Golpe fascista no Brasil: novidade ou repeteco?

Alguns membros da Ação Integralista Brasileira posam ao lado da bandeira do movimento. Plínio Salgado é o terceiro da esquerda para a direita. Crédito: reprodução toda matéria.

Diferentemente do caso dos comunistas em 1935, a rebelião dos integralistas não recebeu tanta atenção quanto deveria dos pesquisadores brasileiros. Relegado a um segundo plano, o movimento insere-se como apenas um capítulo dentro da história do Estado Novo. Entretanto, tanto quanto seu congênere à esquerda, o putsch integralista serviu para justificar a já enorme repressão que Vargas dispensava à oposição, dessa vez do outro lado do espectro político. O clima de repressão já se instalara no país com mais contundência desde novembro de 1937, quando da decretação do Estado Novo.

Apoiado sob a falsa justificativa da existência de um plano de ataque comunista contra o Brasil – o Plano Cohen -, Vargas havia desencadeado uma onda de ataques à oposição e fechamento de partidos. O caso da Ação Integralista Brasileira não foi diferente, tendo sido obrigada a substituir seu nome por Associação Brasileira de Cultura, mas obviamente sem sofrer com as mesmas agruras que a esquerda brasileira estava submetida. Entretanto, essa distinção inicial de tratamento dispensado aos integralistas não foi suficiente para conter os ânimos mais exaltados dentro do movimento, fazendo com que os planos para um golpe que tirasse Vargas do poder ganhassem cada vez mais força até tornarem-se uma materialidade.

Um primeiro movimento foi organizado para março de 1938, mas foi frustrado devido a falhas de comunicação entre os revoltosos, e sequer motivou alguma repressão mais ostensiva, com a prisão apenas do tenente Francisco de Assis Hollanda Loyola e do capitão Carlos Faria de Albuquerque. Dessa forma foi possível a prisão dos proprietários de duas transportadoras que faziam a distribuição de material integralista, tudo isso revelado pelo então diretor dos Correios. Segundo o relato do almirante Jatir de Carvalho Serejo, essa rebelião teve como resultado apenas a prisão de alguns marinheiros que faziam plantão na ilha das Enxadas, além do roubo de algum material bélico, transportados em uma lancha também apropriada à Marinha.

Essas prisões, entretanto, não impediram que em maio do mesmo ano, os camisas-verdes e outros opositores se reunissem e atacassem guarnições militares, uma rádio e o próprio Palácio Guanabara. Contando com o apoio de militares da ativa, o levante pretendia prender Vargas e tomar os principais quartéis do Distrito Federal para instalar uma junta governativa. Apesar da expectativa da participação de centenas de pessoas, o putsch foi rapidamente debelado pelas tropas leais a Vargas e pela resistência da guarda pessoal do presidente junto de alguns parentes presentes no Palácio no momento da tentativa de golpe.

O levante de maio foi sem dúvida mais efetivo do que o ensaio de março. De fato, houve confrontos entre os militares leais a Vargas e os revoltosos, resultando em baixas de ambos os lados. No mesmo dia dos eventos a liderança militar do putsch já estava presa, nas figuras dos generais Bertoldo Klinger e Castro Júnior, além do capitão Presser Belo. Caberia a esses militares a chefia da junta governativa que assumiria o poder em caso de vitória do levante. Além disso, outra cabeça do movimento estava acautelada no hospital onde se encontrava ferido: o tenente Arnoldo Hasselmann. Na Aeronáutica, o diretor, capitão Eduardo Gomes relatava a tentativa do capitão Presser Belo em aliciá-lo para o movimento, o que fora prontamente recusado, segundo informações do próprio Gomes.

O assédio aos militares leais ao governo não se deu somente nas propostas de participação, mas também no ataque a residências desses oficiais. Foram presos militantes integralistas que tinham como objetivo principal impedir a saída desses homens para o comando da resistência ao golpe. O caso mais emblemático foi o do ataque ao apartamento de Góis Monteiro, que misturou cenas de ação com comédias de baixo orçamento, ao falhar a invasão do mesmo devido à impossibilidade de arrombar uma porta.

Outro fato a ser destacado é a relativa liberdade em que atuaram os integralistas após o golpe do Estado Novo, enquanto supostamente apenas o caráter cultural da AIB poderia manifestar-se, ou seja, durante a vigência da Associação Brasileira de Cultura. Inúmeros conflitos foram noticiados entre a polícia e militantes integralistas neste momento, com ampla participação de militares, que apesar da proibição de manifestação política, seguiam recalcitrantes em abandonar o fascismo. Inclusive, material bélico era constantemente desviado dos arsenais militares para campos de treinamento clandestinos, tudo isso sob a precária vigilância do Exército, que viu muito de seu material ser usado contra si mesmo. Dessa forma, a estrutura e a hierarquia das Forças Armadas ia sendo utilizada para construir um movimento paralelo, onde estes militares construíam relações de confiança para a organização do putsch.

Ao ser atacado em um intervalo de menos de três anos por correntes políticas tão distintas, Vargas colocava-se como a personalidade política que representava o equilíbrio em detrimento dos chamados extremismos. Por mais que a rebelião tenha contado com a presença de membros da oposição chamada liberal, a propaganda do Estado Novo acabou por consagrar o movimento como sendo essencialmente integralista. Isso obviamente contribuía para a idealização de Vargas como o único que poderia gerar tranquilidade institucional em meio às “intentonas”. Ao fazermos um balanço do putsch de 1938, podemos tirar algumas conclusões.

Apesar da pouca documentação disponível, Hélio Silva indica que a rebelião de março seria efetivada somente por pessoal ligado ao integralismo, e que seu fracasso acabou aproximando estes dos opositores tradicionais de Vargas, como Flores da Cunha. A participação de militares no levante foi enorme, tendo sido grande parte do efetivo rebelde formado por homens da caserna, alguns filiados à AIB e outros somente inconformados com a decretação do Estado Novo. Houve também infiltração dos revoltosos nas forças auxiliares, com policiais militares tomando parte nos assaltos, além de investigadores da polícia política, como o aspirante Soter. O fracasso na estratégia de capturar líderes militares fiéis a Vargas foi ponto fundamental para o fracasso do putsch, pois a cada missão que falhava, mais pessoas eram avisadas do levante.

A repressão ao movimento levou ao processo de centenas de pessoas, chamando atenção para o fato de que mais participantes foram indiciados em 1938 do que na revolta comunista de 1935. A imensa maioria dos militares sofreu sanções administrativas e foram reformados, mas sem o prejuízo da expulsão sumária. Por fim, destaca-se a polêmica ainda não debelada sobre a execução de alguns dos revoltosos por ordem de Benjamin Vargas e Dutra, que teria ocorrido nos fundos do palácio e levado à morte sete ou oito dos capturados pelas tropas “legalistas”.

Referências

BELLINTANI, Adriana Iop. Conspiração contra o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

BERTONHA, João Fábio. Integralismo: Problemas, perspectivas e questões historiográficas. Maringá: editora da UEM, 2014.

SILVA, Hélio. 1938 – Terrorismo em campo verde. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971.

RAMOS, Vinícius da Silva. Páginas verdes de uma imprensa marrom. São Paulo: Editora Ciências Revolucionárias, 2019.

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por Anders Noren

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