O ABC do Impeachmant de Trump

Crédito: anoutsidersojourn2.wordpress.com

Faltando pouco menos de um ano para as eleições presidenciais dos Estados Unidos, e com todos os possíveis candidatos e candidatas em pré-campanha, já não resta duvida de que a presidencia de Donald Trump foi um grande retrocesso para o país nos mais diversos aspectos possíveis. Os motivos para isso derivam de vários fatores internos e externos, contudo é imprescindível destacar que desde o primeiro dia em que pisou na Casa Branca, Trump não conseguiu governar, no sentido de establidade mais amplo possível. A ’’troca de farpas’’ diária com a mídia, aliada as medidas dignas de um autocrata- e que outrora também eram tomadas por Barack Obama -interna e externamente-, tornam-lhe um presidente com um gigante alvo nas costas, cuja reação apenas se dá com truculência.

Há quatro anos, contra todas as previsões Trump foi escolhido como candidato do Partido Republicano para as Eleições de 2016, a partir de uma considerável mudança tendencial existente tanto na política interna, quanto na externa estadunidense, que tendia a instabilidade, o fortalecimento do autoritarismo e a solidificação de um discurso fascista de ’’superioridade civilizacional’’, já originário e preponderante desde o fim da Guerra Fria. Apesar deste fato, existem os que preferem acreditar que a vitória foi consequência da onda conservadora iniciada pelo BREXIT no mesmo ano. É o discurso de boa parte destes membros de uma facção mais a esquerda do Partido Democrata e da esquerda liberal no ocidente.

O presidente Donald Trump. Crédito: Andrew Harrer-Pool/Getty Images.

Igualmente há também os que outrora insistiram no Russiagate– e agora no UkrainGate– cuja vitória eleitoral de Trump seria um grosso desvio das ’’tradições liberais democráticas’’ dos Estados Unidos, devido a uma intervenção russa no processo eleitoral. Os mesmo setores agora acusam Trump de usar sua posição pública para perseguir um potencial adversário nas eleições de 2020, Joe Biden, ao pedir ’’ajuda externa’’ do presidente ucraniano Volodymir Zelensky em investigações de corrupção relacionadas a Hunter Biden– filho de Joe Biden.

Contudo, as duas correntes identificam ainda nos Estados Unidos uma liderança global hegemônica e descartam a fonte vital do discurso de mobilização trumpista, situado próximo ao fascismo. A ideia de resistência hegemônica da civilização ocidental frente ao mundo que mudou. Curioso é observar que apesar dos democratas diariamente criticarem a política externa em relação aos imigrantes, alegando uma ingerência russa- até o momento não comprovada-, não se manifestam sobre a guerra econômica com a China, ou mesmo os conflitos tarifários com os países parceiros na Europa- iniciados antes do atual governo.

A recepção da vitória de Donald Trump com desconfiança no ocidente, bem como no mundo, tinha razões muito mais profundas das que foram analisadas na pressa do momento de seu triunfo. Mais do que um ’’novo Reagan’’, ou um ’’aventureiro’’ conservador que iniciou uma ’’nova onda’’, ele representa a crise das instituições internacionais do pós-guerra devido ao discurso de abandono completo dos mecanismos e regras nacionais e internacionais, a partir da lógica do ’’governo do mais forte.’’ Trump não é uma maçã podre que caiu de uma macieira sã, seu governo aparece como a radicalização de uma posição internacional dos Estados Unidos estabelecida já no pós-1989, de guardião da ’’civilização ocidental’’, que possibilitou inúmeras violações a leis internas e externas ao longo das últimas três décadas.

Ainda que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o país seja responsável pela violação sistemática da soberania de incontáveis países no mundo e quebra de tratados, tais ações ganham maior intensidade com o aval de uma comunidade mundial submissa a partir da década de 1990. Contudo, nunca existiu uma negação aberta das instituições internacionais de maneira direta, ou críticas por parte dos países centrais do capitalismo até este período.

