Escritores sul-coreanos e brasileiros destacam a necessidade de traduzir mais obras para o público

Da esquerda para a direita: os escritores sul-coreanos Kang Byoung Yoong, Park Min Gyu, Kim Ki Taek, a tradutora e professora da USP Yun Jung Im, a editora Christine Ajuz, os escritores brasileiros Adriano Espínola, Godofredo de Oliveira Neto e Evando Nascimento. Crédito: Mariana S. Brites/Revista Intertelas.

Pouco ainda no Brasil é conhecido sobre a Ásia e, em especial, sobre parceiros estratégicos deste continente. Ainda limitado a uma visão bastante eurocêntrica, a sociedade brasileira apenas atualmente, e de forma bastante tímida, começa a querer ter contato com a cultura e toda a produção cultural em suas diversas áreas de países como China, Rússia, Índia e Coreia.

Atualmente, a Coreia do Sul tornou-se o segundo maior parceiro comercial do Brasil na Ásia, com um montante US$6 bilhões de investimento alocados no mercado brasileiro, principalmente em setores eletrônico, automobilístico, petrolífero e siderúrgico. Ao levar em conta que o continente asiático vem aos poucos ganhando mais notoriedade tanto econômica, quanto politicamente se faz de suma importância que os setores estratégicos do país passem a conhecer melhor aqueles com quem estabelecem relações, tanto no que diz respeito a ampliar o seu conhecimento, quanto a saber no futuro melhor resguardar os próprios interesses.

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Em 2019, completam-se 60 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre Brasil e Coreia do Sul. Para marcar a data a Literature Translation Institute of Korea (LTI Korea), entidade governamental, ligada ao Ministério da Cultura, Esportes e Turismo da Coreia do Sul, responsável por promover a literatura e a cultura coreana em todo o mundo, organizou uma agenda de encontros para bate-papo com três escritores sul-coreanos no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, respectivamente.

Os autores divulgaram suas obras e debateram junto com outros escritores brasileiros questões importantes e muito em voga atualmente como literatura, nacionalismo e globalização. Tal iniciativa acaba obtendo grande importância em razão do cenário ainda a ser explorado por ambos os países. Os títulos sul-coreanos traduzidos para o português no Brasil ainda são poucos, assim como também é escassa a presença de obras brasileiras traduzidas para o coreano e disponível para o conhecimento do público daquele país.

Crédito: Mariana S. Brites/Revista Intertelas.

Em parceria com a 7Letras e a Topbooks, editoras que lançaram livros de autores coreanos traduzidos, a LTI Korea promoveu uma agenda de encontros de três escritores sul-coreanos com autores brasileiros, influenciadores digitais, blogueiros, grande imprensa e o público brasileiro. Entre uma destas oportunidades, o encontro que se deu na Livraria Travessa, no Shopping Leblon no Rio.

Os três autores além de ganharem prêmios literários na Coreia do Sul, também apresentam estilos bastantes diversos em suas formas de escrita. Kim Ki Taek, nascido em 1957, na cidade de Anyang, formado em Literatura Inglesa na Universidade Jung-Ang, com pós-graduação em Literatura Coreana (Letras) pela Universidade Kyung-Hee é autor do livro de poesias “Chiclete”, publicado pela editora 7Letras. Sua escrita explora a temática da violência em todas as suas dimensões.

 Kang Byoung Yoong, nascido em 1975 em Seul, Coreia do Sul, graduado em Literatura Inglesa e Criação Literária pela Universidade Myeong-ji, mestre e doutor em Criação Literária pela mesma universidade coreana, e em 2010, tornou-se doutor em Literatura Russa pela Universidade Nacional de Moscou escreveu o romance “Pepino de alumínio”, lançado pela Topbooks. Este trabalho que fala sobre a vida de minorias e também conta a história do maior Rock Star da União Soviética Viktor Tsoi, de origem norte-coreana.

Park Min Gyu, nascido em Ulsan, em uma pequena cidade na região sudeste da Coreia do Sul, em 1968, é bacharel pela Universidade Jung-Ang e ficcionista ainda inédito no Brasil, romancista e contista. Seu estilo muitas vezes ignora regras gramaticais e sua temática fala em grande parte da população socialmente excluída do desenvolvimento econômico que a Coreia do Sul conheceu nos últimos tempos, assim como as relações sociais bastante mercantilizadas que limitam muitos indivíduos de valores humanos essenciais para o melhor convívio em sociedade.

