
Em 1º de setembro de 1982, sob a liderança de Deng Xiaoping, as condições históricas estavam maduras. No 12º Congresso Nacional do PCCh a expressão “Socialismo com Características Chinesas” pela primeira vez foi usada oficialmente. Era um marco na história da cultura. Em 1982, o autor do presente artigo visitou a China pela primeira vez, e não conseguiu sequer imaginar o que acaba de escrever na frase anterior. Só em retrospectiva, ele agora percebe o significado do fato histórico ocorrido em Beijing. Uma cultura oriental havia assimilado uma doutrina e prática do ocidente, o Marxismo, o havia metabolizado, e apresentava sua própria versão (Socialismo com Características Chinesas).
A cultura chinesa foi capaz não só de integrar uma expressão complexa da cultura ocidental. O povo chinês reinterpretou o que assimilou, e a versão que criou não substituiu a original. O Socialismo com Características Chinesas foi a resposta criada pelo povo chinês e Deng Xiaoping ao desafio do momento histórico. Identificaram a reforma e a abertura como caminho para atender aos anseios de melhorar as condições de vida do povo e reerguer a China. O povo chinês enriqueceu o Marxismo com sua cultura multimilenar, e assim possibilitou que ele respondesse eficazmente ao desafio que a China enfrentava. Desde sua origem, a cultura chinesa inspira-se na sabedoria dos ciclos naturais, a harmonia das mutações celestes a inspirar as mutações terrenas.
Muitas experiências de plantio, cultivo, colheita, e reflexão invernal levarão à transformação suave e gradual das condições históricas para que do Socialismo com Características Chinesas possa nascer um futuro Comunismo. Décadas de trabalho árduo. Novas condições históricas amadureceram. Em 18 de outubro de 2017, no 19º Congresso Nacional, o presidente Xi Jinping respondeu aos esforços e aspirações do povo chinês com “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era”.
O povo chinês, junto com os líderes que escolheu, em quatro décadas de Socialismo com Características Chinesas transformou um país pobre na segunda maior economia mundial. Poder significa responsabilidade. E desde sua eleição, o presidente Xi Jinping já falava do Sonho da China. Ele aclarou que o sonho do povo chinês inclui a responsabilidade que uma nação que se fortalece tem de ajudar nações mais fracas a fortalecerem-se também. Como líder de uma grande potência, o presidente Xi tem trazido propostas para responder aos desafios colocados aos líderes mundiais ao longo da última década.
O pensamento do presidente Xi Jinping vai muito além do escopo deste artigo. Vamos abordar apenas três pontos. Os dois primeiros tratam de políticas internas e o último refere às relações internacionais.
A ênfase do Presidente Xi em uma abordagem centrada nas pessoas para o interesse público
Cada pessoa deve lembrar que todas as pessoas são importantes na construção do presente em prol do futuro de todos. Todas as pessoas devem lembrar que cada pessoa é importante na construção do presente em prol do futuro de todos. Precisamos ver a parte no interior do todo. Precisamos ver o todo em cada parte. Essa visão integrada garante uma unidade dinâmica dos esforços para maximizar a eficiência de resultados. Quando diferentes visões convergem para resolver problemas comunitários, novas soluções surgem.
A ênfase nas pessoas é também importante para ajudar os indivíduos a permanecerem conscientes da causa comum, o interesse público. Em seu discurso no escritório da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, em 18 de janeiro de 2017, o presidente Xi citou um antigo ditado latino: “Unus pro omnibus , omnes pro uno ”. (Um por todos, todos por um), para expressar sua visão sobre como superar os desafios ambientais. (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 590).
“Há apenas uma Terra no universo e nós, a humanidade, temos apenas uma pátria. Stephen Hawking levantou a proposição sobre o “universo paralelo”, na esperança de encontrar outro lugar no universo onde a humanidade pudesse viver. Não sabemos quando seu desejo se tornará realidade. Até hoje, a Terra ainda é o único lar da humanidade, então cuidar e cuidar dela é a única opção para nós, humanidade. Há um lema latino inscrito na cúpula do Palácio Federal da Suíça que diz “Unus pro omnibus, omnes pro uno” (Um por todos e todos por um). Devemos não apenas pensar em nossa própria geração, mas também assumir a responsabilidade pelas futuras“.
