
Até os cisnes do Palácio do Itamaraty sabem que o diplomata Ernesto Araújo foi escolhido como Ministro das Relações Exteriores pelo presidente Jair Bolsonaro por ser conservador e reacionário e por ser tolo o bastante para proferir sandices sem qualquer constrangimento. Com uma retórica confusa e um anticomunismo tardio, Araújo reproduz elucubrações sem o menor arcabouço conceitual, como se a pasta das Relações Internacionais do quinto maior país do mundo em extensão territorial e a oitava economia do mundo, fosse uma reunião do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Visto como uma figura caricata pelos seus pares e tacanho pelos estudiosos da matéria, Araújo tem uma única missão, que vai além de propagar devaneios ideológicos, a de alinhar de forma subalterna a política internacional do Brasil, servindo totalmente aos interesses da Casa Branca na América Latina. As tolices que o novo ministro vem propagando são apenas o pano de fundo de um plano maior, que visa enfraquecer as relações brasileiras com o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A fim de prejudicar Rússia e China no primeiro plano, e Cuba e Venezuela em segundo, tornando o Brasil um párea entre os irmãos latino-americanos.

Ao afirmar que pretende “libertar o Itamaraty de ideologias perversas”, aponta na verdade para a intensão de destruir o paradigma de independência, vivacidade e equilíbrio que são as marcas da diplomacia nacional a mais de 100 anos. Não à toa que a diplomacia brasileira, independente da coloração dos governos brasileiros, tem grande respaldo no meio diplomático e forte influência nos organismos geridos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Isso é fruto da participação brasileira em duas Guerras Mundiais, várias missões de paz e a constituição de um excelente corpo técnico que representa o Estado brasileiro com muita assertividade, em vários fóruns internacionais.
Ao falar que sua missão como chanceler brasileiro será de combater o “globalismo” e o “marxismo cultural”, coisa que só existe na cabeça daqueles que não conhecem as obras de Karl Marx, Araújo transforma-se em um texano eleitor de Donald Trump. Ao respaldar a tolice dos neopentecostais que fazem de Israel a Disneylândia de seus fieis, por isso querem levar a embaixada brasileira de Israel para Jerusalém, transformar-se em um simples obreiro da Igreja Universal. Ao apoiar a ideia de isentar estadunidenses e canadenses de vistos de entrada no Brasil sem exigir reciprocidade, Araújo traveste-se de guia de turismo dos gringos.

A total falta de um projeto de desenvolvimento para a pasta e a vergonhosa submissão aos Estados Unidos, nos leva a questionar como Araújo tornou-se diplomata em uma das escolas mais vigorosas do mundo de Relações Internacionais que é o Instituto Rio Branco e o próprio Itamaraty? O que pretende a diplomacia brasileira em alinhar-se a xenofobia dos governos poloneses, húngaro e italiano, esses países são exemplo de que na atualidade? Ao refutar os acordos sobre imigração, o Brasil prepara-se para qual onda imigratória? Com o maior desemprego de nossa história e o crescimento acelerado da miséria e da violência, o Itamaraty espera receber quantos milhões de imigrantes? Para além dos ricos, brancos e cristãos do Norte, que pensam em lucrar com o entreguismo do governo Bolsonaro, o Brasil não será atraente para ninguém.
Ao se colocar como voluntário para possíveis ações contra Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia, o Itamaraty quebra uma tradição centenária de não intervenção, de respeito a Autodeterminação dos Povos e de solidariedade continental. Nem mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, quando Chile e Argentina negaram-se a romper relações com o Eixo (Alemanha Nazista, Itália Fascista e Japão Imperial) e tiveram uma postura ambígua, o Itamaraty permitiu que os anglo-estadunidenses valessem-se do alinhamento brasileiro para pressionar os seus vizinhos.
Definitivamente o ministro Ernesto Araújo não conhece a importância do seu cargo, pois ao invés das loucuras do Olavo de Carvalho, o “Olavinho”, e das palhaçadas do Silas Malafaia, Ernesto Araújo deveria estar a debruçar-se para entender o legado deixado por Barão do Rio Branco, Oswaldo Aranha, Ítalo Zappa, Celso Amorim, entre outros para poder entender o papel que deve desempenhar um Chanceler brasileiro, não se colocando como instrumento voluntário dos interesses de Washington. O que é bom para os EUA, não é bom para o Brasil.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, o embaixador estadunidense em Madri procurou o embaixador brasileiro naquela cidade Mário de Pimental Brandão, para solicitar que o mesmo, sendo decano entre os diplomatas, exercesse uma espécie de “fiscalização” entre as representações diplomáticas latino-americanas. Para tanto deveria acompanhar a emissão de passaportes e vistos dos demais países, a fim de localizar possíveis nazistas em fuga para o continente americano. Ao consultar o Itamaraty, o embaixador Brandão recebeu a seguinte resposta do Ministro da Relações Exteriores Pedro Leão Veloso:
“O encargo que lhe pede o embaixador dos Estados Unidos oferece inconvenientes vários entre os quais o de suscitar conflitos entre o embaixador do Brasil e seus colegas latino-americanos que não aceitariam de boa mente a espécie de subordinação que se pretende à sua autoridade. A próxima saída de vossa excelência de Madri seria uma boa razão para esquivar-se daquela incumbência, que o novo embaixador também não poderia aceitar, visto ainda desconhecer o meio e por não ser decano”. Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1945, arquivo histórico do Itamaraty.
Ernesto Araújo não é decano, mas quer ser X-9!
Nesta entrevista Celso Amorim para o Canal Mova analisa os rumos da atual política externa brasileira.
Nesta entrevista para a TV Comunitária do Rio, a jornalista e especialista em politica internacional Alessandra Scangarelli Brites fala sobre a política externa independente e os novos rumos do governo Bolsonaro para a área.
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