Na ocasião, foram convidados para participar de uma conversa os escritores brasileiros premiados: Evando Nascimento, de Camacã, Bahia, que é escritor, ensaísta, professor universitário e autor dos livros “Retrato desnatural” (Record, 2008), “Cantos do mundo” (Record, 2011), “Cantos profanos” (Globo/Biblioteca Azul 2019) e a ser publicado “A desordem das inscrições” (7Letras); Adriano Espínola, de Fortaleza, Ceará, é poeta ensaísta, contista, mestre em poética, doutor em literatura brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro da PEN Clube do Brasil e da Academia Carioca de Letras e autor de 17 livros, entre eles “Fala, favela” (Topbooks, 1998) e “O lote clandestino” (Topbooks, 2002); e Godofredo de Oliveira Neto, de Blumenau, Santa Catarina, é professor de literatura na UFRJ, também membro da PEN Clube do Brasil e da Academia Carioca de Letras e autor de 15 livros, entre eles “O bruxo do contestado”. Os três leram as obras disponibilizadas de seus colegas da Coreia e promoveram um debate sobre o cenário da literatura atual, em especial a importância da tradução e suas adaptações, no intuito de impulsionar uma aproximação destas literaturas que ainda pouco contato obtêm entre si.

“A esquipe da LTI Korea veio ao Brasil para conversar comigo sobre a possibilidade de fazer a tradução para o português do livro ‘Pepino de Alumínio’, de Kang Byoung Yoong. Eles tinham estabelecido contato com a tradutora Woo Young Sun, que é também casada com Felipe Fortuna, poeta, escritor, diplomata, crítico literário e hoje representa o Brasil na Coreia do Norte. Pela iniciativa deles, houve um acordo para patrocinar uma parte da produção do livro, além de realizar tradução. A LTI Korea fomentar workshops de tradução, em parceria com instituições acadêmicas como a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Brasília (UNB), onde apresentam departamentos especializados no estudo e na tradução de obras literárias coreanas”.

“Estas parcerias são de extrema importância e eu gostaria muito de poder ter mais projetos como estes em especial no futuro. Gostaria de lançar a obra de Park Min Gyu, que apresenta um realismo fantástico com crítica social bastante interessante. E também gostaria de ver a literatura brasileira mais presente na Coreia, onde o  público ainda tem pouco acesso. Acho que ambos países só têm a ganhar impulsionando eventos como este e promovendo suas literaturas em ambos os mercados”, explica a editora Cristine Ajuz, que mediou o debate na livraria Travessa.

A editora Christine Ajuz. Crédito: Mariana S. Brites/Revista Intertelas.

Aqui no Rio de Janeiro, os autores passaram pela Bienal Internacional do Livro, onde conversaram com jornalistas, influenciadores digitais e blogueiros. Com a colaboração de Rui Campos da Travessa foi possível estender um pouco a estadia deles no Rio. Mas apenas para vocês saberem o quão estes mercados literários ainda são pouco explorados na Bienal foi perguntado ao Kang Byoung Yoong que atualmente é professor de literatura coreana na Faculdade de Estudos Asiáticos da Universidade de Liubliana, Eslovênia, sobre o conhecimento que ele tem a respeito da literatura brasileira. Ele disse que pouco sabe, mas explicou como entrou em contato com este universo.  Ao perceber que muitos coreanos estavam visitando a cidade de Liubliana, ele resolveu perguntar a razão da escolha e muitos responderam que foi em razão do livro ‘Verônica decide morrer’, de Paulo Coelho, cuja personagem e o enredo tem vínculos com a capital da Eslovênia”, conta a editora.

Crédito: Mariana S. Brites/Revista Intertelas.

