
O gênio Einstein escreveu, certa vez, que: “Tornou-se assustadoramente óbvia que a nossa tecnologia tenha excedido nossa humanidade”. Tanto o clássico “Blade Runner” (1982), dirigido por Ridley Scott, como a sequência “Blade Runner 2049″ (2017), levada a cabo por Denis Villeneuve, orbitam em torno dessa sentença, definindo o eixo moral de ambos os filmes. Há quem reclame das 2 horas e 47 minutos de projeção.
Porém, “B.D. 2049” não cansa ninguém, em especial se o espectador está pronto para, junto a adentrar este novo espaço ficcional, refletir sobre os dilemas da sociedade atual. Após seis anos de seu lançamento, esta obra prima, que já “nasceu” como um clássico, reflete ainda uma questão importante: a de que o diretor foi respeitoso e inteligente ao expandir o universo do filme original.
E se a sequência não tem o mesmo impacto do primeiro filme (cujo desenho de produção influenciou o cinema de ficção científica para todo sempre), aprofunda muito mais a discussão sob a destruição da humanidade, em pró de um mundo consumido pela hiperindustrialização, da completa e absoluta hegemonia das grandes organizações (as únicas figuras públicas mostradas nesse futuro – cada vez menos distópico – são policiais), dos limites éticos da ciência e dos direitos existenciais de seres que pensam, e sobretudo, sentem…

O filme percorre a contramão do postulado de Nietzsche para o “Homem do Futuro”, quase que negando-o, pois enquanto o filósofo alemão entendia o progresso material, científico e filosófico do homem como a liberdade da metafísica, os replicantes, conscientes de sua complexidade, procuram a “alma” em suas naturezas sintéticas para sentirem-se humanos. Como já visto em filmes como “Elysium” (2013), de Neill Blomkamp, a Terra torna-se um inferno em seu pesadelo ambiental. O filme só flerta com o tema, mas percebe-se que a elite planetária já se mandou daquele ambiente faz tempo.
A obra também aprofunda as referências bíblicas (presentes também no filme de 1982), ao proporcionar um “milagre” muito importante para a trama, mudando o destino de todo um povo (os Replicantes), escravo na sua maioria. Além disso, a onipresente chuva, dominante em toda a paisagem de LA, pode também ser encarada como uma espécie de dilúvio, que castiga a cidade dominada pela desumanidade e consumo desenfreado.
Um outro elemento que é melhor desenvolvido no filme é a tecnologia, tratada quase como algo metafísico, quase religioso. O personagem Niander Wallace (Jared Leto), mesmo sendo pouco desenvolvido, comporta-se como um Deus maquiavélico em relação “aos seus anjos”, os replicantes. Até a composição do personagem, sempre vestido em túnicas negras, lembra a postura de um padre ameaçador, diferente do “nerd” Tyrell (Joe Turkel) do primeiro filme.
A evolução tecnológica radical, sobretudo a inteligência artificial, ganha ares fantasmagóricos na aparição dos hologramas, e a personagem Joi (Ana de Armas) oferece algumas das passagens mais humanas do longa. A consciência que se expande e prescinde do corpo. A relação dela – o holograma Joi – e o replicante K (Ryan Gosling) oferece as passagens mais plenas de “humanidade” do filme. Além disso, ressalta a relação entre a tecnologia e a metafísica.
Harrison Ford faz outra entrada triunfal (assim como “Star War – episódio 7”) e sua presença dá novo fôlego ao filme. Ryan Gosling está ok. Sua expressão distante empresta credibilidade para o seu papel no filme. Mesmo assim, participa de uma cena tocante, que homenageia o filme de Scott primorosamente, estabelecendo uma rima narrativa (em relação ao primeiro filme) muito bem sacada.
Com direito a mesma, mesmíssima trilha de Vangelis, conduzida respeitosamente por Hans Zimmer. Aliás, respeito é certamente uma das grandes preocupações do filme. Ressaltar, ampliar, expandir o universo criado pela equipe de Ridley Scott. O filme é longo, mas nunca moroso. Deve ser interpretado e sentido, através de algumas das composições visuais mais arrebatadoras do cinema contemporâneo. E de quebra, nos faz pensar…
Fonte: texto originalmente publicado no site do O Beco do Cinema.
Link direto: https://obecodocinema.wordpress.com/2017/10/08/a-tecnologia-como-religiao-e-o-fim-da-humanidade-em-blade-runner-2049/
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