A violação com relação às deliberações do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e mesmo os desacordos entre os aliados da Organizaçãp do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), apenas tornaram-se mais sistemáticos a partir da década de 1990, quando a retórica de liberdade e democracia em termos liberais são levantados como valores universais, e usados como desculpas para intervenções estadunidenses no mundo. Sendo as mais significativas na República Federal da Yugoslávia para ’’caçar’’ o presidente Slobodan Milosevic em 1999, e o Iraque em 2003 para a captura do presidente Saddam Hussein.

O cinema neste período celebrava este triunfo com o lançamento de filmes que colocavam os Estados Unidos na condição de polícia mundial. O filme “Street Fighter- A Batalha Final (1994), por exemplo expõe na figura do famoso ator Jean-Claude Van Damme, a posição estadunidense de supremacia sobre os demais países do mundo, onde em um cenário de intervenção de forças militares de vários países da ONU em um país fictício do sudeste asiático, celebra-se o desrespeito das leis internacionais.

Em uma cena marcante durante o filme, o representante das Nações Unidas apresenta a determinação do Conselho de Segurança da organização de abrir negociações com o então vilão do filme, o general M. Bison- uma caricatura esteriotipada do presidente birmanês Than Shwe (1992-2011), ou mesmo o líder iraquiano Saddam Hussein (1979-2003). Porém, o Coronel William Guile (Jean-Claude Van Damme), não apenas se recusa a cumprir a ordem, como questiona abertamente a decisão, que no filme aparenta ser oriunda de burocratas ’’afastados da realidade’’, que esquecem que o mais importante era ’’defender a liberdade’’ e ’’derrubar a tirania.’’

Esta agenda política e ideológica intensificada durante a Guerra ao Terror– que por sua vez era uma espécie de filha primogênita da teoria do “Choque de Civilizações” de Samuel Huntington-, trouxe de volta os ânimos que alimentavam a ideia de Destino Manifesto– ideia que concebe os EUA com o destino divino de ’’libertar os povos’’-, e que deixava os próprios aliados desconfiados. Mesmo estes, Washington passa a vê-los com desconfiança, e somente graças as revelações de Edward Snowden em 2013 que isso viria à tona e causaria um esfriamento de relações com os aliados tradicionais. Estes princípios foram ainda mais elevados no governo Obama, nos anos de 2011 à 2015, quando o Oriente Médio mergulhado no terrorismo, quase assistiu o triunfo do Estado Islâmico.

A política externa de Obama, levada a cabo pela então secretária de Estado Hillary Clinton (2009-2013) de desestabilização da ordem mundial dividida entre ’’amigos’’ e ’’inimigos’’ da democracia, pôs o próprio mundo ocidental em cheque. O uso da Europa como instrumento de desestabilização da Rússia colocou o continente em ’’maus lençóis’’. A França e a Alemanha, as capitãs da União Europeia, perderam paulatinamente apoio dos países membros frente a irracional política de sanções, o que leva a uma tentativa nos últimos anos de reconciliação com os russos. A vitória de Trump radicaliza ainda mais esta posição, que pertence também à parte dos círculos empresariais em crise, devido a ascensão da China que atrai um polo de integração euroasiático, colocando o EUA em uma posição periférica.

Crédito: The New Yorker.

Mesmo internamente, a degradação das instituições do país é um fenômeno público, onde o poder presidencial e das agências de inteligência militares e civis foram fortalecidos de tal forma, que restringir seu raio de ação e poder é pouco possível hoje. A exceção inaugurada com o Patriot Act– Ato Patriota-, aprovado poucas semanas após o 11 de Setembro, tornou-se uma política permanente nos Estados Unidos, e o inimigo interno que hoje são os ’’agentes russos’’, mas outrora foram os terroristas, fortaleceram um perigoso discurso autoritário destas instituições que hoje possuem plena independência de ação com o aval governamental.

