
A obra “Páginas Verdes de Uma Imprensa Marrom”, disponível também em formato e-book pela Amazon, produzida pelo historiador Vinícius da Silva Ramos, chama a atenção de início por sua capa, que traz jornais como plano de fundo e remete à utilização de periódicos impressos como fontes históricas para tratar a perspectiva integralista que emergiu no contexto político brasileiro da década de 1930. Para isso, o autor opta em seu trabalho pela adoção de dois jornais, que apesar do mesmo período de atuação, tomam posições diferentes na abordagem da Ação Integralista Brasileira (AIB): O Jornal e o Correio da Manhã.
Em sua seção introdutória, Ramos apresenta ao leitor o desenvolvimento e o percurso do seu trabalho acadêmico e que teve como produto final esta presente obra. Nesse sentido, o autor reflete seu esforço de estabelecer uma relação dialética do integralismo e da imprensa. Entretanto, não é ignorado pelo mesmo o intento em situar seu objeto de pesquisa ao contexto internacional e nacional. Desse modo, é levado em consideração pelo autor o período entre guerras, marcado pela ascensão dos regimes totalitários no continente europeu e a crise do modelo liberal.
Em âmbito nacional, Ramos remete à Revolução de 1930, e a uma ruptura política caracterizada pelo abandono gradual da hegemonia das oligarquias estaduais que marcaram a Primeira República. É nesse vácuo que emergem grupos radicais ávidos por ocuparem essas lacunas de poder com a promessa de uma suposta renovação da ordem vigente, dentre tais a AIB.
Ainda em sua introdução, o autor apresenta a organização do seu livro em três capítulos. Em seu primeiro capítulo, Ramos indica seu objetivo de fazer uma breve análise da AIB, assim como a trajetória dos dois já citados periódicos que cobriram o movimento integralista no Brasil. No segundo capítulo, é destacada sua pretensão de analisar os jornais escolhidos e problematizar a forma que tais veículos de informação abordavam uma mesma notícia ou evento, no qual a AIB estava envolvida, até o episódio da “Revoada das Galinhas Verdes”, ocorrida no ano de 1934. No terceiro e último capítulo, tendo o ano de 1935 como ponto de partida, o historiador aponta seu intento de analisar como O Jornal e o Correio da Manhã cobriram as ações integralistas até 1938, o ano do seu fechamento total.

Logo na introdução do capítulo inicial, o autor inicia uma breve análise sobre os estudos historiográficos acerca da imprensa. Para isso, ele traz para a discussão algumas referências internacionais sobre o tema, como Benedict Anderson, Robert Darnton, Jürgen Habermas e José Carlos Mariátegui. De forma geral, os personagens listados trazem à luz da discussão questões complexas como a expansão capitalista na área da imprensa, os impasses dentro de uma redação até o momento em que as notícias são difundidas para o seu leitor, a relação desses jornais com o seu público, a sistematização da evolução da imprensa jornalística no continente europeu, e até a impossibilidade do caráter imparcial e neutro do que é veiculado por esses registros escritos.
É notável, igualmente, o destaque dado por Ramos aos estudos sobre a imprensa desenvolvidos no campo historiográfico brasileiro. Nesse sentido, são apresentadas obras como as de Nelson Werneck Sodré, Ana Luíza Martins e Tânia Regina da Luca, onde são ressaltadas discussões que norteiam a atuação dos dois jornais analisados em suas coberturas sobre a AIB. Por exemplo: a relação entre o desenvolvimento/modernização da imprensa com o período do avanço industrial do início do século XX, o estabelecimento da imprensa burguesa caracterizado pela contribuição de agências estrangeiras, a instalação da imprensa empresarial e sua adaptação à velocidade ditada pelo mundo moderno. No que se refere a essas questões apresentadas por esses teóricos, o autor consegue com êxito resgatá-las nas análises dos conteúdos noticiados pelos periódicos acerca da atuação das ações integralistas na década de 1930.


No decorrer do capítulo, após pontuar a trajetória de O Jornal e do Correio da Manhã de sua fundação até o seu estabelecimento como notáveis veículos de informação dentro da imprensa nacional, destacando o protagonismo de Assis Chateaubriand e Edmundo Bittencourt, respectivamente; o autor ressalta a contribuição do jornalista Samuel Wainer para o entendimento da constituição da imprensa naquele período. Com a legitimidade conferida por Ramos a uma testemunha da época, o trabalho de Wainer complementa nosso entendimento de como se davam as relações de O Jornal, de Chateaubriand, com grandes empresários e banqueiros, e a complexidade das relações de poder entre a imprensa e os governo vigente. Vale ressaltar que o estabelecimento de relações entre diferentes órgãos e/ou instâncias de poder é uma característica constante nessa obra.
Na seção seguinte, o autor remete a um quadro mais teórico acerca dos conceitos de “Fascismo”, tendo como finalidade sua correspondência à atuação do movimento integralista. Para isso, o leitor é advertido para a complexidade do conceito, e são oferecidas as definições de Francisco Falcon, Fernando Rosas, Leando Konder e José Carlos Mariátegui. Através dessas contribuições teóricas, Ramos apresenta as principais características dos regimes fascistas (intervenção na economia, anticomunismo, nacionalismo, investimento em propaganda visando um “consumo dirigido”), além da sua melhor recepção dentro das classes médias urbanas, e sua necessidade de constituição dentro de um contexto marcado pelo caos e carecido de projetos de reconstrução.

