
A China “atingiu um estágio em sua história em que é hora de promover a prosperidade comum”, de alcançar uma distribuição mais equitativa da riqueza e, ao mesmo tempo, de elevar continuamente o nível de renda nacional. Portanto, a questão de como atravessar a “armadilha da renda média” e tornar-se um país de alta renda, é o assunto primordial para todos os setores no país e no exterior.
O Brasil, também um dos países BRICS, que uma vez criou um “milagre econômico” em meados do século 20, ainda não se tornou um país de alta renda. Quais são as implicações da experiência do Brasil para a China ao atravessar a “armadilha da renda média”? Celio Hiratuka, professor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do Grupo de Estudos Brasil China, concedeu recentemente uma entrevista exclusiva ao Serviço de notícias da China para explicar a questão.

O Banco Mundial introduziu o conceito de “armadilha da renda média” em 2007. Hoje em dia, o que é difícil para os países em desenvolvimento superar a “armadilha da renda média”?
O conceito de “armadilha da renda média” articula uma visão inerente na economia de que o
desenvolvimento econômico depende principalmente da mudança estrutural, um processo de transição de baixa para alta produtividade. Após o estágio primário, ou seja, a transição do domínio do setor primário para o secundário por meio de mão-de-obra barata, o próximo estágio de desenvolvimento é mais difícil e depende da introdução bem sucedida de um sistema industrial tecnologicamente mais superior e competitivo e de um sistema de serviços que esteja mais de acordo com a demanda do mercado.
Este processo é crucial para o aumento contínuo da produtividade e dos níveis de renda nacional. A “armadilha da renda média” refere-se às dificuldades enfrentadas pelos países que atingiram um certo nível de desenvolvimento e renda ao fazer a transição estrutural para uma economia que pode aumentar a renda nacional de forma sustentável. Esta transição é difícil porque os aspectos recursos humanos, tecnológicos e organizacionais estão se tornando mais difíceis de otimizar e romper em todos os níveis da empresa e da indústria. É precisamente esta transformação que pode impulsionar um país para além da “armadilha da renda média”.
Quais são as razões subjacentes ao fato do Brasil, que tem sido um país da renda média desde a década de 1970 e experimentou um rápido crescimento econômico no início deste século, ainda não estar entre os países de alta renda?
Entre os anos 30 até os 80, o Brasil foi um dos países de mais rápido crescimento no mundo, passando por profundas mudanças estruturais, deixando de ser um país agrícola e construindo um sistema industrial diversificado e infra-estrutura de apoio, ao mesmo tempo em que integrava importantes forças econômicas, como bancos de desenvolvimento e empresas estratégicas. Neste processo, a capacidade do governo de organizar a coordenação dos interesses públicos e privados tem desempenhado um papel decisivo.
Entretanto, a partir dos anos 80, a crise da dívida minou este modelo de desenvolvimento. Em um ambiente global onde as políticas econômicas neoliberais estavam sendo promovidas cada vez mais, o Brasil começou a “apostar” no neoliberalismo. O problema surge do fato de que o mercado não é capaz de “autotransformação” em uma situação altamente “livre”, e que é difícil “automaticamente” conseguir uma alocação ótima de recursos.
De fato, políticas de longo prazo para promover o crescimento do emprego e da renda, combinadas com políticas industriais, científicas e tecnológicas, são importantes para cruzar a “armadilha da renda média” e alcançar o desenvolvimento sustentável. Até hoje, o Brasil não tem sido capaz de resolver estes problemas, enfrentando velhos problemas de desigualdade e novos desafios de sustentabilidade ambiental.
Olhando para a experiência do Brasil, como você acha que a China deve se tornar um país de alta renda?
Em geral, o problema do Brasil reside na estagnação das reformas estruturais, ao mesmo tempo em que não garante que o benefício da transformação estrutural chegue a toda a população. A pobreza e a desigualdade na economia e na sociedade pioraram no Brasil nos últimos anos, e esta é uma lição importante para o país. Atravessar a “armadilha da renda média” requer a mobilização da mais ampla gama possível de forças sociais, beneficiando ao mesmo tempo toda a população.
