
O passado colonial do Brasil o vinculou de forma muito estreita ao mundo ocidental. Especialmente no campo da produção cultural, esta influência é bastante evidente. Contudo, aos poucos o mercado da cultura e do cinema no Brasil começam a observar com maior curiosidade os mercados de países fora do bloco ocidental. Os resultados deste interesse atual são iniciativas concretas que, no cinema, englobam desde a exibição de filmes a possibilidades de coproduções.
Neste ano de 2023, o RioMarket, a área de negócios do Festival do Rio, um dos maiores eventos de cinema no país, vem promovendo uma série de ações visando uma maior aproximação com os países do BRICS, em especial com a China. Em um painel realizado nesta segunda-feira, dia 9 de outubro, o evento cedeu espaço ao lançamento da terceira temporada da exibição especial de filmes e séries chinesas, uma iniciativa que é resultado da parceria entre a Prime Box Brasil e o Grupo de Mídia da China América Latina (GMC). O painel, apresentado pelos correspondentes do GMC, Xu Danna e Vinícius Eulálio, contou com a presença de autoridades diplomáticas, da cidade do Rio de Janeiro e do setor audiovisual brasileiro e chinês.

Iniciando a sequência de discursos, em sua intervenção feita por vídeo, o embaixador da República Popular da China no Brasil, Zhu Qingqiao, ressaltou a importância do intercâmbio cultural sino-brasileiro. “Nos próximos seis meses, serão exibidos 10 títulos chineses, filmes e séries, que vão trazer ao público brasileiro a história e a cultura da China, uma civilização antiga do oriente, assim como mostrarão a pujança promovida pelo desenvolvimento atual do país. Mesmo com a distância geográfica, China e Brasil nutrem respeito e admiração mútua e nos últimos anos os intercâmbios culturais e interpessoais intensificaram-se, auxiliando em um entendimento mais profundo entre os povos chinês e brasileiro”.

Conforme o diplomata, na última visita do presidente Lula à China houve um forte impulso para a expansão, aprofundamento e cooperação nestas áreas. De acordo com ele, da parte da China, a Iniciativa de Civilização Global, proposta do presidente Xi Jinping, almeja impulsionar a cooperação em todos os setores da sociedade, inclusive o midiático, no intuito de expandir e aprofundar o conhecimento entre as civilizações. O embaixador ainda afirmou que no ano de 2024, a China e o Brasil celebrarão o 50º Aniversário do Estabelecimento das Relações Diplomáticas e, para aproveitar a data histórica, a Embaixada da China visa trabalhar com os brasileiros, buscando construir um novo capítulo na amizade entre chineses e brasileiros.
Da parte brasileira, o secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Marcelo Calero, abordou que é preciso pensar o audiovisual e a cultura como medidas estratégicas que auxiliam diversos outros setores econômicos e, acima de tudo, têm imenso potencial para consolidar a inserção internacional dos países e a cooperação entre eles. “Quando olhamos para o cenário mundial, é interessante observar que temos polos importantes de produção espalhados por todo mundo, o que multiplica as possibilidades que nós temos de parcerias para o desenvolvimento de projetos”.
“O Rio é a capital nacional do audiovisual e de ressonância da cultura. Temos uma empresa distribuidora e fomentadora, a RioFilme, patrimônio carioca, e a primeira de caráter municipal com este perfil, com esta identidade. No governo do prefeito Eduardo Paes, os investimentos passaram de 25 milhões de reais, no primeiro ano, para 64 milhões de reais, que foi o último edital que nós implementamos há mais ou menos dois, três meses. A aposta que estamos fazendo no audiovisual justifica-se pelo seu caráter estratégico, que vai do grande volume de empregos a uma indústria que tem a capacidade de refletir a nossa trajetória civilizatória, a nossa identidade, e torna-se um grande canal para o Soft Power”.

Ainda nas palavras do secretário, o conceito do Soft Power incute conseguir galgar posições no imaginário do mundo a respeito de um determinado país e de sua cultura, o que ajuda na conquista de novos mercados para os produtos das empresas deste país e cria uma atmosfera favorável à nação. “O chamado Soft Power usa elementos culturais que estão no imaginário das pessoas de outros países sobre o Brasil, no intuito de conquistar novos mercados às empresas brasileiras. Trata-se de uma estratégia de comércio e de negócios, pois se cria um ambiente, uma atmosfera favorável a uma narrativa. E mais, é preciso entender que o audiovisual é uma ferramenta que ajuda a fomentar uma narrativa brasileira, construída para auxiliar na inserção permanente dos nossos valores civilizatórios no mundo, que podem servir como alavanca para catapultar uma ambiência favorável ao Brasil em todos os aspectos”.
Especificamente sobre a relação sino-brasileira no audiovisual, em entrevista à Intertelas, Calero afirmou que o campo cultural é a próxima fronteira a ser explorada entre Brasil e China. “Nós já temos várias cooperações acontecendo no ponto de vista da pesquisa científica, da pesquisa espacial, de maneira mais específica da indústria, do comércio, mas no campo da cultura há uma fronteira a ser explorada não apenas a nível dos governos federais, mas entre os entes federados tanto na China, quanto no Brasil. O objetivo é ter acesso as empresas e instituições e ajudar nesta cooperação, através de acordos intergovernamentais e é isso que buscamos na Prefeitura do Rio”.
Nesta mesma linha, a diretora geral do Festival do Rio e do RioMarket, Walkiria Barbosa, disse ser de extrema importância realizar um trabalho de aproximação do audiovisual brasileiro com o audiovisual chinês. Ela mencionou o acordo de coprodução que desde 2008 tem sido formulado entre as partes e que o Festival do Rio teve participação nos últimos anos. “Na primeira missão chinesa ao Brasil, vieram mais de 40 convidados entre representantes do governo, atores, diretores e produtores. Todos os anos, nosso festival exibe produções chinesas e nesse momento estamos muito empenhados em ajudar no fechamento de um acordo de coprodução. No ano de 2024, será celebrado o 50º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e China e vamos trabalhar para anunciar pelo menos uma produção oficial dentro do acordo entre Brasil e China. O mercado chinês é estratégico para o Brasil, nós queremos ver os nossos conteúdos na China e queremos que cada vez mais tenha conteúdo da China sendo exibido aqui”.