A partir desse quadro conceitual, e levando o leitor a perceber como o fascismo inspirou o integralismo, o autor remete a trajetória de Plínio Salgado e a fundação da AIB, no ano de 1932. Uma nova discussão historiográfica é desenhada acerca da emergência do movimento integralista brasileiro. Nesse sentido, tendo como referência os trabalhos de Rosa Maria Feiteiro Cavalari, Gilberto Vasconcelos, Ricardo Benzaquen de Araújo, Hélgio Trindade, José Chasin e Natália dos Reis Cruz; esta obra reforça as características da AIB no sentido dos esforços de padronização das atitudes dos seus militantes; da sua organização, estrutura, ideologia, práticas e ritos; do seu corporativismo, e do seu caráter racista e antissemita.
O tratamento da relação entre imprensa e integralismo é resgatado no segundo capítulo, onde Ramos leva às abordagens difundidas por O Jornal e pelo Correio da Manhã sobre as ações na qual a AIB estava envolvida diretamente na década de 1930. De forma objetiva, o autor indica as tendências adotadas por estes periódicos. Enquanto O Jornal ignora os episódios de violência em que os integralistas estavam envolvidos e assina linhas de elogios ao movimento de extrema direita; o Correio da Manhã opta pelas sátiras, ridicularizações e críticas aos “camisas-verdes”. Seguindo essa lógica, o autor indica o jogo de interesses políticos que envolvem o jornal de Chateaubriand, no qual é evidenciado seu intuito de não desgastar a imagem da AIB. Nesse sentido, o autor consegue de forma exitosa relacionar o quadro teórico dos estudos historiográficos sobre a imprensa, traçado no capítulo inicial, com o objeto de pesquisa que desenvolve em sua obra.

Em sua abordagem acerca das perspectivas distintas adotadas pelos dois jornais, o autor desenvolve o conceito de “pacto com o leitor”, no qual ele sugere uma espécie de acordo espontâneo entre o jornal e o leitor. Em outras palavras, ao adotar um posicionamento padrão, cada periódico vai consolidando seu respectivo público que passa a consumir as notícias do jornal que mais se identificam com sua própria ideologia e comportamento.
Esta tendência adotada por cada jornal é descrita detalhadamente pelo autor, até mesmo quando ela é rompida. É o caso do ataque a O Interventor por jovens que alegavam ser integralistas, em março de 1934, quando O Jornal adota um posicionamento crítico contra a atitude do grupo. No que se refere a esta mudança de perspectiva, Ramos sugere de forma indireta que a solidariedade para com os “colegas” de imprensa prevaleceu sobre o tom de proteção que predominava em O Jornal em relação aos integralistas.
Este episódio é revelado como uma constatação da complexidade da relação dialética entre a imprensa e a AIB, tanto que não tarda para que o periódico retomasse seu caráter protetor acerca das notícias tratadas como denúncias pelo Correio da Manhã. Esta abordagem é mantida na sequência do capítulo e, inclusive, é revelado através da contribuição do já citado Waimer a aproximação de Chateaubriand com a AIB e seu comportamento intransigente, o que sugere uma possível incompatibilidade entre sua posição a dos seus funcionários.
Na seção seguinte, é tratado por Ramos a forma que os dois jornais abordaram o evento da Batalha da Praça da Sé, denominado também como “A Revoada das Galinhas Verdes”, e sua repercussão. Após este evento temos um maior enfoque nessa obra para os comunistas e antifascistas, que passam a ser elencados pelos jornais analisados como um “inimigo em comum”. O autor chama a atenção para a manutenção da característica protetora de O Jornal em relação ao grupo de extrema direta, o que pode ser evidenciado pela abertura dada pelo periódico para Plínio Salgado apresentar sua versão sobre os acontecimentos que envolvem seus seguidores integralistas.
Além disso, é ressaltado uma mudança no modus operandi do Correio da Manhã, que passa a ter regularmente nos artigos de Custódio de Viveiros discursos simpáticos com as ações da AIB. Buscando respostas para esta diferença na abordagem sobre os integralistas, o autor pontua a rivalidade com os comunistas, a partir do episódio da “revoada” como fator responsável por esta aproximação inesperada do periódico com o partido dos “camisas-verdes”.
No terceiro e último capítulo de sua obra, o autor tem como partida o ano de 1935 e é mantida a análise das fontes acerca da cobertura das ações integralistas no Brasil. É seguida a tendência apresentada nas última seção do capítulo anterior, onde ambos os jornais tinham em suas páginas uma ferramenta de apoio e difusor da voz das principais lideranças da AIB. Esta questão é evidenciada no tratamento documental realizado pelo autor, onde a presença de personagens como Plínio Salgado e Gustavo Barroso torna-se mais frequente.

