O histórico acordo China-Irã no tabuleiro geopolítico asiático

Irã e China assinaram um acordo de cooperação histórico de 25 anos.  O presidente chinês Xi Jinping (esq.) e o presidente iraniano Hassan Rohani (dir.). Crédito: AFP

A pandemia congela e acelera os processos políticos e econômicos de forma assíncrona, mas não muda as regras do atual jogo geopolítico global. O Governo de Donald Trump , durante a uma disputa presidencial contra o candidato democrata Joe Biden e com uma gestão desastrosa da pandemia do Coronavirus , está determinado a radicalizar seus ataques contra a China em três níveis: segurança, tecnológico / comercial e discursivo. Nesse sentido, na quinta-feira, 23 de julho, o secretário de Estado Mike Pompeo fez a mais ousada jogada de xadrez ao anunciar ao mundo, e exortar aliados, a combater o perigo existencial representado pelo comunismo da China e suas ambições hegemônicas em escala global.

Ele fez isso na Biblioteca Presidencial Richard Nixon , na Califórnia. Paradoxalmente, foi o secretário de Estado de Richard Nixon, Henry Kissinger, que advertiu em seu livro “Sobre a China” que o pensamento estratégico ocidental é dominado pelo jogo de xadrez, onde o essencial é obter o controle da parte central do tabuleiro. A partir daí e concentrando a força, o objetivo é derrubar o rei . No entanto, Kissinger avisou, os chineses inspiram sua estratégia em outro jogo, o weiqi milenar (Go). Este jogo é muito complexo e consiste em 180 peças idênticas que se movem em 361 quadrados. Resumindo, seu objetivo é cercar seu oponente para limitar seus movimentos. O jogo, como espelho da vida, é tão complexo que fica difícil saber quem está ganhando e quem está perdendo. A partir desse jogo, Kissinger alertou sobre a coerência da política externa da República Popular da China de Mao Tse-Tung até os dias atuais, sob a liderança de Xi Jinping .

Em meio ao ataque do governo Trump contra a China e ao aumento da tensão bilateral entre a Índia e a China sobre as fronteiras conflitantes entre os dois países, o mais importante acordo de cooperação entre uma potência regional, o Irã e a China, ocorre em julho de 2020, na época da pandemia. Este acordo de cooperação histórico, de 25 anos, contempla: a) um plano de longo prazo de investimentos chineses em infraestrutura para modernizar a indústria no Irã, desde combustíveis fósseis, estradas, telecomunicações, portos (entre os quais o porto estratégico iraniano de Chabahar) a ferrovias, com foco na linha Teerã-Mashhad que se conectará com o Afeganistão e o porto seco de Khorgos, no Cazaquistão, completando o percurso do “Trem da Rota da Seda”; b) o aumento da cooperação financeira (investimentos estipulados em US $ 400 bilhões, dos quais US $ 228 bilhões serão do Asian Infrastructure Investment Bank – AIIB em inglês -), do qual o Irã faz parte desde a assinatura do acordo em 2016); e c) maior cooperação nos campos cultural, educacional, científico, jurídico, legislativo e militar, com ênfase especial na coordenação política na luta contra o terrorismo e exercícios militares conjuntos.

O arco geográfico que vai do Japão ao Oceano Índico é um dos focos de conflito global e a Índia é cada vez mais importante como uma peça no mapa geopolítico que inclui o Estreito de Malaca entre a Malásia e Cingapura, onde atravessa mais de 70% do comércio mundial de hidrocarbonetos. A iniciativa chinesa do Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima (BRI), como projeto eurasiano, contempla investimentos maciços em infraestrutura e seis corredores terrestres com rota marítima, que cruzam o região conturbada.

Crucial no Oceano Índico é o porto paquistanês de Gwadar, o ponto final do corredor terrestre China-Paquistão. Este corredor de aproximadamente 3.000 quilômetros foi anunciado pela o premiê Li Keqiang em sua visita ao Paquistão, em maio de 2013. Seu início é em Kashgar e ele chega ao porto de águas profundas de Gwadar, fazendo a conexão entre o cinturão econômico da Rota da Seda do Norte e a Rota da Seda marítima. No entanto, a menos de 200 quilômetros de distância, fica outro porto estratégico do BRI, Chabahar, no Baluchistão iraniano, peça-chave do xadrez geopolítico regional que a Índia tinha claros interesses.