No caso da China, o termo “características chinesas” é uma expressão de um modelo que não simplesmente copia a experiência dos países ocidentais desenvolvidos, mas insiste em desenvolver políticas que sejam apropriadas a suas próprias realidades. A longo prazo, a China vem enfatizando o papel da tecnologia e da inovação em seus planos de desenvolvimento, não apenas para cruzar a “armadilha da renda média”, mas para buscar o crescimento sustentável para toda a economia nacional e alcançar a “prosperidade comum”. Acredito que existem três pilares importantes para o desenvolvimento a longo prazo da China.
A primeira é a continuação da mudança estrutural e a promoção de maior produtividade, que depende de uma mudança qualitativa na estrutura da inovação e tecnologia. A segunda é a sustentabilidade ambiental, que também está intimamente ligada à mudança tecnológica, como novos desenvolvimentos energéticos, formas mais verdes de construir cidades e desenvolvimento de infra-estrutura digital. A terceira é a prosperidade comum, o que significa que os benefícios liberados pelas mudanças acima serão compartilhados por todos e as condições de vida das pessoas melhorarão em diferentes graus.
Em termos da situação global, quais são os fatores internacionais favoráveis e desfavoráveis que a China e o Brasil enfrentam ao se aproximarem das fileiras dos países de alta renda?
Globalmente, os governos e o setor privado em alguns países estão acelerando seu controle de tecnologias estrategicamente importantes como a Indústria 4.0 e a economia digital, o que também está acelerando o retorno do protecionismo. Desta forma, os riscos assimétricos entre países de alta renda e outros aumentarão, especialmente para aqueles países que não têm a capacidade de promover estratégias de desenvolvimento a longo prazo e ainda não estão bem integrados na globalização.
Os planos de desenvolvimento da China deixam claro que ela sabe quais desafios existem e, em grande parte, como lidar com eles. A China é agora líder mundial em várias tecnologias concorrentes. O Brasil, por outro lado, está relativamente atrasado em suas estratégias para lidar com os desafios acima mencionados.
Ao mesmo tempo, ao contrário dos países asiáticos, os países latino-americanos são suscetíveis aos modelos prontos de países desenvolvidos e algumas instituições multilaterais, que são soluções simples para problemas complexos, mas devem levar em conta fatores como as condições específicas de um determinado país em um determinado estágio de desenvolvimento. Pelo lado positivo, desde a pandemia, a recuperação global tornou-se ainda mais necessária através da cooperação entre os países, seja para fornecer produtos e serviços de saúde pública mais adequados, seja para fortalecer a infra-estrutura, acelerar a transição verde e melhorar a desigualdade. Isto tem o potencial de provocar uma mudança a longo prazo.
A China e o Brasil podem complementar os pontos fortes e fracos um do outro no processo de aproximação às fileiras dos países de alta renda?
A cooperação entre a China e o Brasil cresceu significativamente nos últimos 20 anos, com o
fortalecimento das relações econômicas bilaterais, incluindo o aumento do comércio, dos investimentos e do financiamento, assim como a crescente cooperação em fóruns internacionais ou dentro da estrutura dos BRICS. Mesmo assim, o potencial dos dois países para consolidar sua parceria estratégica abrangente e ir mais além continua elevado.
O desenvolvimento desta parceria está certamente ligado à diversificação das exportações brasileiras, ao crescimento dos investimentos produtivos chineses no Brasil, ao aumento da produção e das repercussões tecnológicas e ao aumento dos investimentos em infra-estrutura. Além disso, os dois países têm muitos interesses em comum em áreas estratégicas como energia, saúde, biodiversidade, recursos hídricos, agricultura e indústria 4.0, portanto, a cooperação científica e tecnológica nestas áreas também é crucial. É importante ressaltar que ambos os países são ricos em recursos culturais, o que é um ponto importante para aproximá-los.
Zhang Liwei e Wang Wanqi
Jornalista do Diário Chinês para a América do Sul
Tradução de Pan Luodan
Jornalista do Diário Chinês para a América do Sul
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