Diante das possibilidades existentes com Trump na Casa Branca e com tais poderes, setores internos do próprio Estado articulam desde então sua desestabilização política. Muitos destes setores adversários ao governo Trump encontram-se, não por acaso, nos órgãos de inteligência civis, como a Agência Central de Inteligência (CIA), que esteve no centro das investigações do RussiaGate, bem como também na investigação a partir das conversas entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky.

Foto do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky. Crédito: Адміністрація Президента України

Contudo, é importante salientar que Trump possui aliados poderosos para além de sua ’’tropa virtual’’, garantida por Steve Bannon, para lutar contra essas forças políticas. Parte das Forças Armadas do país, bem como as agências de inteligencia militares e o Departamento Federal de Investigação (FBI) dão-lhe suporte, bem como aos aliados nos demais países do mundo. No entanto, a imobilidade na política externa, colecionando sucessivas derrotas geopolíticas e militares na Síria, Coreia do Norte e na Venezuela, tem afastado os círculos mais belecistas próximos do presidente. A saída/demissão de John Bolton há alguns meses, ajuda mesmo a esclarecer o triunfo do pedido de impeachmant.

Bolton, um conhecido aliado da Família Bush, que teve importantes cargos durante o governo de George W. Bush, adentra a Casa Branca em abril de 2018 como chefe do Conselho de Segurança Nacional, tendo o objetivo de estabelecer objetivos concretos para a política interna e externa que sofria sucessivos revezes, e servir de uma importante ponte de aliança entre os Bush e Trump. Esta aliança desesperada do presidente também objetivava fortalecer sua autoridade no Partido Republicano, internamente tensionado, seja devido aos resultados políticos concretos da Casa Branca, seja a própria divisão existente no partido devido o próprio triunfo trumpista em 2016, que representou a emergencia de uma ala oposta a Família Bush.

John Bolton e o ex-presidente George W. Bush. Crédito: BBC/Getty Image.

Embora internamente, o RussiaGate tenha sido barrado, e externamente um esboço reativo dos Estados Unidos tenha aparecido com o suporte as vitórias eleitorais de Ivan Duque na Colômbia e Jair Bolsonaro no Brasil, aliados na pressão política e econômica sobre a Venezuela, os setores militaristas continuam insatisfeitos. O fortalecimento do governo venezuelano frente a retórica de Bolton que jogou todas as fichas em Juan Guaido, o fez, meses antes de sua saída, uma persona non-grata na Casa Branca, a tal ponto que publicamente entre julho e agosto tornou-se público e notório a briga entre ele e o Secretário de Estado Mike Pompeo. Adido da Família Bush, e não tão querido na Casa Branca, sua saída tornou-se provável, especialmente após a escalada contra o Irã não ter tido frutos.

Contudo, não deixa de ser significativo que Trump seja o primeiro presidente estadunidense desde Herbert Hoover (1928-1932) que não começou uma guerra em seu governo- até o momento-, algo que considerando a importancia do complexo industrial militar estadunidense é sintomático. Isso não ocorre por que o atual presidente é um pacifista, muito pelo contrário, fazer a manutenção deste vasto império mostra-se altamente custoso, e isso faz com que a guerra torne-se um ’’mau negócio’’ agora.

Grande parte das despesas militares dos Estados Unidos é feita justamente com os aliados da OTAN, muitos dos quais não pagam para ter bases estadunidenses no país. Uma das promessas da campanha de Trump em 2016 era mudar isso, fazendo com que estes países pagassem pela ’’proteção’’ do pacto militar ocidental, e que foi recebido com muitas críticas por países como Itália, Alemanha, bem como países mais pobres do leste europeu como Estônia e Romênia. É aí que entra inclusive a Ucrânia!

O ex-presidente dos EUA Herbert Hoover (1874-1964). Crédito: National Arquives.

