
Que tal um menu de filmes clássicos para entender um pouco mais a Índia Rural e seus desafios? Afinal de contas, a Índia é uma das últimas sociedades rurais do mundo. Cerca de 70% de seus 1,3 bilhão de habitantes vivem no campo. A agricultura é a principal fonte de renda direta e indireta para 70% dos indianos.
Nas últimas semanas, cenas de agricultores acampados nos arredores de Nova Delhi, a capital indiana, viralizaram nas redes sociais. Eles protestam contra reformas que desregulamentam mercados agrícolas. Os agricultores sempre fizeram parte de imaginário dos Indianos — na literatura, nas artes e no cinema. A produção cinematográfica do país é repleta de filmes que mostram a vida no campo. Aqui estão alguns grandes filmes sobre o assunto.

Do Bigha Zamin (“Dois acres de terra”)
Um marco no cinema independente da Índia, o filme conta a história do camponês Shambu Mahato, que vive com sua esposa Parvati e o filho Kanhaiya em um pequeno vilarejo atingido pela seca. Endividado, ele acaba sendo obrigado a migrar para Calcutá, a capital do estado onde vivia, para trabalhar como puxador de riquixá-bicicleta. Inspirado no neo-realismo italiano, esse filme foi lançado em 1953 na Índia e em outros países, como a então URSS e China.
O diretor Bimal Roy (1909–1965) baseou-se em um poema escrito em bengalês pelo prêmio Nobel de Literatura indiano Rabindranath Tagore (1861-1941). O filme, com os atores Balraj Sahni e Nirupa Roy, espelhou-se em uma grande obra do cinema mundial: o clássico “Ladrões de Bicicleta” (1948), do italiano Vittorio De Sica. “Do Bigha Zamin” pavimentou o caminho para o surgimento dos Movimentos Neo-realista Indiano e a Nova Onda Indiana nos anos 50. Uma das músicas do filme, “Dharti Kahe Pukaar Ke” (“A terra está me chamando”) foi inspirada em uma marcha do Exército Vermelho da então União Soviética.
Mother India (Mãe Índia)
Um dos filmes mais icônicos do país, lançado em 1957, durante à chamada Era da Bollywood Socialista. Apenas 10 anos após a independência do Império Britânico, o diretor Mehboob Khan faz história com esse épico dramático monumental, sobre uma camponesa indiana (a personagem Radha é encarnada pela grande atriz Nargis) e seus dois filhos.
Trata-se ao mesmo tempo de uma retrato das agruras da Índia Rural, mas também sinaliza mudanças do papel da mãe no cinema: nesse filme, ela é uma mulher nada subserviente ou dependente de seu marido. Ao contrário, Radha é forte, decidida e cria sozinha os filhos, enfrentando a miséria humana e material em uma sociedade patriarcal.
O termo “Mother India” tem sido definido como ícone da nação indiana emergente em meados do século 20. Esse filme já foi analisado — e continua sendo — por especialistas em cinema indiano. O personagem Radha é identificado com várias deusas da mitologia hindu, como a própria Radha (companheira de Krishna, personificando amor e romance), Sita (a heroína divina do épico Ramayana), mas há quem a associe a Durga e Kali, as ferozes deusas guerreiras.
Naya Daur (“Nova Era”)
Lançado em 1957, tem como trama a luta do homem contra a máquina. Shankar (representado pelo grande ator Dilip Kumar) é um simples tongawallah, ou seja, ele dirige uma carroça. Shankar trava uma disputa com o amigo Krishna, um lenhador. Os dois amam a mesma mulher. A disputa acaba sendo entre a carroça e um ônibus nessa aldeia do interior da Índia, simbolizando os conflitos sociais gerados no processo de modernização do país que mal saíra de séculos de colonização. “Naya Daur” inspirou Aamir Khan em “Lagaan“ (2001), nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro naquele ano.
Upkar
O filme conta a história de um camponês do interior da Índia chamado Bharat, que se sacrifica para educar Puran, o irmão mais novo, sonhando com um futuro melhor para a família. Uma fábula de coragem e patriotismo, o filme foi dirigido por Manoj Kumar e lançado em 1967. Mas Puran, que vai estudar no exterior, volta egoísta e exige a sua parte na propriedade.
Kisaan (Agricultor)
Disponível na plataforma Netflix, esse filme, lançado em 2009 e dirigido por Puneet Sira, é um thriller de ação de Bollywood. Tem como foco o fenômeno dos suicídios de agricultores endividados na Índia. O agricultor viúvo Dayal Singh, que vive no interior do país, testemunha a exploração dos agricultores pelos donos das terras. Ele decide que seu filho Aman vai estudar em uma cidade grande, esperando que ele se torne um advogado. Mas seu filho mais novo, Jiggar, ficou com Dayal para ajudá-lo nos trabalhos agrícolas.
Peepli Live
Um dos filmes mais interessantes e criativos filmes da chamada Nova Bollywood, “Peepli Live“ (2010) é uma comédia dramática que aborda o tema dos suicídios dos agricultores indianos que se afogam em dívidas. Mas o filme vai além e revela a fome de notícias sensacionalistas da mídia indiana, que invade um vilarejo no interior da Índia para cobrir o caso de um agricultor que promete publicamente se suicidar, com o objetivo de salvar sua família endividada. Produzido pelo genial Aamir Khan, o filme foi escrito pela própria diretora, Anusha Rizvi, e conta com atores de primeira linha, como Naseeruddin Shah e Nawazuddin Siddiqui.
Fonte: Texto originalmente publicado no Beco da Índia.
Link direto: http://becodaindia.com/seis-filmes-para-conhecer-a-india-rural-e-os-desafios-nas-vidas-de-seus-agricultores/
Florência Costa
Jornalista brasileira, escritora e curadora cultural. Ela edita o Beco da India e é cofundadora da plataforma BRiC Street. Costa já foi correspondente de jornais e rádios em Moscou (Rússia), Mumbai e Nova Delhi (Índia). A partir de 2006, Costa trabalhou na Índia como correspondente do jornal O Globo. Em 2012 voltou a viver no Brasil, onde trabalha como jornalista. Lançou, em outubro de 2012, o livro Os Indianos (Editora Contexto). Ela ministra palestras e seminários sobre Índia no Brasil e é cofundadora do Bloco Bollywood, o carnaval de rua da comunidade indiana em São Paulo
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