O fascismo de ontem e de hoje: integralismo em perspectiva histórica

O líder integralista Plínio Salgado. Crédito: Superinteressante – Abril.com

Na imensa maioria das vezes em que vemos ser tratado o tema do fascismo na imprensa em geral, recorre-se ao exemplo clássico do fascismo europeu, nas suas variantes italiana e alemã. A um observador desatento, pareceria que no Brasil jamais se formou nenhum grupo fascista ou que ao menos não tivesse o menor destaque no cenário político da época. Pois bem, o que a História nos diz é o oposto. No Brasil, entre 1932 e 1938, houve um grupo fascista que ocupou a extrema-direita com um relativo destaque frente aos outros partidos da época: a Ação Integralista Brasileira (AIB). Esse grupo atuou na política brasileira durante a década de 1930 e por mais alguns anos, até cair em ostracismo a partir dos anos 1980, quando boa parte de suas lideranças mais importantes já havia falecido.

Mesmo que sob outras nomenclaturas e escondendo seu passado fascista, essas figuras perpassaram os anos comandando setores importantes da política nacional. Os integralistas fizeram barulho, foram combatidos por vários grupos da esquerda, protegidos pelas autoridades durante vários governos, perseguidos em outros. Ou seja, não existe um motivo razoável para seu esquecimento. Poucos seriam os exemplos de pessoas que conheceriam seu símbolo, a letra grega Sigma, mas com certeza uma infinidade de sujeitos conhece a suástica e a simbologia nazista. Enfim, este não é o espaço para detalharmos as razões para esse esquecimento.

Crédito: O Globo.

Nossa ideia nesse texto é justamente manter a memória viva para que a História não precise dar novas lições sobre os horrores do fascismo como já ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. Três autores praticamente monopolizaram o debate acerca do integralismo durante as décadas de 1970 e 1980: Hélgio Trindade, José Chasin e Marilena Chauí. Partindo de diferentes perspectivas e métodos, os três embasaram qualquer estudo sério que se propusesse a ser feito sobre os integralistas. Uma segunda geração de historiadores, com destaque para Ricardo Benzaquem de Araújo, Gilberto Vasconcellos e Renné Gertz ampliaram o debate sobre o integralismo com o cruzamento de maiores fontes e novas abordagens sobre o tema.

Ainda que com uma enorme carência de trabalhos, os integralistas foram ganhando espaço na produção acadêmica, o que se ampliou exponencialmente com o início do século XXI e mantém-se em uma curva ascendente até os dias de hoje. Cada vez mais, a direita passava a ser estudada e perdia-se pouco a pouco a ideia de que aqueles que estudavam o fascismo compactuavam com suas premissas. Abria-se o caminho para o aprofundamento do debate, que foi impulsionado pela expansão no número de vagas nas universidades e a profusão de monografias gerada nos anos de governo do Partido dos Trabalhadores.

Plínio Salgado terceiro da esquerda para a direita. Crédito: Diário Causa Operária.

Estudos sobre o movimento a nível regional, recortes com base nas faixas etárias, em raças, estudos sobre a imprensa integralista, enfim, uma infinidade de propostas que aos poucos vêm diminuindo a distância que existia até então com relação à atenção dada aos grupos de esquerda, seja durante o período varguista, seja durante a ditadura militar, onde vários antigos integralistas atuaram como importantes lideranças. Liderados por um escritor paulista que atuou na parte mais nacionalista do movimento modernista década de 1920, Plínio Salgado, os integralistas formavam suas fileiras nos mais variados grupos sociais, mas com uma certa preponderância das camadas médias urbanas, como profissionais liberais, funcionários públicos e estudantes.

Havia obviamente a presença de outros grupos sociais como operários, trabalhadores rurais e empresários, mas sua ligação mais forte era com as classes médias que viam os canais de participação política serem ampliados para os trabalhadores sindicalizados, mas não percebiam a mesma atenção dada pelo governo varguista. A temática do retorno a um passado mítico, onde os costumes estrangeiros não haviam penetrado na sociedade brasileira, um passado onde a pureza virginal da terra estava intocada eram alguns dos principais pilares do pensamento integralista. Seu nacionalismo carregava uma contradição inerente a esses movimentos: claramente inspirados em movimentos europeus, viviam em um eterno dilema entre assumir a inspiração italiana e alemã e angariar prestígio, ou negar sua origem e assumir-se como um movimento original, que era muitas vezes quase que uma cópia perfeita das manifestações europeias.

Salgado não lidava bem com essa questão, sendo sua bibliografia repleta de idas e vindas de acordo com o contexto de cada momento. Em passagens de prestígio alemão ou italiano, a aproximação, em momentos de críticas às ditaduras, o distanciamento. A ideologia integralista possui algumas características gerais que permitem nossa aproximação com o conceito de fascismo: o reacionarismo, o nacionalismo, o anticomunismo, as críticas ao liberalismo. Esses são elementos comuns a todos os movimentos fascistas da época.

Plínio Salgado não desenvolveu o movimento de forma solitária. Outras lideranças dividiram com ele a responsabilidade de guia, embora sua chefia não pudesse ser questionada, tendo inclusive previsão regimental para tal proibição. Dentre os mais destacados estão Miguel Reale e Gustavo Barroso. Reale – pai de Miguel Reale Júnior, um dos autores do requerimento de impedimento da presidenta Dilma Roussef – era um jovem advogado quando começou a militar junto de Salgado e preocupava-se bastante com questões relativas ao futuro “Estado Integral”.