As consequeências destas medidas, não apenas isolam cada vez mais Washington diplomáticamente, como exige uma lealdade ’’incondicional de seus aliados’’ ocidentais, o que tem gerado o apequenamento do país na arena internacional. Tanto os republicanos, quanto os democratas enxergam nisso um fracasso generalizado, mas não sabem o que fazer, pois o seu discurso de superioridade e Destino Manifesto de outrora, hoje mobilizado de maneira abertamente fascista por Trump, é o mesmo e não consegue convencer o eleitorado que tratar os aliados do ocidente como súditos é algo positivo. A abertura recente do processo de impeachmant não está associada apenas ao atual momento de conflito generalizado entre Trump e as instituições estadunidenses, mas a uma guerra existente entre as próprias instituições, onde o presidente apenas é a ponta do iceberg.

A própria conversa telefônica entre Zelensky e Trump- interceptada por uma agência de inteligência que teoricamente deveria proteger as instituições- implica parte desta guerra interna, pois Joe Biden na Ucrânia apoiou não apenas a Euromaidan, mas o próprio governo de Petro Poroshenko, que ao tentar a reeleição ’’perdeu de lavada’’ para um candidato que é uma verdadeira interrogação, mas que aparenta ser próximo de uma direita fascista mundial pós-2016 que surfa no trumpismo.

A questão dos empréstimos ao país era uma parte importante para Zelensky, contudo não seria mais importante implicar seu adversário politico principal, isto é, Poroshenko, em um caso de corrupção e jogá-lo na prisão? E porque trazer Joe Biden para esta história? Ora, ele é o favorito e provável candidato do Partido Democrata para as eleições de 2020, e um forte concorrente de Trump em variados aspectos.

Ex-vice presidente e atual pré-candidato a presidente Joe Biden, e o ex-presidente da Ucrânia Petro Poroshenko. Crédito: nbcnews.com

Diferente de Hillary Clinton em 2016, Biden- que foi duas vezes vice de Obama- é visto como o mais moderado entre os democratas, e portanto em meio a esta ’’onda consevadora’’, atrairia não apenas os votos de alguns seguidores de Trump, como do próprio Partido Republicano em conflito com o presidente. A demissão de John Bolton foi um sinal claro que o governo seria abandonado pela Família Bush, e consequentemente outros republicanos importantes, que apesar de terem que ’’engolir’’ a candidatura a reeleição de Trump, não esconderiam a simpatia pelo aceno democrata com Joe Biden. Logo implicar Biden e Poroshenko- que dadas as relações desde antes de 2014 não é dificil- enfraqueceria as chances de vitória dos democratas em 2020, e impediria a gestação de uma possível nova Euromaidan contra Zelensky- que tem tido no ocidente sua figura associada a Putin, devido a sua posição sobre o Donbass e a desaceleração da integração com a União Europeia.

A reação democrata com o impeachmant- e que hoje tem apoio velado de alguns republicanos- não tem por objetivo apenas ’’blindar’’ Joe Biden e fazer sangrar por mais um ano a Casa Branca- de repente ferindo-a mesmo de morte-, mas também atingir um potencial aliado de Trump na Europa. Abalar o mais poderoso presidente da história da Ucrânia, implicando-o com Trump, retiraria o país da estabilidade política que Zelensky tenta articular de maneira equilibrada entre os Estados Unidos e a União Europeia. Eis a face sombria do conflito interno das forças políticas do país que se ramifica mundialmente com a guerra entre as próprias agencias internas dos Estados Unidos e seus aliados, onde o relacionamento com a América Latina pode ser ainda uma outra boa exemplificação.

Crédito: Tom Curry/Cartoon Movement.

Em Honduras, um país cujo autoritarismo militarista é algo recorrente, seu atual presidente, Juan Orlando Hernandez possui suporte aberto de Trump, que o acudiu durante a crise pós-eleitoral em 2017, quando votos foram abertamente fraudados para a vitória do governo, e que gerou uma onda de protestos e violência policial no país, chegando próximo a uma revolução. Contudo, recentemente, em uma investigação conduzida pelas principais agências estadunidenses no caso do narcotraficante mexicano, Joaquim Guzman Loera– ’’El Chapo’’-, implicou-se os ex-presidentes do México- abertamente adversários de Trump, aliados de seus inimigos-, Felipe Calderon (2006-2012) e Enrique Peña Nieto (2012-2018).