Para o presidente Xi, teorias mostram que são corretas quando produzem resultados práticos. Ideias surgem de necessidades e devem gerar soluções concretas. Intelecto e ação dançam juntos. Como veremos adiante, a Lógica Chinesa de geração mútua dos opostos é fundamental para entender onde os ensinamentos do presidente Xi Jinping estão enraizados.
A ênfase do Presidente Xi no Socialismo com Características Chinesas para a Nova Era com o Povo como Mestre do país
A visão inclusiva do presidente Xi aqui é aplicada a um ponto preciso: manter claro que o Mestre é o Povo, e o Governo tem a honra de servir ao Povo. Em 1º de outubro de 1949, o povo chinês, liderado por Mao Zedong, fundou a República Popular da China. Nomes devem expressar o ser do que é assim nomeado. A república é do povo chinês. O povo chinês comanda o povo chinês através dos líderes que o povo chinês escolhe.
Do povo vem todo o poder e o presidente Xi relembra que o poder precisa ser exercido em benefício do povo que empodera seus representantes. Os de cima servem os de baixo, como 乾 Qián, Céu, desce para apoiar 坤 Kūn, Terra, no hexagrama 11, 泰, Tài, Paz, no Zhou Yi. O pensamento do presidente Xi Jinping é inovador pois, diante de cada novo desafio, ao construir a ponte entre o passado e o futuro, ele usa a experiência da história já vivida para inspirar criatividade na construção da história ainda por acontecer. É sólido, pois parte do que a prática demostrou ser correto. É confiável porque o povo reconhece nele o seu próprio pensar.
A ênfase do presidente Xi em um destino comum entre o povo chinês e outros povos ao redor do mundo com um “ambiente internacional pacífico”
O terceiro ponto selecionado estende a visão inclusiva (uma constante no pensamento do presidente Xi) às relações internacionais. O presidente da China apresenta sua visão do povo chinês, participando de um destino comum como parte da família dos povos em todo o mundo. Aqui, a visão do presidente Xi pode ser rastreada até o Primeira Herói da Cultura, Fuxi, e seu ensinamento cosmogônico da Harmonia no Céu a inspirar Harmonia à Humanidade na Terra. A consciência de um caminho e destino comum (Dao) à vida na Terra permeia, com diferentes interpretações, a cultura chinesa desde seu longínquo início.
Exemplos de como o Socialismo com Características Chinesas para a Nova Era do presidente Xi é aplicado em propostas para lidar com ameaças, e problemas no cenário internacional
Em seu discurso na ONU em Genebra, em janeiro de 2017, o Presidente Xi disse: “As armas nucleares, a Espada de Dâmocles que paira sobre a humanidade, devem ser completamente proibidas e completamente destruídas ao longo do tempo.” (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 593). A ciência ocidental criou contribuições preciosas para a humanidade. Criou também a maior ameaça para todos os seres vivos, inclusive os humanos: armas nucleares. Um valor ancestral, Paz, inspira o presidente da China a propor que as nações se unam, votem na ONU para encerrar este terrível capítulo da história, e libertem a vida na Terra da ameaça de uma hecatombe global. O pacifismo é um denominador comum na cultura dos dois gigantes do Oriente, Índia e China. A paz é uma aspiração dos povos de todo o mundo.
“Devemos construir um mundo de segurança comum para todos através de esforços conjuntos. Nenhum país do mundo pode desfrutar de segurança absoluta. Um país não pode ter segurança enquanto outros estão em turbulência, pois as ameaças enfrentadas por outros países também podem assombrar a si mesmo. Quando os vizinhos estão em apuros, em vez de apertar suas próprias cercas, deve-se estender a mão a eles. Como diz o ditado: ‘Unidos estamos de pé, divididos caímos’. Todos os países devem buscar uma segurança comum, abrangente, cooperativa e sustentável“.
Em setembro de 2015, na Assembleia Geral da ONU, ao falar sobre as aceleradas mudanças do mundo contemporâneo e a necessidade de renovar o compromisso com os objetivos e princípios da ONU e construir um novo modelo de relações internacionais que busque cooperação em benefício mútuo, e ajude a formar uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade, o presidente Xi disse: “O futuro do mundo deve ser moldado por todos os países. Todos os países são iguais. Os grandes, fortes e ricos não devem abusar dos pequenos, dos fracos e dos pobres.” (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 571).
