
O Afeganistão é um antigo conhecido dos estadunidenses. Durante a década de 70 Washington investiu bastante dinheiro para derrubar o governo socialista de Kabul (República Democrática do Afeganistão 1978 – 1992) e criar um enclave oposicionista à União Soviética na região. A parceria dos estadunidenses com os agrupamentos fundamentalistas rendeu o inusitado filme Rambo III (1988), que enaltecia as forças reacionárias que combatiam o governo progressista de Kabul. Desde então, os militares estadunidenses nunca mais saíram do Afeganistão, mesmo com a retirada do Exército Soviético em 1989 e o fim da URSS em 1991.
A aliança entre Marines e mujahidins (Talibãs e depois Al Qaeda) tinha também o objetivo de isolar a influência iraniana na sociedade afegã, além de, claro, combater os setores progressistas apoiados pela União Soviética. Paralelo ao fim da URSS, os outrora heróis mujahidins, que ao lado de Rambo venceram os comunistas nas telas de Hollywood, agora se autoproclamavam Talibãs.

Esse segmento fora armado e treinado pela Central Intelligence Agency (CIA) (Operação Ciclone), com o apoio dos Serviços de Segurança do Paquistão, agora se rebelava contra seu parceiro ocidental. A partir de uma base religiosa e um discurso anti-Ocidente, os Talibãs cresceram e se desenvolveram entre as fronteiras do Paquistão e Afeganistão, sob os olhares silenciosos dos estadunidenses.
Com a miséria reinante e a insensatez do imperialismo como ameaça, os Talibãs logo se tornaram um movimento militar capaz de dominar o país. Usando uma interpretação dogmática e radical do “Alcorão” como antítese aos desmandos do “Ocidente”, os Talibãs passaram a controlar as principais cidades do país com apoio de parte significativa da sociedade afegã.

Esse crescimento confluiu na tomada da capital Cabul em 1996, quando receberam apoio dos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Paquistão. Ao se tornarem governo, os Talibãs perderam o apoio dos estadunidenses e, por conseguinte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), passando a receberem a condenação da Organização das Nações Unidas (ONU) por suas atrocidades contra parte da população e a destruição sistemáticas de relíquias históricas que estavam em desacordo com o “Alcorão”, segundo a interpretação que faziam do mesmo.
Com os ataques de 11 de Setembro de 2001, o mundo passou a conhecer a “Al Qaeda”, organização acusada pelo governo estadunidense de planejar os ataques. O interessante é que tal organização surgiu dos esforços estadunidenses para derrotar o socialismo no Afeganistão na década de 80. Como respostas aos ataques que sofrera os Estados Unidos apontou o Afeganistão como centro desse movimento terrorista.
Com a mesma força propagandística da década de 80, o presidente George W. Bush decidiu enviar tropas para o Afeganistão. Desta vez, os comunistas não eram os inimigos e sim os Talibãs, os amigos de outrora, que foram tratados como heróis pelo presidente Ronald Reagan acerca de uma década antes. Afirmavam as autoridades estadunidenses, que o Afeganistão governado pelos Talibãs havia convertido-se em um “centro de treinamento de terroristas”.
No dia 7 de outubro de 2001, um contingente de forças estadunidenses apoiadas pela OTAN invadiu o Afeganistão, recebendo o apoio de setores da sociedade afegã ligadas à Washington e inimigas dos Talibãs. Essa invasão tornou-se uma ocupação de duas décadas, onde as forças militares comandadas pelos estadunidenses não conseguiram nenhuma vitória capaz de combalir a capacidade politica e militar do grupo armado.
Tão pouco essas forças ocidentais foram capazes de promover o desenvolvimento econômico e social do Afeganistão. Duas coisas acentuaram-se com a presença militar ocidental, o trafico de ópio (o Afeganistão é o grande produtor) e a violência. A fome e a miséria que já eram grandes no país chegaram a números alarmantes. A escalada imperialista pelo petróleo e o gás na região, transformou a nação em um grande laboratório militar, que passou não mais a ser visto como um país independente, mas sim, como um objetivo geoestratégico.
Mesmo com o país ocupado pelas forças militares mais poderosas do mundo, o tal terrorismo que motivara a guerra não diminuiu, pelo contrário, aumentou juntamente com o fundamentalismo religiosos de escopo militar. Nesse contexto, surgiram vários agrupamentos que se desdobraram da experiência mujahidin feita pela CIA nos anos 70.
A falada Al Qaeda, do famoso ex-CIA Osama Bin Laden, transmutou-se para Estado Islâmico, que começou a se organizar em 2004 sob os olhares das forças de ocupação militares da OTAN. O referido grupo que era comandado por Abu Musab al-Zarqawi um ex-opositor de Saddan Hussein, fora parte de um grupo treinado pela CIA para combater o antigo presidente do Iraque, al-Zarqawi autoproclamava-se líder de um novo califado.
Em 2011 o chamado Estado Islâmico inicia uma guerra na Síria e Iraque, tentado envolver toda a Mesopotâmia, ao mesmo tempo em que as operações militares estadunidenses no Afeganistão davam sinais de esgotamento. Já que passada uma década, nenhum sinal de enfraquecimento fez-se sentir por parte daqueles que lutavam contra Washington. Pelo contrário, os chamados terroristas, tinham multiplicado-se a ponto de transformarem-se em um exército disposto a travar uma guerra franca contra a OTAN e os governos sírio, iraquiano e líbio.

