“Adeus, minha concubina”: a China em transformação e as suas implicações para a vida e a arte

“Adeus, minha concubina”, Leslie Cheung (E) e Zhang Fengyi (D), 1993. Crédito: Dickinson Blogs – Dickinson College.

Mais do que um período histórico de embates ideológicos, o século XX caracterizou-se pela derrota total das aristocracias em todo o globo e de suas estruturas sociais, econômicas e políticas. Por fim, aos que não nasceram com sangue nobre, mas conquistaram poder através do acúmulo de capital, foi finalmente atingida a meta de comandar o sistema político-econômico internacional.

Contudo, não se contava nesta mesma época que os humanos pertencentes aos estratos mais inferiores da pirâmide social, os trabalhadores, surgissem com o objetivo não apenas de contestar o poder aristocrata, mas, principalmente, o burguês, e derrotá-los de uma vez por todas, implementando um novo modelo, em que a divisão de poder entre classes não existisse mais. Tanto o Ocidente, quanto o Oriente experienciaram este momento histórico, cada um com suas características particulares. Um país que talvez seja símbolo desta época é a República Popular da China.

“Adeus, minha concubina”. Crédito: IMDb.

Após vivenciar a ascensão e o declínio de diferentes dinastias imperiais, ser invadida e ter seu território dividido pelas forças aristocráticas e burguesas ocidentais e japonesas, em conluio com uma classe de senhores da guerra e uma elite bastante individualista, os chineses continentais responderam a estes desafios com a Revolução Chinesa, de teor ideológico socialista, em 1949. Sob o comando de Mao-Tse-Tung, conseguiram expulsar os invasores estrangeiros e isolar esta elite chinesa nas ilhas que constituem parte do território chinês, e nas últimas décadas Pequim vem tentando reinstituí-las ao todo nacional.

As transformações impulsionadas pela revolução, como todo evento histórico-social do tipo, são iminentemente violentas e cheias de contradições que aferem resultados bons e ruins. É neste contexto que o filme “Adeus, minha concubina”, dirigido por Chen Kaige e lançado em 1º de janeiro de 1993, indicado a dois Oscar – de Melhor Filme Estrangeiro e Fotografia – explora o seu enredo sobre os jovens artistas Cheng Dieyi e Duan Xiaolou, interpretados por dois dos maiores nomes da atuação chinesa, Leslie Cheung e Fengyi Zhang.

Cena de “Adeus, minha concubina”. Crédito: IMDb.

Estes filhos da classe menos favorecida, abandonados à própria sorte, encontram no mundo da ópera chinesa uma oportunidade de transformar suas vidas, levando à dedicação de seus esforços a níveis extremos que, no caso de Cheng, chegam a um completo rompimento entre a fronteira do mundo real e da arte dramática. Apenas recentemente às mulheres é permitido que tenham papéis nas centenárias óperas, que desde os tempos dos imperadores eram destinadas apenas aos homens. Cheng interpreta figuras femininas que confrontam a liderança masculina de Duan.

Enquanto finge estar apaixonado pelo colega no palco, Cheng começa a desenvolver sentimentos românticos reais por seu parceiro de cena, que não são recíprocos. Com a chegada de Juxian, vivida pela grande atriz Gong Li, namorada de Duan, o trio mantém uma relação complicada, baseada em amor e ódio, semelhante ao mundo de turbulentas mudanças pelas quais a China passa. Esta obra clássica do cinema chinês, além de um cenário histórico bastante significativo, traz uma carga de reflexão psicológica muito pertinente sobre as alternativas que os indivíduos encontram em meio a um contexto extremamente tumultuado e que apresenta poucas alternativas aos mais sensíveis.

A grande atriz Gong Li interpreta Juxian. Crédito: IMDb.

O ativismo atual, provavelmente, diria que Cheng é um exemplo comum de personagem que acaba representando os homossexuais, em um país que ainda encontra dificuldades em aceitar inteiramente aqueles que têm orientações sexuais diversas ao da maioria. No entanto, reduzir este personagem a esta questão seria limitar em muito a complexidade que uma grande narrativa cinematográfica deseja trazer ao público.

A obsessão e paixão de Cheng pela ópera é parte de um rígido método imposto pela sua escola de interpretação, que o submeteu a verdadeiras torturas em prol da perfeição artística, fazendo com que apagasse todos os vestígios masculinos da sua personalidade. Todo este contexto demonstra como violenta e exploradora era a estrutura social para os mais humildes e como também a mente humana encontra refúgios de um mundo bastante inóspito aos mais sensíveis.

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“Adeus, minha concubina” é uma obra-prima do cinema mundial que merece a sua atenção pela estória, fotografia e interpretação. Com planos de câmera e iluminação belíssimos que incutem dramaticidade aos conflitos exteriores e interiores dos personagens, esta obra certamente é fundamental para os que começam a descobrir o cinema chinês.

Fonte: texto originalmente publicado no jornal Monitor Mercantil
Link direto: https://monitordigital.com.br/-adeus-minha-concubina-?fbclid=IwAR2WeurKLj2pzKhktwlvEAFgjydH-STTVvZX7OiU33SvYo9dfvrNPqVj4s8

Título: Adeus, minha concubina
País: China, Hong Kong
Direção: Kaige Chen
Roteiristas:  Pik Wah Lee, Wei Lu
Elenco: Leslie Cheung, Fengyi Zhang, Gong Li
Duração: 2h51min
Lançamento: 15 de outubro de 1993
Idioma: mandarim
Legendas: português, inglês

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por Anders Noren

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