Curiosamente, na mesma investigação, posteriormente, agências de inteligência denunciam o atual presidente hondurenho- aliado de Trump-, concomitante a novas revoltas no país. Este caso demonstra a possibilidade de repetição daquilo que ocorreu com o ditador panamenho Manuel Noriega, que após denúncias de vínculo com o narcotráfico foi deposto por meio de uma operação militar.

A luta entre ambas as forças internas, mobilizam os setores mais sombrios da política e economia mundial que sempre tiveram relações amistosas com os governos dos Estados Unidos, independente do partido governante. O caos e a desordem é a estratégia geopolítica do país para com os adversários desde o fim da década de 1990, com a Ioguslávia sendo um primeiro exemplo bem sucedido, porém seu uso desmedido durante o governo de Barack Obama trouxe não apenas para o mundo, mas o próprio coração do ocidente a possibilidade de uso desta estratégia, que largamente é aplicada pelos setores adversários de Trump. Irônico que o inimigo interno que se tanto temia nos Estados Unidos esteja na Casa Branca!

É errado identificar apenas no Partido Democrata, a condição de principal opositor de Trump nesta guerra sombria institucional. Está em jogo neste quadro um conflito de forças dentro do próprio capitalismo estadunidense. Uma luta entre os setores do capital que possuem uma economia baseada na financeirização contra os setores que são financeirizados, mas que ainda buscam manter uma economia real mínima no país. A retórica trumpista nacional ufanista de criação de empregos por meio do protecionismo é uma reação a completa financeirização da economia estadunidense, cada vez mais tornando-se periférica na economia global.

Ela está presente tanto entre os democratas, quanto entre os republicanos, bem como entre parte dos próprios setores financeirizadores que enxergam o “buraco sem fundo” da economia puramente financeirizada e buscam manter parte da economia produtiva real. Os setores financeirizadores radicais, sem nenhuma surpresa, são parte do núcleo duro do militarismo estadunidense.

Contudo, como representa um setor decadente do capitalismo estadunidense, Trump carrega com maior força o caráter reacionário e retrógado desta luta que abre a guerra. Este conflito fratricida, cujos efeitos já se fazem presentes mundialmente, intensificam a desordem dos polos políticos referenciados nos últimos dois séculos por ocasião da hegemonia ocidental sobre o globo. A recente instabilidade latino americana e desentendimento entre as forças políticas governantes no Peru, Brasil e Chile evidenciam o caráter deste conflito, e como ele crescentemente afeta a estabilidade mundial. Mesmo a estabilidade dos Estados Unidos hoje está em cheque, pois não existe um governo- no sentido de ordem da palavra. As instituições polticiamente aparelhadas para o conflito degladiam-se abertamente, desrespeitando os ritos processuais pactuados por forças políticas que já não são as mesmas de quando ocorreu o fim da Guerra Civil em 1865.

Crédito: .flickr.com

Historicamente, inclusive a revisão da Guerra Civil na própria historiográfia sobre o escravismo que define o caráter da própria guerra, assiste hoje o resgate ufanista das lideranças confederadas como Jefferson Davis e Robert Lee, onde se ’’escanteia’’ o aspecto  central do conflto, que é o sistema escravista. Tais revisões históricas radicais por vezes correspondem a processos históricos de média ou longa duração que passam por algum tipo de ruptura presente, levando a uma nova leitura do passado.