O distanciamento cultural entre os dois países também foi algo bastante salientado entre os seis autores durante a conversa. Contudo, os autores brasileiros ao lerem as passagens e poemas de seus colegas sul-coreanos fizeram questão de salientar que além de conhecer especificidades da cultura coreana, é possível através das obras destes autores acompanhar suas visões sobre temáticas bastantes universais como desigualdade social, problemas de ordem ambiental, as dificuldades que o sistema político e econômico acaba gerando na sociedade, criando relações de exploração do homem sobre ele mesmo.

Tais temáticas são bastante presentes nas obras brasileiras em geral. Sobre a questão cultural imersa nas obras literárias, o autor Evando Nascimento fez questão de comentar a forte relação que os sul-coreanos parecem ter com a sua culinária, ao mencionar um poema de Kim Ki Taek, o que, segundo ele, demonstra bem como a literatura pode ser uma forma bastante complexa e interessante de veicular a cultura.

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Em resposta Kim Ki Taek salientou: “um poeta não escreve poesia pensando que deve promover a sua cultura aos leitores de outros países. Mas também é verdade que um poeta absorve o mundo a volta e o resultado deste processo é um poema. Assim, aquilo que circunda o autor é natural que esteja incluído neste trabalho final.  Acredito que um poeta carrega sua cultura na sua obra, mas não de forma conceitual, e sim como um ser vivo que esta habita dentro do poema, como um ser biologicamente vivo que está respirando naquele cenário criativo. Desta forma, o público, através das obras literárias, entra em contato com a cultura nacional não teorizada, intelectualizada, mas vivenciada. Eu diria que os coreanos vivem um território muito diminuto, com uma alta concentração populacional. A falta de espaço físico talvez tenha obrigado a todos nós a desenvolver uma relação especial com a comida, substituindo os demais lazeres espaciais”.

Crédito: Mariana S. Brites/Revista Intertelas.

Vivendo fora da Coreia já por algum tempo, Kang Byoung Yoong diz que se interessa em grande parte por como vivem as minorias, um dos temas que circunda a sua obra “Pepino de Alumínio”. “Ainda não me ocupei inteiramente desta questão, pois ando muito centrado na minha experiência atual de viver fora da Coreia. Mas objetivo no futuro desenvolver mais este tema, refletindo sobre a questão de ser coreano e estar fora do país. Sobre Viktor Tsoi, em especial, era importante observar que se trava de um indivíduo híbrido, e talvez por isso tenha desenvolvido um estilo próprio que caiu no gosto do público de vários países que compunham a União Soviética, chegando a Coreia também”, explica o autor.

Crédito: Mariana S. Brites/Revista Intertelas.

A questão da identidade nacional coreana também é algo que o autor Park Min Gyu acredita que seu país terá de repensar nos anos seguintes. Ele que ainda não tem obras traduzidas para o português, assim como seus compatriotas, pouco sabe sobre a literatura brasileira. Contudo ele não ficou alheio a cultura do país sul-americano, pois acompanha o trabalho de músicos como Sérgio Mendes & Brasil 66, além do talento de grandes jogadores de futebol do Brasil. O autor que disponibilizou parte de seu tempo para responder exclusivamente algumas indagações da Revista Intertelas que você confere abaixo. Esta entrevista, assim como o evento, contou com a tradução da professora da USP Yun Jung Im. Ela que traduziu do coreano para o português obras como “A Vegetariana”, da autora sul-coreana Han Kang, “Contos da Tartaruga Dourada”, de Kim Si Seup e “Contos Contemporâneos Coreanos”, cuja organização também foi de sua inteira responsabilidade.

A sua obra trata muito sobre a questão do mundo capitalizado e das relações que se tornam mercantilizadas. Como você observa esta situação na sociedade coreana atual e como isso se reflete na sua obra?

Queria começar dizendo que nasci em 1968, um pouco depois da Guerra da Coreia eclodir, em uma época que o país ainda era muito pobre, obtendo índices graves de miséria, talvez um dos piores do mundo. Além disso, eu nasci no campo, onde a situação era ainda mais precária. Hoje com 50 anos, estou usando Iphone e a Coreia é o décimo país no mundo em porte econômico. Assim, vivi meus 20, 30 e 40 anos experienciando um crescimento galopante e o resultado deste processo é um mundo totalmente diferente daquele que testemunhei na minha infância. Nós ainda passamos pela divisão da península, durante a Guerra Fria.

