Irrfan Khan sai de cena: quem foi o astro indiano que atravessou os oceanos para fazer sucesso também no ocidente

Irrfan Khan (1967-2020). Crédito: Veja.

Há nove anos eu ganhei na megasena. Meu prêmio, no entanto, não foi em dinheiro. Fui sorteada com o privilégio de conhecer Irrfan Khan, que deixou o palco e a vida nesta quarta-feira, 29, aos 53 anos, após ter lutado por dois anos contra um raro tumor neuroendócrino. Estávamos numa festa nos arredores de Delhi, na casa de campo do ator Jimmy Shergill, ao lado de produtores de cinema, diretores e outros atores.

Pedi uma pequena entrevista ali, em pé mesmo, no meio dos convidados, no vai-e-vem dos garçons, que equilibravam suas bandejas de samosas e pedaços de frango tikka masala. Ele me explicou como Bollywood, a indústria cinematográfica indiana com filmes em Hindi, estava mudando. Um depoimento que eu não poderia ter deixado de fora do capítulo “Curry Cultural”, do livro Os Indianos (Editora Contexto, que lancei um ano depois dessa entrevista).

Irrfan Khan and Saba Qamar em “Hindi Medium” (2017), de Saket Chaudhary. Crédito: IMDb.

Seu olhar profundo, uma de suas marcas, não deixava dúvidas sobre sua intenção de não deixar a música da festa atrapalhar a sua atenção para as perguntas daquela jornalista brasileira. Ele havia sido avisado por um amigo em comum que eu escrevia um livro sobre a Índia. Foram uns 20 minutos de conversa, sempre com seu sorriso calmo, voz mansa e total ausência de arrogância.

Em seus 30 aos de carreira, Irrfan Khan encenou em mais de 80 filmes. No plano internacional, participou de películas como “Espetacular Homem-Aranha”, “As Aventuras de Pi”, “O Mundo dos Dinossauros”, “Quem Quer Ser Milionário”, “Nome de Família” etc. Na Índia, ele brilhou em grandes filmes, como “Maqbool” (adaptação indiana de Macbeth, de Shakespeare), “A Lancheira do Amor”, “Piku”, “Paan Singh Tomar”, “Haider”, e por aí vai.

Irrfan Khan and Nusrat Imrose Tisha em No Bed of Roses (2017) de Mostofa Sarwar Farooki. Crédito: IMDb.

A nova geração quer filmes com personagens fortes e bons roteiros. Os jovens não se satisfazem mais apenas com filmes que tenham grandes estrelas e mostrem as rotineiras cenas de dança. Eles cresceram vendo bons filmes internacionais na televisão a cabo e começaram a cobrar qualidade em Bollywood”, me explicou Irrfan Khan, no jardim daquela mansão rural, enquanto outros convidados dançavam no salão, dentro da residência.

Homem de expressões silenciosas e inteligentes, Irrfan Khan sempre dizia que não tinha “rosto de estrela”, mas isso não o impedira de se tornar um ator. E foi fenomenal e versátil: deu show como herói, como vilão, ou como coadjuvante. Não é fácil para um ator indiano “cruzar os oceanos” e fazer sucesso no Ocidente. Mas ele assim o fez. Sua mãe morreu alguns dias antes dele. Um um de seus diálogos em cena, um personagem de Khan sentenciou: “Um sono bonito é sempre no colo da mãe”. O astro morreu cercado pela sua família, em Mumbai, e deixou a mulher, Sutapa Sikdar, e os filhos Babil e Ayan.