Nas Nações Unidas, o mesmo princípio que as repúblicas reconhecem de que nenhum voto vale mais que outro, deve ser aplicado também aos países. Na cultura hegemônica, a hierarquia é determinada pelo poder dominante. A ideia de hegemonia nasce de uma visão de confronto dos opostos como veremos adiante na origem da Lógica Ocidental.
Na mesma ocasião, o presidente Xi também falou sobre diferentes culturas: “Devemos aumentar os intercâmbios entre civilizações para promover harmonia, inclusão e respeito às diferenças. O mundo é mais colorido como resultado da diversidade cultural. A diversidade gera trocas, cria integração e a integração torna o progresso possível.” “Devemos respeitar todas as civilizações e tratar uns aos outros como iguais”. (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 573). A ideia de hegemonia cultural supõe a superioridade de uma civilização sobre as demais. O hegemon exerce seu poder na via de mão única. O mais forte nada tem a aprender e tudo tem a ensinar. O mais fraco nada tem a ensinar e tudo deve aprender. A visão do presidente Xi supõe a igualdade entre os diferentes para promover o intercâmbio e o aprendizado mútuo.
Em relação aos diferentes modelos sociais o presidente Xi ainda na Assembleia Geral da ONU em 2015 disse: “Cada modelo social representa a visão única e a contribuição de seu povo, e nenhum modelo é superior aos outros.” (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 573). O Hegemonismo político pretende que o modelo social do mais poderoso é superior ao sistema dos mais fracos pois supõe que poder é o critério único e final de superioridade. O mais poderoso está certo, o mais fraco errado, à menos que concorde com o mais forte. Quem determina o certo e errado é o mais poderoso.
O presidente Xi afirma que o Socialismo com Características Chinesas para a Nova Era é sapato feito sob medida para o pé chinês neste momento da história. Reforma e Abertura são processos contínuos, ininterruptos. As condições históricas mudam sem parar. Os modelos sociais precisam mudar para adaptarem-se e responder aos novos desafios. Cada povo tem o direito de fazer o sapato sob medida para o seu próprio pé. Nenhum país tem o direito de intervir ou pretender arbitrar soluções em casa alheia. Nenhum modelo social está totalmente certo, nenhum está totalmente errado. Todos têm algo a aprender com todos.
Em relação ao meio ambiente, ele disse: “Devemos construir um ecossistema que coloque a Mãe Terra Natureza e o desenvolvimento verde em primeiro lugar”. (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 573). O mundo contemporâneo luta para superar um suposto dilema: desenvolvimento versus cuidado com a natureza. O presidente Xi propõe ambos juntos em primeiro lugar porque a Lógica Chinesa funda-se na harmonia dos opostos. A Lógica Ocidental supõe a incompatibilidade dos opostos, e a inevitabilidade da escolha entre um ou outro, como veremos adiante.
Sobre o desenvolvimento, o presidente Xi disse: “O desenvolvimento só tem sentido quando é inclusivo e sustentável. Alcançar tal desenvolvimento requer abertura, assistência mútua e cooperação mutuamente benéfica”. (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 572). Inclusivo significa para todos. Sustentável significa capaz de manter-se no tempo. A inclusão em relação ao desenvolvimento supõe que o lucro não é mestre. As pessoas são mestres. Sustentável significa que o curto prazo não é mestre. O longo prazo é mestre.
Sobre o futuro da China o presidente Xi disse: “Não importa como o cenário internacional venha a evoluir e quão fortes nos tornemos, a China jamais buscará hegemonia ou expansão, nem irá procurar criar esferas de influência. (“A Governança da China”, volume II, Xi Jinping, Foreign Language Press, pag . 574). O presidente Xi afirma que se a China tornar-se o país mais forte, o mundo não viverá mais sob o poder de um hegemon. Não existirão mais alianças e aliados. A China quer conviver em paz com todos os povos, e escolheu não ter inimigos. Os países mais fracos contarão com um amigo mais forte que os respeitará e os ajudará a fortalecerem-se. A superação do hegemonismo abrirá uma nova era para toda a humanidade.
Entendimento mútuo dos fundamentos Lógicos
Como o título indica, este artigo visa contribuir para um entendimento mútuo entre o pensamento do povo chinês expresso pelo presidente Xi Jinping e a cultura ocidental, por meio de uma breve reflexão tanto sobre o fundamento lógico da cultura chinesa quanto sobre o fundamento lógico da cultura ocidental. Para dar conta da magnitude da expressão “nova era”, esta reflexão vai agora situar o tema dentro da longa jornada do peculiar animal que almeja tornar-se humano, isto é, aquele que está sob o Céu e sobre a Terra, para aprender com o que está acima, e servir ao que está abaixo. Como o leitor pode ver, o autor é um ocidental híbrido.
