras competitivas e paralelas historicamente.
A grande ausência, contudo, na modernização do acordo fica clara já no primeiro artigo do texto. Ao contrário dos acordos que recentemente foram ratificados pelo Brasil – buscando atualizá-los para as necessidades políticas, culturais e tecnológicas do campo cinematográfico nos anos 2000 –, o texto não inclui as obras audiovisuais e mantém apenas as cinematográficas abrigadas na legislação.

Em outras palavras, somente filmes de longa-metragem são passíveis de serem coproduzidos por brasileiros e italianos, e eles devem ser destinados primeiro às salas de cinema e, em um segundo momento, para a exploração em “videocassete, videodisco, DVD, na televisão ou qualquer outra forma de distribuição”.
Ou seja, obras audiovisuais que estão sendo produzidas, cada vez mais, para a televisão ou para as plataformas de vídeo sob demanda (VOD) estão totalmente excluídas do novo acordo. Os novos acordos que foram ratificados recentemente com outros países, como o do Canadá e o da França (que ainda aguarda promulgação oficial), já preveem essa modernização e ampliam o conceito de obra audiovisual e o seu consumo.

Essa ausência encontrada no novo texto Brasil-Itália pode ser explicada por duas hipóteses.
A primeira delas é com relação à tramitação no Brasil. Após a redação do novo texto e a assinatura das autoridades competentes, o documento precisa tramitar no Congresso Nacional brasileiro para, só depois disso, ser promulgado pelo presidente da República. Na prática, isso leva muitos anos para acontecer, o que acaba desatualizando o texto inicial e chegando ultrapassado às necessidades do setor no momento da sua aprovação final. O novo documento foi assinado pelo Brasil e pela Itália no dia 23 de outubro de 2008, e só foi finalmente promulgado em 14 de novembro de 2018, dez anos depois. E dez anos para o setor cinematográfico e audiovisual é um período tão longo que a tentativa de “modernização” do acordo chegou tarde demais. Explicando melhor, o novo acordo já renasce obsoleto e sem atender às novas demandas tecnológicas de produção e consumo.
A segunda hipótese é que, não raro, as autoridades cinematográficas europeias apresentam forte resistência para incluir o audiovisual nos acordos de coprodução. Em parte porque isso não é praxe na renovação dos documentos, mas em muitos casos é porque eles temem ampliar demasiadamente o mercado de produção audiovisual para os estrangeiros. Além disso, a cota de tela para a televisão e o VOD é regida por uma diretiva europeia que eles devem respeitar. Para alterar documentos oficiais com países de fora do bloco, é preciso consultar as autoridades locais competentes e isso demanda uma burocracia muito maior.
O texto do novo acordo já está disponível neste link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9563.htm
Entrevista com Vicente Ferraz, diretor de “A Estrada 47” (2013). O filme anteriormente tinha o título “A Montanha”.
“Estômago” (2008), dirigido por Marcos Jorge.
“Terra Vermelha” (2008), dirigido por Marco Bechis.
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