Dica Intertelas: “Ucrânia em Chamas”, documentário de Oliver Stone

“Ucrânia em chamas” (2016), dirigido por Ígor Lopateniuk, e produzido por Oliver Stone. Crédito: reprodução da internet.

Em 2016 foi lançado no Brasil o documentário de uma hora e meia, “Ucrânia em chamas”, que procurava, com seriedade, apresentar a revolução colorida que ocorrera na Praça Maidan, em Kiev, dois anos antes. O evento deixou um rastro de violência e de sombrias reminiscências históricas na região que ressurgiram com força. A desinformação midiática promovida pela aliança Otan/CIA/Estados Unidos tinha sido competente, e o Ocidente ia seguindo os acontecimentos dessa guerra híbrida com pasmo e ansiedade.

Os eventos atropelavam-se na Ucrânia e constituíam o foco de um momento de transição que iniciava-se, o qual, como acontece em todas as épocas em processo de mudança, é nebulosa e até sombria. Agora, diante de um novo clímax na crise que vem desdobrando-se desde então, “Ucrânia em Chamas” volta a ser um filme novo em folha. Importante para ser (re)visto porque relembra, de modo atraente e com montagem ágil, as raízes históricas dos eventos atuais, na região, e as bases sobre as quais a tal revolução colorida de 2014 foi planejada e posta em prática.

Produzido pelo diretor estadunidense Oliver Stone e dirigido por um amigo do cineasta, o estadunidense-ucraniano Ígor Lopateniuk, radicado na Califórnia, o documentário desvenda a implicação dos EUA e da CIA no processo revolucionário em Kiev – com direito à célebre distribuição de sanduíches do EUA para supostamente mitigar a fome da população, em plena Maidan, pelas mãos da vice-secretária de Estado estadunidense para a Europa, Victoria Nuland. Uma imagem histórica, ridícula.

O documentário mostra a guerra sangrenta na região separatista pró-Rússia de Donbass, ao leste do país, e a reocupação da Península da Crimeia, único porto russo aberto durante todo o ano a despeito dos rigorosos invernos locais, e onde se situam estaleiros estratégicos para a Rússia. Ígor Lopateniuk e Stone repudiam a versão grosseira de “rebelião popular” vendida por organizações públicas financiadas pela ONG norte-americana National Endowment for Democracy (NED) e pelos jornalistas financiados pelos EUA, e discutem o que determinou as ações do presidente russo e do ex-presidente da Ucrânia Viktor Ianukovitch, derrubado no processo do euromaidan e hoje refugiado na Rússia.

Ambos estão no filme (transmitido na época pela TV russa), entrevistados em Moscou por Oliver Stone, assim como o célebre jornalista investigativo estadunidense Robert Parry, falecido dois anos depois dessa sua participação no documentário. Oliver Stone apresenta as revoluções ucranianas de 2004, a ”laranja”, e a de 2014 como revoltas instigadas e planejadas fora do país e com a participação dos EUA. Para quem não lembra: Oliver Stone é o autor do clássico “Platoon”, sobre a guerra do Vietnã, do polêmico “JFK – a pergunta que não quer calar”, onde ele esmiúça os eventos que levaram ao assassinato do presidente John Kennedy, de “Snowden, heroi ou traidor”, de “Wall Street” e do documentário “As entrevistas de Putin”, o seu longo encontro com Vladimir Putin, em Moscou e nos arredores da cidade, resultado de dois anos de viagens ao Kremlin.

Num rápido prólogo, o seu filme sobre a Ucrânia adverte: ”Quando se trata de política, qualquer que seja o assunto, o tema é sempre o dinheiro’‘. No caso, o crucial abastecimento de gás natural russo diretamente para a Alemanha através de um novo gasoduto, o Nordstream 2, já concluído (que não atravessa a Ucrânia), o qual contribui para enfraquecer a exportação do gás liquefeito estadunidense para os europeus. “Ucrânia em chamas” ressalta a profunda divisão ideológica, histórica, existente no país.

Partidários da extinta União Soviética, hoje, da Rússia (população de origem e idioma russos) de um lado, e do outro, nacionalistas neonazistas, inimigos ferozes de Moscou, como as cruéis milícias Galitizien, de extrema direita, manipuladas e usadas pela inteligência norte-americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e o radical grupo Setor Direito. No filme, outro lembrete importante: em 1946, os nacionalistas nazis ucranianos que lutaram junto com as tropas de Hitler, nunca foram levados para serem julgados em Nuremberg por pressão e obra da CIA. Em uma entrevista a Stone, Putin comenta: ”Logo após a Ucrânia se tornar independente, começaram a privatização selvagem e o roubo escancarado da propriedade pública. O padrão de vida do povo ucraniano caiu imediatamente”.

Quando Stone pergunta se Ianukovitch “percebeu o dedo dos EUA” no levante de 2014, o ex-presidente responde:

Diversas delegações de países aliados aos estadunidenses chegaram ao país e tomaram o partido dos manifestantes de Maidan, o que exacerbou o conflito. Quando os manifestantes tomam prédios do governo, isso é aceitável? Seria aceitável se o embaixador ucraniano tivesse se aproximado dos manifestantes na cidade de Ferguson durante os tumultos de ruas nos Estados Unidos para distribuir biscoitos”? provoca Ianukovitch.

Em outra importante entrevista, o jornalista Robert Parry, célebre por ter coberto o caso Irã-Contras, fala sobre ”as ONGS que prepararam a revolução colorida de Kiev; algumas são entidades que, mais do que servir as pessoas necessitadas atendiam aos interesses de governos”. ”ONGs políticas e empresas de mídia financiadas pelos EUA surgiram a partir dos anos 80 e substituíram a CIA na promoção da agenda geopolítica dos EUA no exterior”, diz Parry.

Há oito anos, a ”revolução popular ucraniana”, assim vendida pela mídia ocidental, na verdade terá sido um golpe de Estado roteirizado e encenado por grupos nacionalistas radicais e pelo Departamento de Estado dos EUA. Hoje, a crise, que nunca se resolveu, recrudesce com o governo desorientado de Biden necessitando criar novo conflito para neutralizar o fiasco da sua saída desonrosa do Afeganistão. Mas Putin parece que perdeu a paciência com as tropas da OTAN cercando, cada vez mais, as suas fronteiras. E também porque a Rússia precisa dar um impulso à sua economia com o Nord Stream 2 funcionando rapidamente.

Fonte: Texto originalmente publicado no site da Carta Maior.
Link direto: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cinema/Ucrania-a-encenacao-colorida-de-Maidan/59/52637

Léa Maria Aarão Reis
Jornalista, escritora e roteirista

Para assistir ao documentário com legendas em português, clique no link em “assistir no YouTube” abaixo

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por Anders Noren

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