Após a visita do presidente indiano Narendra Modi para o Irã em maio de 2016, foi assinado um acordo de US $ 585 milhões para desenvolver a infraestrutura portuária. Os acordos incluíram ainda um memorando de entendimento para a construção de uma ferrovia entre Chabahar e a cidade iraniana de Zahedan, próxima à tríplice fronteira com o Paquistão e o Afeganistão, que permitiria a este último país uma conexão marítima com o Oceano Índico.

O Ports Global Chabahar Free Zone (IPGL) da Índia assumiu a operação provisória de Chabahar em 24 de Dezembro de 2018, apenas um mês após a entrada em vigor de sanções unilaterais restabelecida pelo governo do Estados Unidos ao Irã . O porto de Chabahar ficou isento das sanções, pela dupla importância que este projeto teve tanto para o seu aliado indiano, quanto para o Afeganistão, prometendo ser uma atividade lucrativa para o governo indiano.

No entanto, o que parecia um grande negócio para a Índia, bem como um grande movimento geopolítico, desaparece em 2020. Em 14 de julho, o governo iraniano anunciou que dará continuidade à construção de uma ferrovia que ligará por conta própria o porto de Chabahar ao Afeganistão. Isso se somou a uma longa lista de desacordos que fizeram com que as relações comerciais entre os dois países diminuíssem, notavelmente em benefício das relações sino-iranianas.

Em 2017, a Índia reduziu suas importações de petróleo iraniano após atrasar o desenvolvimento do campo de gás iraniano Farzad B, no qual a Índia tinha participação desde 2008. O gasoduto Índia-Paquistão-Irã também teria sido paralisado por razões de segurança, assim como outros projetos de infraestrutura. A Índia também tentou reduzir sua dependência do petróleo iraniano, especialmente após o estreitamento das relações entre Modi e Trump, apesar do fato de suas importações de petróleo estarem isentas das novas sanções.

Diante desse cenário, não foi surpresa que o Irã privilegiasse a assinatura de acordos de longo prazo com parceiros comerciais que não tinham compromissos anteriores com os Estados Unidos e para os quais a dependência energética era um fator chave. Paradoxalmente, o recente acordo China-Irã é resultado de longas negociações iniciadas em janeiro de 2016, após a visita de Xi Jinping a Teerã, no mesmo ano da visita de Modi. Após a entrada em vigor do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) entre o Irã e o grupo P5 + 1, muitos países aproximaram-se do Irã para normalizar suas relações e negociar investimentos principalmente no setor de energia. Mas depois de quatro anos, e especialmente após a nova imposição de sanções por Trump, apenas a China, e mais tarde a Rússia, foram capazes de finalizar um acordo estratégico viável e independentemente da pressão dos EUA.

O acordo teve críticas dentro do Irã. Do ex-presidente Ahmadinejad ao, no exílio condenou o acordo, afirmando que a soberania do país estava sujeita a uma potência estrangeira. No entanto, o governo de Hassan Rouhani defendeu o acordo como única saída da pressão exercida pelos Estados Unidos, que sufoca a economia iraniana e que apenas marca a continuidade da política de “olhar para o Leste” que o país vinha desenvolvendo desde o década anterior.

Do ponto de vista estratégico, esse acordo reforça a posição do Irã dentro da iniciativa do BRI, mas não altera a estratégia chinesa na região do Golfo Pérsico, que sempre foi orientada pelo benefício econômico-comercial e não pelo político-estratégico. No quadro geopolítico, esse acordo faz parte de um realinhamento de atores eurasianos, com o fortalecimento do BRI e o deslocamento da Índia como parceiro comercial iraniano. O movimento da China certamente afetou o pilar indiano de conectividade de sua economia no contexto do Oceano Índico, como indica o Weichi, limitando seus movimentos. Esse movimento consolida a posição da China na região, no contexto de seu confronto global com os Estados Unidos.

Fonte: Texto originalmente publicado em espanhol no site Perfil.
Link direto: http://bit.ly/perfil-historicoacuerdoChinaIran

Javier Vadell
Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Luciano Zaccara
Professor-pesquisador da Qatar University

Tradução do espanhol para o português: Alessandra Scangarelli Brites

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por Anders Noren

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