Como o cristianismo conservador tenta barrar o desenvolvimento social na Coreia do Sul

Ativistas anti-imigração participam de um protesto contra um grupo de solicitantes de asilo do Iêmen. Crédito: ED JONES/AFP/Getty Image/Foreign Policy

No mês de abril de 2019, a Coreia do Sul avançou em termos sociais e liberou a descriminalização do aborto. No dia 11 de abril, o Tribunal Constitucional da Coreia declarou a inconstitucionalidade da proibição do aborto e cancelou uma lei de 1953 que proibia o ato. Contudo, a vitória sofreu a oposição da bancada evangélica da Coreia: um grupo de conservadores tem queixado-se e armado protestos contra quaisquer lutas sociais das minorias.

Eles reúnem contestações e interesses compartilhados sob a bandeira do cristianismo, culpando a luta de minorias para justificar sua sobrevivência. Essa parcela da sociedade é – com orgulho declarado – anti-LGBT, antiaborto, anti-refugiados, anti-islâmico, antifeministas, antidireitos-humanos, oposição a qualquer luta humanitária e desenvolvimento de uma sociedade  igualitária.

Manifestantes cristãos contra projetos pró abortos na Coreia do Sul Crédito:@koryodynasty

Atualmente, a Coreia do Sul possui certa pluralidade religiosa, principalmente em sua capital, Seul.  Existe um numero notável de praticantes do xamanismo, budismo, catolicismo e de outras vertentes do cristianismo, entre outros cultos, mantendo certa presença cultural entre os coreanos. A não presença de uma religião dominante, somado a filosofia de que “a obtenção de riqueza, posição e honra” é de extrema importância, possibilita que algumas religiões sejam mais bem-sucedidas do que outras.

Portanto, a disputa religiosa é notável, sendo a Coreia do Sul bastante semelhantes a maioria dos países, onde essas instituições religiosas são isentas de impostos, possibilitando a pastores e mestres religiosos acumularem uma riqueza considerável. Além de incitar uma lógica muito controversa entre os fiéis de que um cristão pobre, não é um bom cristão, o que significa dizer que fiéis com mais dinheiro podem doar e influenciar a igreja.

A igreja cristã evangélica cresceu assombrosamente a partir da década de 1960, no final dos anos 1980. Período em que os coreanos ainda estavam sob o regime político de uma ditadura militar. Nesta época, o processo de urbanização minou costumes tradicionais. Isso se deu em parte através das influências culturais e econômicas estadunidenses, que sutilmente se mesclavam com as tradições coreanas, resultando em um novo espirito nacionalista, em que a fé tinha um papel aderente. Desta forma, a corrente e instituição religiosa mais influente e rica acabou por ter destaque permanente para o governo se,  claro, acompanhasse os dogmas do capitalismo e da burguesia.

Manifestantes cristãos contra “fé fake” “direitos humanos fake” – Seul, Coreia do Sul Crédito:@koryodynasty

Foi com esse destaque que no fim do século XX , o evangelismo coreano passou por outra fase de desenvolvimento, abraçando de vez áreas da sociedade, politica e economia. Assim, a religião cristã assimilou uma parcela importante desta sociedade, que as outras religiões jamais conseguiram na Coreia. Deste modo, a bancada cristã coreana define os inimigos da nação.

Fazendo uso lógico de argumentos que se enquadram à comunidade gay ou feministas, como por exemplo, feministas que são a favor do aborto geram um colapso da família tradicional e isso, simultaneamente, leva a Coreia do Sul para um colapso maior, possibilitando a Coreia do Norte tomar vantagem de uma suposta fragilidade e “atacar”. Desta forma, o comunismo foi utilizado como justificativa para a Coreia do Sul corromper toda luta nacional com relação a estas questões, desde os anos 1960. Inclusive o comunismo e o delírio de que a Coreia do Norte possa tomar conta da nação do sul é a base de argumentos que são usados para que as politicas públicas voltadas a tais temas não se desenvolvam.