A sociedade coreana é muito antiga e viveu por muito tempo longe da competição ideológica que obrigaria o norte e o sul a optarem pelos sistemas que concorriam diretamente dentro do cenário geopolítico do pós Segunda Guerra Mundial. Assim, a Coreia experimentou este crescimento estrondoso. Aquilo que um país em tempos normais levaria 200 anos para construir, a Coreia fez em 30 anos. Então este crescimento galopante também acabou por destruir muita coisa pelo caminho. Se em termos digamos externos alcançamos tantos feitos, internamente e individualmente muito foi retirado do cidadão para que isso possa ter ocorrido. E a minha vontade era de escrever sobre pessoas que foram excluídas e marginalizadas deste crescimento galopante.

Crédito: Mariana S. Brites/Revista Intertelas.

O jeito da sua escrita não segue necessariamente regras gramáticas. Isso seria um reflexo do autor em querer questionar algumas questões de uma sociedade coreana bastante hierárquica e rígida, ou não tem qualquer relação com isso?

O sentimento de revolta é algo que perpassa não somente eu, mas toda a geração que viveu sob a ditadura militar e isso é duplicado e triplicado por estas questões. Mas eu também acho que isso ocorre em razão de eu não ter recebido uma educação formal de escrita criativa. É claro que existe esta questão de revolta, mas também é possível que isso ocorra por eu não ter recebido esta educação formal acadêmica. Eu praticamente não li romances quando era criança. Curtia mais poesia. E eu tenho uma personalidade bastante no estilo de quando fazer alguma coisa, não pergunto a ninguém, vou lá e faço. A minha ideia era escrever uma poesia longa e acabou ficando deste jeito.

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O tema que foi debatido hoje falou sobre a questão do idioma, nacionalismo, globalização e literatura. A Coreia durante a ocupação japonesa foi impedida de falar o coreano. Hoje, esta situação já não ocorre, mas para quem começa aprender o coreano percebe que há muita influência do inglês e do chinês, ao menos no coreano falado na parte sul da península. No norte, não se usa tanto o inglês e sim palavras advindas do próprio coreano. Como você vê esta possível dominação cultural através do idioma.

Como você mesma apontou antes de usarmos intensamente palavras em inglês, usávamos intensamente palavras de origem chinesa e ainda as usamos. Parte delas foram substituídas por palavras em inglês, talvez acrescentadas, pois estas eram palavras que não existiam no coreano. Eu acho que este fenômeno é algo bastante diferente com o que acontece no português do Brasil. Mas a sua colocação é correta, é uma forma de colonização. Contudo, a Coreia sempre teve este meio forasteiro dentro da própria língua.

É preciso ver que quando os brasileiros pegam uma palavra estrangeira e buscam a sua origem, normalmente ficam sabendo tratar-se de uma, ou duas origens. Muitas vezes latina, grega, ou anglo-saxã, o que mostra que a origem de muitas palavras é compartilhada de línguas diferentes no mundo ocidental. Só que no caso do coreano não funciona assim. É muito mais logico que se use a palavra inglesa, pois a raiz dela não é compartilhada com a cultura coreana. Assim, não existe a mesma preocupação de ter a identidade corrompida em razão do uso destas palavras.

Ainda sobre a identidade nacional, a Coreia, como outros países e partes do mundo, está sofrendo uma grande transformação com os muitos imigrantes que estão indo para o país, ou coreanos e seus descendentes que estão retornando à Coreia, tendo nascido e crescido em outros países, em outras culturas. Como você avalia o impacto disso na identidade coreana, ou no que que venha a ser considerado coreano no futuro.

A Coreia já carregava há séculos esta característica de ser uma cultura fechada. Mas, ao passar pela dominação japonesa, houve um encapsulamento ainda maior como uma reação a esta dominação estrangeira. Então para preservar a sua identidade nacional e emocional inclusive acabou-se adotando este discurso radical de que a Coreia tem um povo único, homogêneo. Creio que esteja na hora de nos libertarmos e com o cenário que você falou acho que é preciso haver uma nova reflexão sobre anosa identidade.

 

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por Anders Noren

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