Foi ele o principal sistematizador da organização estatal para ser aplicada em caso de vitória da “Revolução Integralista”. Gustavo Barroso, que foi membro da Academia Brasileira de Letras e diretor do Museu Histórico Nacional, ficou conhecido pela sua obsessão antissemita e suas teorias da conspiração que colocavam judeus, comunistas e capitalistas todos como  membros de uma conspiração mundial para dominação da civilização cristã. Seu profundo antissemitismo acabou por ofuscar essa característica nos outros líderes integralistas, que quase nunca são lembrados por essa questão, mas que não deixavam de atacar os judeus, ou a “finança internacional” como chamavam, em suas obras.

Esses pensadores sistematizaram e irradiaram suas ideias através de uma forte rede de imprensa, que contemplava jornais, revistas, livros e até uma produtora de filmes. Através de uma rígida distribuição de informações e notícias, a ideia principal dos integralistas era de que a palavra das lideranças chegasse até o mais distante dos correligionários. Com uma divisão clara entre o conhecimento produzido para as “elites intelectuais” e o que deveria chegar ao grande público, o integralismo seccionava sua propaganda em livros – para os letrados – e jornais, revistas e filmes para a população mais carente e de pouca instrução. O caráter elitista do movimento fica evidente.

Capa de um jornal operário relatando conflitos entre integralistas e antifascistas. Crédito: Fundação Maurício Grabois

O momento de maior destaque para o movimento integralista foram os anos de 1935 a 1937, onde a reboque da onda anticomunista que se iniciou a partir da Revolta Comunista de 1935, a AIB ganhou notoriedade por ser um grupo de um anticomunismo virulento, o que acabou rendendo-lhe frutos políticos e adesões de pessoas apavoradas pelo “perigo vermelho” estampado nas páginas da grande imprensa, em conluio com o regime varguista. Sua trajetória ascendente termina em 1937, quando todos os partidos políticos são banidos no país, sendo os integralistas obrigados a modificarem o nome de seu grupo para Associação Brasileira de Cultura (ABC) e funcionar como uma entidade voltada para questões sociais e de assistência médica, até ser extinta definitivamente em 1938.

Entretanto, apesar de não possuir mais a nomenclatura de AIB, os integralistas permaneceram atuando na política brasileira, principalmente durante o período de redemocratização, entre 1945 e 1964, pelo Partido de Representação Popular (PRP) e posteriormente migrando em massa para o partido de situação da Ditadura Militar, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Atualmente, o integralismo não possui uma relevância política grande, embora suas principais características estejam cada vez mais presentes no cenário nacional. Apesar da derrota do movimento enquanto grupo organizado, suas ideias permanecem ativas e atraentes para boa parte dos brasileiros, principalmente aqueles que se sentem desiludidos e descontentes com a chamada “velha política”, recorrendo a soluções que se apresentam como novidades, mas que carregam preconceitos que remontam a séculos.

Obra seminal de Eduardo Maffei, pesquisador que participou ativamente da luta contra o fascismo. Crédito: Traça Livraria e Sebo.

Ao observarmos o noticiário de qualquer órgão da chamada grande imprensa, podemos perceber como muitos elementos do fascismo voltaram a fazer parte de nosso cotidiano: o anticomunismo visceral, o apelo a um passado mítico onde não existiam problemas, o apelo à violência como purificadora da prática política, o desejo do fim da democracia liberal e sua substituição por um regime de exceção, o culto a uma personalidade que se apresenta como alguém que não faz o jogo da política tradicional, enfim, uma série de elementos que são resgatados e moldados para a atualidade, mas que fizeram parte de nosso cotidiano durante muitas décadas.

Esse messianismo, por mais que fosse criticado por Salgado, era muito presente em seu movimento, que o apresentava como liderança máxima e inquestionável, portador de uma mítica capacidade de transformar a realidade brasileira e de interpretar os anseios da população “esquecida” pelos políticos tradicionais. Essa e outras contradições eram evidentes e são recicladas com naturalidade hoje. O nacionalismo que admirava sem restrições países considerados exemplos de sucesso, as escolhas ideológicas apresentadas como sendo feitas pelo interesse da nação, todos elementos que qualquer olhar minimamente atento percebe na fala de lideranças da extrema-direita brasileira.

Crédito: fichacorrida.files.wordpress.com

O momento de crise econômica, o esgarçamento do tecido social, a histeria frente a um perigo externo que se alia a agentes internos, são elementos do contexto que servem para facilitar a aceitação de discursos com soluções fáceis e autoritárias, onde boa parte da sociedade brasileira não faz cerimônia em admitir que abrem mão de seus direitos democráticos em troca de uma suposta solução rápida e simples de seus problemas. Principalmente se esta for prometida com violência e sadismo contra o que considera a fonte de todo o mal em suas vidas. A ascensão desse ideário autoritário não é novidade para o Brasil, e assim não deve ser tratado, pois a História já mostrou as consequências do mesmo e também as possíveis formas de combatê-lo.

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por Anders Noren

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