IntelCenter/AP/CNBC.
Com o recrudescimento do terrorismo, o Ocidente viu a necessidade de controlar o processo político nos países árabes e em outros de orientação islâmica próximos da região, tal processo recebeu o nome de Primavera Árabe. Iniciada em 2010 na Tunísia, a Primavera Árabe coordenada pela CIA, tentava dar um roupagem liberal nos processos políticos e sociais que estavam permeados pelo fundamentalismo religioso e militar, o fracasso dessa “revolução artificial”, só trouxe mais caos.
Outro desdobramento negativo da Primavera Árabe foram as guerras civis líbia e síria, a primeira ocasionou a morte do presidente Muammar Mohammed Abu Minyar al-Gaddafi e mergulhou o país em um caos. A segunda, também ameaçou a vida do presidente sírio Bashar Al Assad, acarretando em uma guerra que se desenrola desde 2011, mesmo ano da morte de Gaddafi pelas forças da OTAN.
A OTAN capitaneada pelos estadunidenses tentou usar contra a Síria e a Líbia o mesmo método que aplicou no Iraque, caos social, ocupação militar e morte de sua principal liderança. Foi esse o destino de Saddan Hussein, morto em 2006, depois que seu país fora mergulhado no terror vítima da invasão estadunidense de 2003 A Líbia continua em guerra civil e a Síria, graças a ajuda russa não sucumbiu, mas hoje luta não só contra o Estado Islâmico (ISIS), mas também contra Israel, Estados Unidos, Turquia e alguns agrupamentos curdos.
Incapazes de uma vitória no Afeganistão, os estadunidenses hoje se desdobram em operações de contensão no Iraque e de guerra de baixa intensidade na Síria, Iêmen e Somália, além de manterem unidades militares especiais na Líbia. O objetivo dos estadunidenses depois de tanto fracasso é tentar deter a influência iraniana que hoje se desdobra no eixo “Teerã – Bagdá – Sanna – Damasco – Beirute”, que é bem maior do que aquela que a Casa Branca jurava derrotar no final dos anos 70. Todo esse cenário desfavorável para os estadunidenses desenvolveu-se a despeito da presença massiva das forças da OTAN na região acerca de duas décadas.
Tendo a invasão do Afeganistão como marca inicial de todos esses conflitos aqui expostos, a análise sobre a presença dos estadunidenses no referido país não mostram nenhum ganho para a sociedade afegã e tão pouco para a superação do conflito. O governo afegão hoje é incapaz de vencer os Talibãs e os estadunidenses encontram-se sem uma iniciativa viável para pacificar o país. O problema dos “fundamentalistas religiosos de caráter militar”, que iniciou nos anos 70 a sua luta contra o governo central de Kabul, hoje se tornou um problema global, graças à intervenção estadunidense.
No último dia 29 de fevereiro, o presidente estadunidense Donald Trump anunciou que as suas forças militares iriam retirar-se do Afeganistão, depois de celebrar a paz com o líder talibã Abdul Ghani Baradar. O acordo determina que as tropas ocidentais devem ser retiradas em até 14 meses do território afegão e os Talibãs devem deixar de apoiar terroristas (rompendo laços com a Al Qaeda e combatendo os ISIS).

Eles também necessitam entabular negociações com o governo de Kabul. O saldo para os estadunidenses ao logo dessas duas décadas é péssimo, pois depois de quase 2.400 mortos, 20.000 feridos e milhares de dólares investidos, os estadunidenses retiram-se do país assinando uma paz fictícia com um inimigo que não a quer de fato, já que se tornou maior do que era a vinte anos atrás.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial que os estadunidenses passaram a tratar guerras e conflitos sob a ótica comercial, passaram a lutar sem se importar com vitórias. As derrotas acabam sendo também lucrativas para o complexo econômico-militar que sustenta boa parte do mundo político dos Estados Unidos.
A participação dos Estados Unidos nesses conflitos obedece a tônica imperialista de ingerência nos assuntos internos de outros países. A partir de uma plataforma de destruição dos Estados nacionais concomitante ao sequestro de suas economias. Dessa maneira, os Estados Unidos agrava a dependência econômica desses países, ao mesmo tempo que se impõem como única solução.
Ao “celebrar a paz” com os Talibãs, o governo estadunidense faz um movimento voltado para a sua conjuntura interna, uma espécie de prestação de contas. Porque na verdade, o Afeganistão continuará miserável e violento por muito tempo. Os governos sustentados por Washington que ocuparem Kabul, continuarão impotentes diante desse fundamentalismo religioso de cunho militar, esse impotência foi o “american way of life” deixado pelos Marines depois de 20 anos de ocupação militar.
Dividida pela guerra e empobrecida pela exploração imperialista, a sociedade afegã começou declinar quando aceitou que Rambo fosse seu herói. A tal paz celebrada por Trump é mais um enlatado hollywoodiano. Sem um pacto nacional de unidade e a falta de um projeto nacionalista de desenvolvimento em bases seculares, o Afeganistão continuará refém da guerra.
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