A atualidade assustadora do curta-metragem “Memória”

Crédito: reprodução de frame do curta Memória.

Sabia que restos de película, ou mesmo cópias inteiras – principalmente de filmes censurados na ditadura – eram utilizados como matéria-prima para a fabricação de vassouras? Fui saber dia desses, quando em Curitiba, em palestra no Museu da Imagem e do Som, o cineasta José Pizzini exibiu para atenta e curiosa plateia o curta-metragem “Memória”, de Roberto Henkin (com roteiro também assinado por Jorge Furtado).

É um curta-metragem de 1990, vésperas da posse de Fernando Collor de Mello, o candidato que derrotara em dezembro de 1989 o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, na primeira eleição para presidente da República em 29 anos. Como? Com apoio da mídia e retórica de suposta moralização. “Acabar com a corrupção”, “acabar com a mamata dos marajás”, “impedir a ameaça comunista”, “nossa bandeira nunca será vermelha” compunham o discurso.

Tudo isso está no curta. Parece-lhe atual? À plateia também. Plateia que se mantinha boquiaberta com a contemporaneidade da obra quando o filme relembrou que quase 30 anos antes daquele Collor uma outra figura, ainda mais caricata, chegava ao Palácio do Planalto pelo voto. Era Jânio Quadros. Com a mesma conversa mole. Iria “varrer a corrupção”, “a imoralidade” “que atenta contra os valores da família”. Soa ou não soa atualíssimo?

A vassoura foi a protagonista daquela campanha de 1960. A vassoura, feita com películas, para varrer, ela tinha varrido memórias audiovisuais. A vassoura, que para varrer aproveita-se de memórias varridas. A memória varrida que garante sobrevida aos vassoureiros. Antes Jânio, 60 anos atrás; depois Collor, há 30 anos, e hoje você sabe bem quem.

O curta-metragem, premiado várias vezes, é um primor. A narrativa, híbrida entre documentário e ficcional, tem como personagem central uma mulher cega, operária de uma fábrica de vassoura, e amante do cinema. Fica o convite para assistir:

 

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por Anders Noren

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