Fonte: Texto originalmente publicado no Beco da Índia.
Link direto: http://becodaindia.com/irrfan-khan-sai-de-cena-quem-foi-o-astro-indiano-que-brilhava-como-heroi-vilao-ou-coadjuvante-e-atravessou-os-oceanos-para-fazer-sucesso-tambem-no-ocidente/

Florencia Costa

Jornalista brasileira, escritora e curadora cultural. Ela edita o Beco da India e é cofundadora da plataforma BRiC Street. Costa já foi correspondente de jornais e rádios em Moscou (Rússia), Mumbai e Nova Delhi (Índia). A partir de 2006, Costa trabalhou na Índia como correspondente do jornal O Globo. Em 2012 voltou a viver no Brasil, onde trabalha como jornalista.  Lançou, em outubro de 2012, o livro Os Indianos (Editora Contexto). Ela ministra palestras e seminários sobre Índia no Brasil e é cofundadora do Bloco Bollywood, o carnaval de rua da comunidade indiana em São Paulo.

Irrfan Khan em Billu (2009) de Priyadarshan. Crédito: IMDb.

O Beco da Índia oferece aqui algumas sugestões de filmes, indianos ou não, nos quais Irrfan Khan contracenou:

MAQBOOL (2003)
Foi a primeira adaptação de Shakeaspere do director indiano Vishal Bhardwaj, com o submundo de Mumbai como pano de fundo, onde Irrfan Khan brilha junto com a excelente atriz Tabu. Khan faz o papel de Maqbool, o braço direito de um chefão mafioso. Esse filme deu fama internacional a Bhardwaj, que depois fez Omkara, em 2006 ( baseado em Otelo) e Haider, em 2014, inspirado em Hamlet, no qual Irrfan Khan também atuou.

Aqui, cenas de Maqbool:

NOME DE FAMÍLIA (THE NAMESAKE, 2006)
Irrfan Khan é um dos responsáveis pelo fato de esse filme ser tão bom quanto o livro, o primeiro de Jhumpa Lahiri (Prêmio Pulitzer), inicialmente publicado pela The New Yorker, e depois expandido e publicado como romance. Ele desempenha o papel de Ashoke Ganguli, um imigrante indiano nos EUA que tenta se adpatar a uma vida e costumes totalmente diferentes. Khan contracena novamente com Tabu neste filme de Mira Nair, brilhante diretora indo-americana baseada em Nova Iorque.

Veja aqui um trailer de

QUEM QUER SER MILIONÁRIO (SLUMDOG MILLIONAIRE, 2008)
O filme do britânico Danny Boyle abocanhou 8 Oscars. Irrfan Khan desempenha o papel de um inspetor de polícia que interroga o protagonista Jamal Malik (vivido pelo ator Dev Patel). Entre o tom ameaçador contra o jovem Jamal e a tentação de perdoá-lo, o personagem de Khan é um show à parte.

Aqui, um trailer:

AS AVENTURAS DE PI (LIFE OF PI, 2012)
Baseado no romance de Yann Martel ( 2001), o fime, dirigido pelo taiwanês Ang Lee, conta a história de sobrevivência no mar do jovem Pi. Irrfan Khan faz o papel de Pi adulto. Em uma cena tocante, o personagem vivido por Khan conta sua aventura e reflete: “Suponho que, no final, toda a vida se torne um ato de deixar ir, mas o que sempre dói mais é não reservar um momento para dizer adeus”.

A LANCHEIRA DO AMOR (THE LUNCHBOX, 2013)
O que marmitas e o amor podem ter em comum ? Tudo. Em A Lancheira do Amor, Irrfan Khan encarna Saajan Fernandes, um funcionário público prestes a se aposentar, com uma vida tediosa. Ele começa a receber, por erro, marmitas de Ila Vaid (atriz Nimrat Kaur), dona de casa em um casamento infeliz. O serviço de entrega de marmitas em Mumbai é uma tradição absoluta é conhecido como quase infalível. Mas no filme, o sistema falha para dar espaço a um relacionamento amoroso por meio de bilhetinhos. Assim, os dois começam a sonhar com outras vidas. Dirigido por Ritesh Batra, o filme teve grande sucessso internacional.

Veja o trailer:

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por Anders Noren

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