
A esmagadora maioria dos países do continente africano ignorou a campanha de pressão ocidental para que se juntassem ao apoio à guerra por procuração entre o Ocidente e a Rússia em território ucraniano, refere o portal Multipolarista, que destaca o empenho da França e da Alemanha nesse sentido. A Ucrânia tenta organizar, desde abril, uma vídeo-conferência entre a União Africana (UA) e o presidente Volodimir Zelenskii, que era repetidamente adiada pelo organismo africano, refere o periódico Le Monde, notando como “a simples organização de uma mensagem por vídeo ilustra as relações tensas entre o Sr. Zelenskii e os líderes do continente”, que “mantêm uma posição neutra”.
A sessão veio a concretizar-se nesta segunda-feira, via Zoom. No entanto, a grande maioria dos chefes de Estado africanos boicotou a sessão: apenas quatro – em 55 – juntaram-se ao encontro, o que confirma que a “neutralidade” africana manteve-se face à guerra por procuração na Ucrânia. Tendo por base uma fonte interna, o portal The Africa Report identificou os chefes de Estado presentes na reunião virtual e à portas fechadas como o presidente do Senegal, Macky Sall, o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, o presidente do Congo, Denis Sassou Nguesso, e Mohamed al-Menfi, líder do Conselho Presidencial da Líbia – reconhecido por alguns países como governo legítimo do país norte-africano, que continua dividido territorialmente desde a que a OTAN iniciou a destruição do país, em 2011.
Na sessão com Zelenskii, esteve ainda presente o político chadiano Moussa Faki Mahamat, atual presidente da Comissão da UA, além de alguns diplomatas de outros países. Da parte da UA, nota-se uma tentativa de manter o evento o mais discreto possível, uma vez que não há qualquer alusão a ele nem na página oficial, nem na conta no Twitter do organismo. A referência oficial ao encontro foi feita por Moussa Faki Mahamat na sua conta de Twitter, afirmando que “reiterava a posição da UA de urgente necessidade de diálogo para acabar com o conflito, de modo a permitir que a paz regresse à região e a restaurar a estabilidade global”.
A “comunidade internacional”
A este propósito, o Multipolarista lembra que os Estados Unidos e a União Europeia afirmam com frequência que agem em nome da “comunidade internacional”, mas eventos como este mostram que a “comunidade internacional” a que Washington e Bruxelas referem-se representa cerca de 15% da população mundial – sendo que Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão também são “comunidade internacional”. A vasta maioria da população mundial, que reside no chamado Sul Global, assumiu uma posição neutra em relação ao conflito em curso na Ucrânia. São exemplo disso países como a China, o Bangladesh, a Índia, o Paquistão, o Brasil, o México, o Vietname ou a Etiópia.
Global South nations representing the majority of the world's population have either blamed US/NATO for the Ukraine war or are neutral, including:
-China
-India
-Pakistan
-Brazil
-Ethiopia
-Bangladesh
-Congo
-Iran
-South Africa
-Mexico
-Tanzania
-Vietnamhttps://t.co/rZZtsExxio— Benjamin Norton (@BenjaminNorton) March 31, 2022
Outros, como a África do Sul, o Irã, a Venezuela, Cuba, Nicarágua, Coreia do Norte ou Eritreia, mesmo apelando ao diálogo e à paz, não hesitaram em apontar os Estados Unidos e a OTAN como os verdadeiros causadores da atual crise na Ucrânia. O periódico britânico The Guardian publicou um artigo em março, no qual reconhece que muitos países africanos “lembram-se do apoio de Moscou à libertação do jugo colonial”, permanecendo no continente um “forte sentimento anti-imperialista”.
O mesmo artigo afirmava que alguns países africanos “apelam à paz, mas apontam a expansão da OTAN para o leste europeu como responsável pela guerra, e queixam-se de “dois pesos e duas medidas” do Ocidente, o que os faz resistir às críticas à Rússia”. Mas as proximidades não se justificam apenas pelo passado. A Rússia tem importantes relações comerciais com África e, sendo um dos principais produtores de trigo mundiais, é uma fonte importante de alimentos para o continente. “Se a insegurança alimentar é um problema endêmico em países africanos antes colonizados e que foram devastados por séculos de imperialismo ocidental, os Estados Unidos ameaçaram tornar esta crise ainda pior”, destaca o Multipolarista. Segundo o The New York Times, a administração norte-americana tem pressionado os países africanos para que não comprem trigo russo.
Fonte: Texto originalmente publicado no site da AbrilAbril.
Link direto: https://www.abrilabril.pt/internacional/uniao-africana-nao-quis-saber-de-zelensky
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