Em entrevista à Intertelas, Barbosa salientou que o acordo precisa passar por algumas etapas burocráticas, mas pode ser possível que chegue ao Congresso para ser homologado. “É de grande importância concluir esse acordo. Já em 2018, quando o embaixador e as autoridades chinesas estiveram em nosso evento eles deixaram claro que há necessidade de começarmos a produzir em conjunto, e o acordo vai permitir isso”. Sobre os obstáculos a serem enfrentados para que Brasil e China tenham uma dinâmica boa para produzir futuramente, Barbosa enfatizou que a falta de conhecimento por parte dos produtores dos países, especialmente sobre as facilidades que o acordo permite, é uma questão fundamental a ser levada em conta.
“Hoje fizemos uma reunião à tarde com o Ministério da Cultura, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o Ministério das Relações Exteriores e empresários do setor, no intuito de encontrar uma forma de melhorar a nossa comunicação entre os países signatários do acordo. Temos até uma proposta de criar um app, onde possa conter as informações para os produtores conhecerem os incentivos fiscais, por exemplo, ou que as embaixadas brasileiras podem auxiliar também”.
Barbosa afirmou que acompanha a cinematografia da China há anos e consegue ver diversos aspectos em que Brasil e China podem cooperar. “Apesar da diferença cultural, existe uma proximidade. Eu fiquei muito impressionada com as séries chinesas, elas têm muito em comum com as nossas novelas. Por exemplo, há o núcleo dos personagens de família pobre, de família rica. E é preciso lembrar que há milhares de chineses morando no Brasil e tem muitos brasileiros morando lá e eles podem contribuir e muito para esta ponte”.

Trindade. Crédito: China Média Group.
O produtor e roteirista brasileiro, Diler Trindade, teve vasta experiência profissional na China e, em sua fala, lembrou a importância da novela brasileira, “Escrava Isaura”, produção que foi muito bem recebida no país asiático. “Foi uma das primeiras novelas estrangeiras a passar na China e Lucélia Santos, atriz principal na novela, chamou atenção do público chinês. Por isso, eu a convidei para ir à China na época. O mercado chinês é extraordinário e de grande sensibilidade, há muitas possibilidades para o Brasil lá”. Este também foi um tema bastante mencionado pelo presidente da Prime Box Brasil, Cícero Aragon, que agradeceu pela cooperação com o Grupo de Mídia da China América Latina (GMC) e comentou ser fundamental a atuação de uma iniciativa pública eficaz e capaz de construir pontes para consolidar parcerias.
“Somos uma programadora brasileira independente e nossa filosofia é calcada na diversidade cultural. A Prime Box Brasil acredita que é preciso mostrar as diferentes cores, rostos, costumes ao público geral. O mercado, muitas vezes, não acredita em certas histórias que têm realidades diferentes, contudo diversos casos já provaram o contrário. Mas para que tais produções possam existir é imprescindível o incentivo e ações do setor público que busquem o diálogo e a participação conjunta do setor privado”.
Encerrando a programação, o diretor do Grupo de Mídia da China América Latina, Zhu Boying, enfatizou a priorização em realizar intercâmbios e cooperar com a mídia brasileira. Ele citou as duas temporadas bem-sucedidas de “Programas de filmes e séries Chinesas” no Brasil, realizadas em parceria com a Box Brasil, que apresentaram ao público brasileiro mais de 20 filmes, documentários, dramas de TV e animações chinesas. O diretor ainda mencionou a visita do presidente Lula à China e sua conversa com o líder chinês Xi Jinping, em abril deste ano.
“Os dois chefes de Estado testemunharam a assinatura de um memorando de cooperação entre o Grupo de Mídia da China América Latina e a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República do Brasil. Esse foi um passo importante para estreitar a cooperação dos meios de comunicação e o intercâmbio cultural entre os dois países, o que promoverá a compreensão e a confiança mútua entre chineses e brasileiros, e irá melhorar a comunicação, elevando a parceria estratégica bilateral a um nível mais alto”.
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