Ainda assim, enquanto observa a continuidade do tratamento dado por O Jornal, no que se refere ao Correio da Manhã, Ramos observa que esta abordagem varia entre declarações de simpatia aos integralistas e edições mais críticas, o que evidencia um conflito ideológico no interior da sua redação. Nesse sentido, O Jornal dedica inúmeras edições para tratar as rusgas entre a AIB e o ministro da guerra Góes Monteiro, e adotando postura parcial, concede regularmente o espaço para as lideranças integralistas fazerem suas críticas (à Lei de Segurança Nacional, por exemplo) e ameaças, e destilarem suas posições racistas e antissemitas. Segundo o autor, é notável o crescente aparecimento do integralismo nos jornais naquele período.
Enquanto é destacada a blindagem de O Jornal e de Chateaubriand ao grupo de extrema direita, o autor apresenta um episódio decisivo para uma nova mudança de abordagem e perspectiva adotada pelo Correio da Manhã. Esse episódio foi a vingança tramada pelos integralistas contra guardas municipais em fevereiro de 1935. Para Ramos, este acontecimento, no qual os integralistas estão envolvidos, é um acontecimento-chave para que, assim como os comunistas do evento da Praça da Sé, os “camisas-verdes” passem a ser tachados pelo periódico como “extremistas” e “desequilibrados”.
A seriedade metodológica do autor pode ser constatada na atenção que o mesmo dá para o que foge do padrão adotado pelos jornais na relação com o movimento integralista brasileiro. É o caso da abordagem de O Jornal acerca do episódio violento ocorrido em Petrópolis numa passeata organizada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), na qual ambos os jornais, diferente de outros eventos, não pouparam os integralistas e os responsabilizaram pela violência do fato.
Na segunda seção desse terceiro capítulo, Ramos apoia-se sobre o tempo histórico posterior ao golpe do Estado Novo, no qual a AIB foi extinta e substituída pela Associação Brasileira de Cultura (ABC). Entretanto, o autor persiste no seu exame minucioso sobre a abordagem dos dois periódicos acerca da radicalização das ações organizadas por aqueles que não digeriram o fechamento da AIB, o “putsch”, que foi prontamente reprimido pelo governo de Getúlio Vargas. Nesse sentido, considerando o “pacto com o leitor”, o autor observa como se delineia o tratamento não mais tão antagônico de O Jornal e do Correio da Manhã.
Em suma, enquanto o segundo reforça enfaticamente sua crítica que acompanha regularmente sua cobertura da AIB, o primeiro adota uma estratégia de crítica tímida que flerta com uma postura quase neutra de descrição de fatos. No que se refere a esta questão, Ramos destaca a benevolência de Chateaubriand em relação a Plínio Salgado, no qual o não-abandono do líder integralista atende ao público conservador que era leitor de O Jornal. Além dessas posições descritas pelo autor, não deixa de ser considerado pelo mesmo a atenção ao contexto político que se configurava a partir de 1938 com o Estado Novo. Seguindo essa condição, é reforçado o alinhamento desses periódicos com a política de Vargas que segue gradativamente até à condição de uma exaltação e heroicização desse personagem da política nacional.
Por fim, em sua seção conclusiva da obra, Ramos atenta para a ameaça recorrente do violento e reacionário fascismo, alegando que a mesma foi marginalizada, mas não sepultada junto com a AIB de Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Seguindo suas considerações finais e realçando a proposta dialógica do seu material com os acontecimentos do presente, o autor reconhece a força que os jornais e a imprensa, de forma geral, têm na circulação e controle de informações.
Entretanto, não deixa de ser pontuado o condicionamento dos interesses forjados além das redações editoriais ,que definem o que é e o que não é impresso em suas páginas. Em suma, “Páginas Verdes de Uma Imprensa Marrom” é uma obra na qual seu autor conduz, sem manipulação de dados e informações, uma tendência que para o público parece oscilante no que se é veiculado e noticiado, mas que obedece, como descrito nesse material historiográfico, a uma relação de interesses estabelecidos entre a imprensa e o modelo político vigente.
Peter de Góes Garcia
Mestre em História Social pela UERJ, professor das redes pública e privada do Rio de Janeiro
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