A cultura, a história, e os aspirantes ao humano, fluem juntos no Dao a descobrir caminhos tal como a água flui nos declives e o fogo arde em busca das alturas. Fluir significa mutação, único constituinte essencial de todos os fenômenos. Desde quando o animal que aspira tornar-se humano saiu das cavernas até o início do nomadismo marítimo, a cultura trilhou caminhos diferentes no oriente e no ocidente, prevalecendo o desconhecimento mútuo. Assim, como as estações fluem na mesma sequência harmoniosa, mas em ciclos opostos no hemisfério norte e sul, a lógica, modo estruturante do pensamento, foi concebida de forma diferente no oriente e no ocidente, com pontos de partida divergentes quanto à questão fundamental da relação entre os opostos.
A Lógica Chinesa
A lógica na China foi formulada em tempos imemoriais, milhares de anos antes da era oficial, pelo já mencionado primeiro herói fundador da cultura, Fuxi, nas imagens, Guà, figuras geométricas posteriormente comentadas no Zhou Yi e no Yijing. “Fu Xi olhou acima e contemplou as imagens no céu e olhou para baixo e contemplou as ocorrências na terra.” (The I Ching”, Tradução Richard Wilhelm e Lao Naixuan , Princeton University Press, 1972, Ban Gu, Bai Hu Tongyi , pag . 329). Céu significa tanto a vacuidade quanto presenças luminosas que se movem no interior da vacuidade. A regularidade observada no movimento desses fenômenos luzentes revelou a presença de uma harmonia subjacente que governa seus movimentos.
A observação de Fuxi notou também uma correspondência entre Mutação no Céu e Mutação na Terra, como evidenciado pela Mutação dos ciclos da lua e a Mutação das marés, pela Mutação do ângulo da rota do Sol e a Mutação das Estações. Porque a vacuidade antecede e contém tudo o que aparece e se move nela, a harmonia vem da vacuidade com o Um, como pode ser inferido de Laozi no Capítulo 42 do Dao De Jing: “Dao gera Um. O Um gera o Dois. O Dois gera o Três. O Três gera todas as coisas.” (Tao Te Ching”, Lao Tzu, Tradução Richard Wilhelm, versão em inglês HG Ostwald, Arkana -Routledge& Kegan Paul Ltd, pag . 46).
A vacuidade é o nada no interior do qual os fenômenos surgem, mudam e desaparecem. A vacuidade à noite evidencia-se como escuridão acima onde as presenças luzentes movimentam-se. Durante o dia, a vacuidade evidencia-se como azul acima onde a presença luzente mais próxima movimenta-se, enquanto ofusca as luzes distantes que permanecem temporariamente invisíveis. A vacuidade não pode ser conhecida. A vacuidade não deve ser ignorada. “O Dao que pode ser expresso não é o Dao eterno. O nome que pode ser nomeado não é o nome eterno.” (An Introduction to the Zhou Yi”, tradução para o inglês pelo Prof. Zhang Wenzhi , Chiron Publications, página 177).
Sobre o significado das Imagens vistas por Fuxi no Céu, o professor Liu Da Jun em “Uma Introdução ao Zhou Yi”, cita o Xici: “… o termo imagem significa ‘produzir ‘aparências’. No céu este [processo] cria imagens, e na Terra cria formas físicas.” (Tao Te Ching”, Lao Tzu, Tradução Richard Wilhelm, versão em inglês HG Ostwald, Arkana -Routledge& Kegan Paul Ltd, pag . 27). Inspirado no Guà Celestial (produção de aparências), Fuxi criou formas físicas, os Guà Terrenos, figuras geométricas que são a semente da qual foi desenvolvida a cultura chinesa. Árvores geram sementes da mesma natureza da semente da qual elas nascem.
A relação entre os opostos é a questão inicial da lógica tanto no oriente como no ocidente. Na Lógica Chinesa, esta questão é esclarecida pela função geradora dos dois primeiros Guà, conforme expresso no Shuo Guà: “O Criativo é o céu, por isso é chamado de pai. O Receptivo é a terra, por isso é chamada de mãe.” (“The I Ching”, Tradução Richard Wilhelm, versão em inglês de Cary F. Baynes, Princeton University Press, 1972, Shuo Kua , Discussão dos trigramas, pag . 274. A tradução de Richard Wilhelm do Yijing , como ele menciona no Prefácio escrito em 1923, foi feita do começo ao fim com a ajuda de seu Mestre Lao Naixuan ).