Esta virulenta guerra entre as instituições do país não ocorre desde a Guerra de Civil, pois mesmo no processo de impeachmant do presidente Richard Nixon na década de 1970, democratas e republicanos foram coesos, e mesmo com a crise política existente na conjuntura da Guerra Fria, os ritos institucionais foram respeitados nos termos liberais- ainda que o impeachmant tenha sido na prática um golpe. Algo radicalmente oposto do que ocorre com Trump, onde não apenas inexiste uma coesão política no país contra o presidente, como a institucionalidade é cada vez menos respeitada, a hierarquia de medalhas e agências de inteligência tornou-se mais importante que o próprio ordenamento das liberdades e direitos civis- no sentido clássico de república liberal-, e que põe o país à beira de um caos político.

Foto do presidente dos Estados Confederados da América, Jefferson Davis. Crédito: National Archives and Records Administration.

A condução das investigações pelo presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes Adam Shiff representa isso. Shiff que teve importante participação no RussiaGate é um portavoz do núcleo dos falcões estadunidenses, que representa toda uma comunidade de inteligência civil oposta ao governo, aparecendo de maneira frequente nos telejornais do país, criticando tanto a política externa, quanto a relação com os russos. No entanto, é sempre conveniente lembrar que este grupo tenta fazer algo que jamais foi bem sucedido na história do país, pois o processo de impeachmant contra Nixon não prosperou, tendo sido sua saida fruto de renuncia. Bill Clinton também passou pelo mesmo processo, porém conseguiu superar políticamente, a ponto de poucos lembrarem do episódio ainda hoje.

Adam Shiff em entrevista a CNN. Crédito: http://www.progressivepostdaily.com

Seja qual for o veredito final deste processo e desfecho desta guerra, fica evidente um declínio de prestígio nacional e internacional dos Estados Unidos que até o governo de Barack Obama era silencioso.  Declínio que permite a Rússia e China despontarem na arena internacional como as principais lideranças responsáveis de um mundo instável política e socialmente, que caminha não apenas para um reordenamento, mas uma gigantesca repactuação mundial.

Referências:

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BBC BRASIL. Se impeachmant nunca deu certo nos EUA, porque democratas tentam contra Trump?. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49834315.

BRIDGE, Robert. The American Deep State Would Sooner Sacrifice the Republic Than Lose Again to Donald Trump. In: Strategic Culture Foundation. 2019. Disponível em: https://www.strategic-culture.org/news/2019/10/20/american-deep-state-would-sooner-sacrifice-republic-than-lose-again-to-donald-trump/?fbclid=IwAR1bE_8MV3yci8qIjWXumQ_nswMTKD-rDh1ygKJWKcLo4EQFRnmQEvE8PGU

CUNNINGHAM, Finian. America´s Poltical Implosion. In: Strategic Cultural Foundation. 2019. Disponível em: https://www.strategic-culture.org/news/2019/10/09/americas-political-implosion/.

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FOLHA DE S. PAULO. Revisionismo histórico vira best-seller nos EUA. 2005. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0602200506.htm.

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REVISTA OPERA. A ’interferência russa nas eleições dos EUA’ são as ‘armas de destruição em massa desta geração’. 2019. Disponível em: https://revistaopera.com.br/2019/04/14/a-interferencia-russa-nas-eleicoes-dos-eua-sao-as-armas-de-destruicao-em-massa-desta-geracao/.

  1. Joe Biden’s past strong-arming in Ukraine is coming back to haunt him. 2019. Disponível em: https://www.rt.com/usa/455354-biden-ukraine-gas-hunter-probe/.

TELESUR. ¿Quiénes son las figuras clave en el proceso de impeachment contra Trump?. 2019. Disponível em: https://www.telesurtv.net/news/figuras-impeachment-trump-eeuu-20191002-0004.html.

 Recomendações fílmicas:

“Street Fighter- A Batalha final”. Direção Steven E. de Souza. 1994.

Vídeos:

Crosstalk on Deep State: CIA COUP?. RT. 2019. 

Carmona: Proceso contra Trump en el Congreso fue totalmente partidista. Telesur. 2019.

EE.UU.: ¿impeachment contra Donald Trump?. Telesur. 2019.

 

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por Anders Noren

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