
O fenômeno Idol não é novidade na Ásia. A aparição de garotas em idade escolar, que dançam e cantam pop romântico, são eventos cada vez mais corriqueiros, e que atingem diversos sujeitos. No Japão, o fenômeno Idol criou um núcleo social de homens adultos, dentre os 25 a 50 anos, que idolatram crianças e adolescentes, que atrelam a “pureza feminil” a indústria cultural. Porém, a grande pergunta é: como surgiu este cenário?
Segundo a cineasta Kyoko Miyake, em seu documentário “Tokyo Idols” (2017), este fenômeno aparece com furor na década de 1990, quando a sociedade japonesa enfrentava uma de suas maiores crises econômicas, geradas pelo estouro da bolha econômica. Este episódio de decadência da economia japonesa foi resultado da crise financeira e imobiliária, em que os preços do último setor ficaram inflacionados. Com o crescimento econômico possibilitado pelo período posterior a 1945, e os investimentos em tecnologia e bens de consumo, o Japão desenvolveu-se rapidamente. No entanto, com o estouro da bolha, o país passou pelo que se considera a Década Perdida, de 1986 a 1991, onde a economia começou a desabar e inflacionar, gerando sensação de derrota e desespero dentre o governo e civis.
Para a Kyoko Miyake, enquanto a Inglaterra, durante a década de 1970, deu luz a banda punk Sex Pistols, resultado dos tempos de crise, o Japão fez o mesmo na década de 1990, criando o gênero Idol. Suas músicas românticas e pops encorajadores, tentam trazer a segurança para seus fãs, além do sentimento de que todas as crises e dificuldades tem fim. Assim, os homens em idade adulta são levados a acreditar na superação de todos os seus problemas, sejam eles financeiros, sexuais, sociais ou amorosos.

Com o desenvolvimento do capitalismo e o florescimento da indústria cultural nos ramos da música, games e veículos midiáticos, o fenômeno idol interrelacionou-se com a internet, os mangás e animes, levando meninas e crianças a não só investirem no campo musical, como também se assimilarem a personagens fictícios. Explorando suas qualidades infantis e ingênuas, as garotas em idade escolar, tornam-se ídolos a serem seguidos e apreciados, sem que haja filtros por parte de seus seguidores, que as perseguem onde quer que vão.
Em “Tokyo Idols”, Kyoko Miyako explora questões como capitalismo, sexualização infantil e adolescente, além de problemas sociais e interpessoais. As garotas escolhidas como idols são cobradas por adultos que requerem que estas sejam cada vez mais puras e acriançadas, em dissonância ao seu desenvolvimento físico e mental. Suas características são infantilizadas, assim como seus gostos e vestimentas coloridas, que precisam chamar a atenção dos fãs masculinos. Como a carreira das artistas precisa ser explorada ainda em idade pueril, sua fama é curta e encerra-se quando estas chegam à maioridade. Além de cantar, as idols encenam em programas e atividades públicas, dentre a televisão e a internet, comprometendo muitas vezes seus estudos, ensino universitário e até sua vida pessoal.
Embora submetidas a uma cultura machista, onde homens em idade adulta desfrutam de seus produtos e apresentações, as idols sentem-se donas de seu próprio caminho e escolhas, superando também seus próprios problemas. Assim, segundo a jornalista Minori Kitahara, entrevistada em “Tokyo Idols”, este é um dos poucos momentos em que as mulheres, dentro da sociedade patriarcalista japonesa, sentem-se verdadeiramente ativas e livres para seguir seus sonhos e desejos. Como o sufocamento das figuras femininas ainda é extremamente parte da cultura japonesa, as idols acreditam subverter este cenário, aparecendo cada vez mais na mídia, sendo protagonistas na televisão e música pop, além do espaço midiático.

Seu público, em contrapartida, homens solteiros em idade adulta, encontram-se arruinados física, psicológica e financeiramente. Quase sempre frustrados, estes homens desanimam-se da vida profissional e romântica, procurando por algo que sirva de motivação e traga superação. Assim, enquanto em “Tokyo Idols” é explorada a carreira de Rio, uma adolescente ídolo de 19 anos, é mostrado Koji, um homem solteiro de 43 anos, que dedica sua vida a seguir a idol aonde quer que vá. Dentre suas falas no documentário, Koji mostra-se consciente de seus malogros pessoais, no entanto, afirma: “Não quero me tornar uma idol, mas fracassei em tantas coisas…”, “Talvez elas estejam conquistando o que não pude”.
Kyoko Miyake utiliza-se da indústria de idols para explicitar os problemas culturais sociais japoneses, que foram desenvolvidos histórica e economicamente. Para tanto, aponta que, enquanto há o desabrochar de uma cultura feminil infantil, extremamente explorada e sexualizada, existe, em contraponto, uma camada de homens frustrados e timidamente desenvolvidos, incapazes de serem reintegrados na sociedade. Assim, o capitalismo desenfreado além de gerar a capitalização de adolescentes e crianças, erotizadas, lucra com a exploração mental e física de adultos, desclassificados na sociedade onde vivem.
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