A existência do pai implica a existência da mãe e vice-versa. Paternidade e maternidade são condições interdependentes. Em seu ponto de partida, a Lógica Chinesa concebe os opostos não apenas como interdependentes, mas também sem um ser em si. A condição de paternidade é recebida da maternidade e vice-versa, simultaneamente. Ninguém pode ser pai em si, pois para o ser precisa que alguém seja mãe e vice-versa.
Paternidade e maternidade são aparências mutantes, coexistentes em simultaneidade, e não entidades com essência própria em si. Aparências no Céu geram aparências na Terra. “Dez Mil Coisas” aparecem, perduram e desaparecem dentro do vazio, da mesma forma que um arco-íris aparece e perdura dependendo da convergência de três condições: chuva a cair, luz a atravessá-la, e alguém a observar de um determinado ângulo. Arco-íris são aparências, não existem em si mesmos. Todos os fenômenos são como arco-íris. A vacuidade permanece vazia enquanto as aparências surgem, perduram e desaparecem.
A Lógica Chinesa origina-se da experiência cosmogônica de um ser mítico, Fuxi, e foi herdada, antes do aparecimento da agricultura, pelos habitantes da província de Gansu, em um código binário de representação geométrica, os Guà, (trigramas e hexagramas). Com o tempo os Guá foram compartilhados por todos que viviam sobre o corpo de 盘古 Pangu. Leibniz conheceu o Yijing através do jesuíta Joachim Bouvet. Ao constatar que os hexagramas correspondiam aos números binários de 0 a 111.111, Leibniz expressou sua admiração pelo que os chineses haviam alcançado num passado tão remoto, ao criarem uma filosofia expressa em matemática binária visual. (“Leibniz: What kind of rationalist? Springer. Pag. 415, 2008). A interdependência de opostos sem “natureza própria” vocaciona a cultura chinesa a buscar a harmonia da qual ela própria nasceu na Contemplação de Fuxi. Para a cultura chinesa, harmonia é sabedoria.
A Lógica Ocidental
A lógica no ocidente foi criada por Aristóteles (384-322 antes da era oficial). Até hoje, mesmo os ocidentais analfabetos seguem a lógica aristotélica que ignoram, pois aprenderam a falar e pensar dentro do modelo concebido pelo Estagirita. A primeira Lei da Lógica Aristotélica é a Lei da Não Contradição que afirma: “É impossível que a mesma coisa pertença e não pertença ao mesmo tempo à mesma coisa e sob o mesmo aspecto”. (Gottlieb, Paula, “Aristotle on Non-contradiction”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2019 Edition), Edward N. Zalta (ed).
Essa versão costuma ser interpretada como ontológica, ou seja, refere-se à ‘natureza’ (ser) das coisas. “É impossível sustentar (supor) a mesma coisa ser e não ser. Essa segunda versão costuma ser interpretada como cognitiva, ou seja, refere-se à maneira correta de pensar. “Asserções opostas não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo”. Essa terceira versão costuma ser interpretada como normativa do discurso, ou seja, refere-se à forma correta de expressar os pensamentos. As três versões são conclusões racionais e intelectuais de um ser humano, Aristóteles.
Em todas as três versões, Aristóteles não há um antecedente à dualidade. A lógica aristotélica nasce dualista e assim constitui a cultura ocidental até hoje. Ou seja, a partir de Aristóteles, prevaleceu no mundo ocidental a suposição de que ser e não-ser, positivo e negativo, bem e mal, certo e errado, os opostos em todas as suas incontáveis formas de expressão têm existências independentes. Quando os opostos são confrontados, para a mentalidade dualista a escolha por um deles é inevitável.
Símbolos materializam-se. Em Roma, criou-se um local onde opostos defrontavam-se para vencer ou morrer. Era a Arena. O ocidente vê Arena onde há discordância. Um vencerá, outro perderá. Tudo é disputa. Quando a confrontação não é individual, os opostos de ambos os lados buscam o que lhes é semelhante, e por isso consideram-no bom. Suspeita, medo, animosidade, às vezes ódio, são a tendência de reação ao diferente, ao divergente, e por isso consideram-no ruim. Ambos os lados de um confronto tendem a agregar-se com o semelhante contra o diferente. A tragédia de ‘Aliados contra inimigos’ repete-se, guerra após guerra, século após século, por mais de dois mil anos.