Manifestante cristão contra o Presidente Moon Jae In, – Seul, Coreia do Sul Crédito: @koryodynasty

Nesta mesma linha, a bancada também é contra os objetores de consciência, (pessoas que seguem princípios religiosos, morais ou éticos de sua consciência, sendo estes incompatíveis com o serviço militar, ou as Forças Armadas de combate). Assim, se os sul-coreanos não se alistarem ao exército, o país tornar-se-á fraco, e a Coréia do Norte prevalecerá. O grupo é contra a “falsa paz”, os “falsos direitos humanos” (direitos humanos devem ser para humanos direitos), os objetores de consciência, a promulgação da lei antidiscriminação, as religiões falsas também.

Com tantas queixas que atingem até o presidente Moon Jae-in e seus diálogos com a Coreia do Norte. Na verdade há quem diga que o presidente Moon é um espião comunista que usa de seu poder não para aproximar as duas Coreias, mas sim, finalmente transformar o sul em um anexo da Coreia do Norte.

Cartazes com mensagens anti-islã e antirrefugiados de manifestantes cristãos – Seul, Coreia do Sul Crédito: @koryodynasty

A situação já preocupante, piora, quando se soma o ódio aos mulçumanos. A presença destes na Coreia ameaça as fundações da igreja cristã. Manifestações exigindo a retirada de refugiados mulçumanos do país acontecem desde 2017 com cartazes, obtendo os seguintes dizeres: “Refugiados islâmicos SAIAM! Igreja coreana, DESPERTE!”. Se já não bastasse, existe um Canal de TV Cristã, com transmissão direta, que propagam essas tais ameaças aos valores morais conservadores a toda sociedade sul-coreana. Manchetes como: “fique atento ao movimento contra a agenda anti-Islã” ou “A igreja coreana deve responder às questões sociais que agitam os valores cristãos […] é preciso lutar contra o aborto e a homossexualidade, para que não haja um colapso como na Europa.”

Certamente, o ataque a estudantes não ficaria de fora. A bancada evangélica manifesta-se em oposição a qualquer protesto do Grupo de Estudantes pelos Direitos Humanos, afirmando o desprezo por qualquer causa humanitária, ou  respeito pelos direitos humanos. Com isso, é comum que em todas as manifestações das minorias, estudantes, ou feministas encontrem no caminho a bancada evangélica fazendo protestos contra aquelas demandas.

Embora haja pluralização religiosa na Coreia do Sul, a igreja cristã é a mais forte e influente no século XXI, e sem descanso, espalham suas palavras, teorias e fake-news (que sim existem por lá também). As conversões aumentam relativamente, pois o argumento de que é preciso ‘salvar a essência natural coreana’ ainda dança em harmonia com grande parcela da população, principalmente de famílias tradicionais que buscam uma fé similar ao confucionismo.

“Amor sempre vence”. Dentre os argumentos de que a sociedade estará salva graças ao amor verdadeiro – apenas dentro dos dogmas da bancada cristã. Crédito: @koryodynasty

Uma das táticas usada pela comunidade é justamente reivindicar mais “amor e respeito a vida”, como forma de seduzir cidadãos com discursos que, por essência, vão estar cheios de preconceito, apontando os ‘males da sociedade’ citados acima no texto. A argumentação da bancada mascara-se atrás de uma narrativa de defesa à vida, agarrando-se aos fatos como quedas acentuadas da natalidade coreana (novamente culpando o feminismo), mas apenas é uma desculpa para destilar o ódio e o preconceito.

Apesar de terem sido vencidos em abril com a regulamentação do aborto, a bancada não se da por vencida, ou silenciada. Persistência e recursos são as principais características desse grupo. Segue, portanto, uma comunidade que não deve ser ignorada tanto pelo governo, quanto pela sociedade, ou essa onda vai se intensificar (como acontece em tantos outros países no ocidente) e interromper os progressos sociais da Coreia do Sul.

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por Anders Noren

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