
A operação militar da Rússia contra a Ucrânia, lançada nas primeiras horas de 24 de fevereiro, estava prevista para o outono. No entanto, a data exata da invasão foi adiada várias vezes, pois o Kremlin claramente não queria uma guerra, muito menos uma guerra fratricida. Moscou pediu à OTAN garantias de segurança mínima e garantia dos direitos de milhões de falantes de russo que vivem no leste da Ucrânia. Vladimir Putin estava bastante satisfeito com o “formato do acordo de Minsk”, acordado em 2015. Depois que todos os desejos de Moscou foram ignorados pelo Ocidente, no entanto, o Kremlin acabou encontrando-se no papel de agressor, invadindo a Ucrânia – um país que está enfrentando problemas econômicos colossais.
No entanto, a posição de Moscou é muito fácil de justificar se olharmos para toda a situação através dos olhos dos russos, tanto das pessoas comuns quanto dos políticos. Na esteira do colapso soviético, as ex-elites comunistas da Ucrânia e também de outras repúblicas começaram a chantagear a Rússia, que passava por uma depressão econômica, exigindo de Moscou matérias-primas a preços preferenciais e bloqueando muitos fluxos logísticos com altas taxas , ao mesmo tempo em que começam a eliminar gradualmente a língua e a cultura russas em seus territórios.
Além disso, eles estavam fazendo tudo isso enquanto a Rússia assumia a obrigação de pagar toda a dívida externa herdada da União Soviética. Ao mesmo tempo, a nova Rússia tentava de boa fé tornar-se parte da Europa, negociar a sua integração na União Europeia e na Aliança do Atlântico Norte, a OTAN. Tudo o que conseguiu, no entanto, foi uma recusa direta e esforços para transformá-lo em um “adversário em potencial”. Estamos falando da ausência de sociedade civil e democracia na Federação Russa?
Se assim for, então o autoritarismo russo é o resultado da rejeição da verdadeira integração europeia da Rússia. Em meados dos anos 2000, as autoridades russas perceberam que não eram bem-vindas na Europa Unida, então começaram a gravitar em direção à cooperação com a China e começaram a consolidar seu poder. As “revoluções coloridas” na Sérvia, Geórgia e mais tarde na vizinha Ucrânia, os forçaram a reforçar seu controle sobre a sociedade civil e a oposição, que eles viam não como rivais políticos, mas como agentes do Ocidente.
Dito isso, a Rússia ainda não reivindicou o status real de uma grande potência. Tudo o que Moscou queria era negociar tranquilamente matérias-primas e hidrocarbonetos, desenvolver a economia, ser amigo da UE e dos EUA e proteger seus interesses básicos no espaço pós-soviético. Acima de tudo, salvaguardando os interesses das centenas de milhares de falantes de russo que vivem lá, que após a dissolução soviética transformaram-se em refugiados e residentes de “segunda classe”, privados de cidadania e do direito de falar sua língua nativa.
Os residentes russos da Ucrânia dificilmente podem ser chamados de “ocupantes”. Até o início do século 20 , a língua ucraniana, que era a espinha dorsal do esforço de construção da nação pelas novas autoridades ucranianas, era a língua de várias províncias centrais do país. A parte oriental – Kharkiv e Donbass, eram essencialmente regiões habitadas apenas por russos étnicos. Em meados do século XVIII, a região ucraniana do Mar Negro também era habitada exclusivamente por colonos russos que haviam recapturado esta terra dos turcos.
O russo tornou-se a língua franca de inúmeras comunidades nacionais – gregos, búlgaros, armênios e judeus, que viviam nesses territórios há séculos ou mudaram-se para lá nos séculos XVIII e XIX. No entanto, após a deposição do presidente Ianukovitch em 2014, a língua russa foi banida da mídia e dos órgãos oficiais. Simultaneamente, as autoridades pró-ocidentais do país iniciaram uma perseguição policial total a “ativistas pró-Rússia” – políticos que pediram diálogo com Moscou. Como resultado, Moscou foi forçada a retomar a Crimeia, que foi entregue à República Soviética da Ucrânia em 1954, já que 90% dos crimeanos eram falantes de russo e 80% eram russos étnicos. Foi a mesma razão pela qual a Rússia apoiou os separatistas em Donbass e passou os oito anos seguintes em negociações com o Ocidente e Kiev.
No entanto, Washington aparentemente acreditava que a Rússia não poderia ter nenhum interesse nacional. Os “acordos de Minsk” foram ignorados e a propaganda ucraniana estava atarefadamente criando a imagem de um inimigo, ao mesmo tempo em que destruía os laços amigáveis e familiares cortados pelas fronteiras estabelecidas em 1991. Ao mesmo tempo, apesar do flagrante descumprimento da Ucrânia com os padrões da OTAN, as perspectivas da sua futura adesão à Aliança tornava-se cada vez mais evidente.
Todos os pedidos de Moscou para interromper a expansão da OTAN para o leste foram ignorados. Além disso, sempre novas sanções foram impostas à Rússia, que estava sendo cada vez mais demonizada pela propaganda ocidental. Ao mesmo tempo, encorajado pelo poder dos Estados Unidos, Kiev ameaçou Moscou e repetidamente prometeu “limpar” Donbass dos separatistas. Isso significava um genocídio total da população de língua russa da região. A Ucrânia teve a oportunidade de encontrar soluções para a situação atual seguindo exemplos como o da Moldávia, cuja existência da não reconhecida República da Transnístria, existe há 30 anos, congelou o conflito local, salvando milhares de vidas humanas. No entanto, Kiev continuou a trocar tiros com separatistas ao longo da linha de retirada, como se quisesse provocar o Kremlin.
O resultado foi triste. Tendo reunido suas tropas perto da fronteira, Vladimir Putin, em seu discurso aos concidadãos, listou todas as reivindicações contra a OTAN e a Ucrânia, ao mesmo tempo em que fazia um relato da história da Ucrânia como Estado. Ele também mencionou violações do direito internacional por países ocidentais, como o bombardeio de Belgrado em 1999, a invasão do Iraque e o apoio ao terrorismo. Este último aviso também foi ignorado por Kiev. Vladimir Putin fez então outra declaração, curta, onde afirmou abertamente que, como a Rússia é o principal inimigo da OTAN, ela deve garantir a segurança de suas fronteiras. No momento em que ele falava, as tropas russas já estavam cruzando a fronteira ucraniana…
Fonte: Texto originalmente publicado em inglês no site da International Affairs.
Link direto: https://en.interaffairs.ru/article/russia-a-protector-or-an-aggressor/
T. Zima
Jornalista e colaborador para a Revista International Affairs do Ministério das Relações Exteriores da Rússia
Tradução – Alessandra Scangarelli Brites – Intertelas
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