Dessa mentalidade dicotômica resulta uma tendência recorrente de disputa entre opostos. O mais forte exerce “atração gravitacional” sobre o mais fraco porque é mais forte. Ao mais fraco resta concordar, aceitar ou submeter-se, porque, querendo ou não, no final prevalece o poder. A natureza conflituosa da lógica dualista, vocaciona a cultura ocidental ao conflito e ao hegemonismo. Não por acaso Aristóteles foi preceptor de Alexandre da Macedônia, o primeiro e mais poderoso invasor (soi-disant conquistador), modelo de hegemon que ainda hoje move a história ocidental. Na cultura ocidental, o poder é Senhor.
A religião dominante no ocidente buscou hegemonia planetária. Seu Deus onipotente, onisciente, e onipresente é o único caminho para a salvação. Todos os povos precisam ser salvos de suas crenças errôneas pelos únicos detentores da verdade. O ecumenismo é abertura recente e auspiciosa. O primeiro contato entre oriente e ocidente ocorreu por iniciativa do oriente com a Rota da Seda, para promover o comércio entre os diferentes. Mil e quinhentos anos depois o ocidente iniciou o nomadismo marítimo. O caminho marítimo era mais rápido, e gerava mais lucro. O mais forte impunha pelas armas a colonização para assegurar o hegemonismo comercial.
A Nova Era
O rejuvenescimento da China é um caso único na história mundial. Nunca antes população tão numerosa conseguiu passar da pobreza para a prosperidade moderada em poucas décadas. Muitos perguntam-se o que possibilitou esse fato ímpar. A importância da cultura milenar na ascensão da China não pode ser ignorada. Uma das características distintivas da cultura chinesa é sua abertura a aprender com contribuições estrangeiras. Assim foi com o Budismo um milênio e meio atrás, assim foi cem anos atrás com o Marxismo na fundação do Partido Comunista Chinês.
A República Popular da China nasceu inspirada numa teoria e prática criadas no ocidente, o Marxismo, que o povo chinês, liderado por Mao Zedong adotou, e aplicou em 1949. O povo chinês aprendeu com os resultados de seus esforços durante as três primeiras décadas da republica e, unido ao seu líder, Deng Xiaoping, identificou o que era preciso reformar e abrir. O povo chinês soube harmonizar opostos, além do que a lógica aristotélica alcançava. Estado e iniciativa privada podiam e deviam trabalhar em harmonia na mesma tarefa proposta por Mao Zedong: melhorar a vida do povo chinês, e reerguer a China.
O tom era o mesmo que tocou em 1949, só que trinta anos depois a lógica chinesa possibilitou que o povo chinês tocasse uma oitava acima. O Socialismo com Características Chinesas nasceu do diálogo entre culturas. Nem só oriente, nem só ocidente. Nascia desapercebido o embrião da cultura que ainda virá, a cultura da humanidade. Quatro décadas de esforço e aprendizagem, e o povo chinês, liderado pelo presidente Xi Jinping, voltou a tocar o mesmo tom, porém uma oitava ainda mais acima. Agora é o Socialismo com Características Chinesas para uma nova era.
Os povos querem convívio amistoso entre os diferentes. Os povos querem paz. Os povos querem prosperidade para todos. A história quer a superação do hegemonismo. O modelo de disputa envelheceu. O modelo colaborativo já nasceu e mostra-se o mais eficaz nesse momento da história. A nova era resgatará o imorredouro ideal Chinês da liderança benigna e autoridade por exemplo, que os pensadores pré-Qin ensinavam. O mais forte ajudará o mais fraco a fortalecer-se. O mais rico ajudará o mais pobre a enriquecer. O autor almeja que este artigo, frágil ponte de corda sobre o abismo de diferentes lógicas e mentalidades, possa ajudar na travessia para além de ocidente e oriente rumo aonde a história chama, uma Cultura da Humanidade em que todos os povos serão reconhecidos.
Gustavo Pinto
Formado em Filosofia pela PUC-RJ e tradutor do “I Ching”. É autor dos livros “Relâmpagos”, “Gotas de Orvalho”, “Rito da Montanha Sagrada” e “Astrologia e Budismo”
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