EUA estão mergulhados em onda de greves alimentadas pela desigualdade social e inflação

Profissionais de saúde protestam em frente a um centro médico da Kaiser Permanente em Baldwin Park, Califórnia, Estados Unidos, no dia 4 de outubro de 2023. Crédito: Zeng Hui/Xinhua.

Este ano houve um recorde de atividades trabalhistas nos Estados Unidos, já que dados recentes mostraram que pelo menos 453 mil trabalhadores participaram de 312 greves nos país, marcando o maior nível desde 2019. As greves, alimentadas pela inflação, desigualdade social e aumento vertiginoso do custo de vida que a classe trabalhadora estadunidense aguenta há muito tempo, mostram as crescentes fissuras no contrato social e representam uma ameaça potencial para a base da economia dos EUA.

Greves em massa

No sábado, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Automotivos (UAW, em inglês), Shawn Fain, estava em Chicago para participar da manifestação com os trabalhadores em greve na fábrica da Ford, onde o presidente do sindicato os encorajou a continuar até que suas reivindicações fossem atendidas. Até domingo, dia 8 de outubro, aproximadamente 25 mil trabalhadores de fábricas estavam unidos em vários grupos, pedindo aumentos salariais de 40%, a restauração das pensões e dos cuidados de saúde para aposentados, além de ajustes no custo de vida.

A greve sem precedentes do UAW marcou a primeira vez nos 88 anos de história do sindicato que os três principais fabricantes de automóveis, General Motors, Stellantis e Ford, foram afetados simultaneamente. Essa onda está se espalhando rapidamente da indústria automotiva para outros setores nos Estados Unidos, incluindo o de saúde. Os profissionais médicos de vários hospitais e clínicas da Kaiser iniciaram uma greve na quarta-feira, dia 11 de outubro, reunindo 75 mil trabalhadores de saúde que se mantiveram resolutos em grupos por todo o país durante três dias, marcando a maior greve do setor na história dos EUA.

Apesar das extensas manifestações dos trabalhadores da Kaiser, não foi alcançado nenhum acordo sobre salários e soluções de pessoal entre líderes sindicais e empregadores, e os dois partidos agendaram sessões adicionais para 12 e 13 de outubro. Além disso, a Tenet Healthcare Corp., outra grande prestadora de serviços de saúde, pode ser a próxima a enfrentar uma grande paralisação por parte dos trabalhadores, já que os profissionais de 11 instalações da empresa planejavam entrar em greve em 23 de outubro se nenhum acordo tivesse sido alcançado até 19 de outubro, segundo seu sindicato.

Em maio, cerca de 11.500 roteiristas de Hollywood iniciaram uma greve, que durou quase cinco meses antes que o Writers Guild of America finalmente chegasse a um acordo com os grandes estúdios no final do mês passado. Os atores aderiram à greve em julho, e seu sindicato, que representa cerca de 160 mil artistas, ainda está em negociações com estúdios e empresas de streaming. Durante os últimos três meses, os Estados Unidos também viram milhares de trabalhadores de setores, incluindo hotéis e companhias aéreas, envolvidos em greves, exigindo melhores salários e benefícios, além de condições de trabalho mais seguras.

Pontos de divergência

A ascensão atual dos protestos trabalhistas é marcada por greves generalizadas em vários setores importantes. Há um traço comum na maioria: os protestos têm origem da classe de empregos operários, onde os salários historicamente ficam atrás da produtividade e dos lucros empresariais. Em um evento recente no Facebook Live, o presidente do UAW, Fain, comparou os lucros das empresas, um aumento de 65% em quatro anos, com os salários dos trabalhadores do setor automóvel, que aumentaram apenas 6% no mesmo período.

As greves são motivadas principalmente por questões salariais e condições de trabalho, e não se pode culpar os trabalhadores por isso”, disse Daron Acemoglu, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, citado pela ABC News. Entretanto, os trabalhadores dos EUA ficaram cada vez mais desiludidos com uma economia que favorece os poucos privilegiados no topo, enquanto trabalhadores de classes mais baixas lutam. Um relatório da National Public Radio disse que a CEO da GM, Mary Barra, ganhou quase 29 milhões de dólares americanos em 2022, 362 vezes o salário médio de um funcionário da GM.

“Estamos vendo greves nos Estados Unidos devido à desigualdade de renda e à erosão da classe média. Durante vários anos, os trabalhadores viram seus salários corroídos pela inflação e por baixos aumentos salariais”, disse à Xinhua, Darrell West, membro-sênior da Instituição Brookings. As ondas de greves também simbolizam a forte decepção com um sistema econômico estadunidense que desaponta as famílias trabalhadoras, especialmente as de setores como saúde e manufatura. “Há um sentimento de que o sistema é injusto com a força de trabalho que está fazendo o trabalho duro”, disse à CBS News, Harry Katz, professor de negociação coletiva na Universidade Cornell.

Durante a pandemia de COVID-19, os trabalhadores enfrentaram riscos e dificuldades reais enquanto os lucros das empresas disparavam. Atualmente, enfrentam custos de vida crescentes devido à inflação mais elevada dos últimos 40 anos. Em 2021, fatores como as políticas expansivas de estímulo econômico do governo dos EUA levaram a inflação aos maiores níveis desde 1982, fazendo com que produtos básicos como alimentos e energia subissem de preço, onerando significativamente os trabalhadores de rendimentos médios e baixos. Milhões de estadunidenses estão enfrentando uma redução no poder de compra e um aumento da pressão financeira sobre as famílias.

De acordo com um relatório do Fórum Econômico Mundial, entre os meses de novembro de 2021 e de 2022, a inflação elevou significativamente o custo da merenda escolar, há muito um encargo financeiro para várias famílias americanas, com os custos aumentando mais de 254% durante esse período. Além disso, as recentes baixas taxas de desemprego aumentaram a influência dos trabalhadores, conforme muitos empregadores competiam por trabalhadores em um contexto de crescentes demissões e aposentadorias antecipadas.

Há diferentes fatores em cada setor, mas um que está em destaque é que a força do mercado de trabalho está dando aos trabalhadores mais poder de negociação do que tiveram em décadas”, disse à Xinhua, Dean Baker, economista-sênior do Centro de Investigação Econômica e PolíticaJoseph McCartin, historiador de questões trabalhistas na Universidade de Georgetown, tem a mesma opinião, dizendo à CNN: “Estamos vivendo em um mercado de trabalho e em uma economia fortes, os trabalhadores e os sindicatos se sentem mais empoderados conforme as forças econômicas estão a favor deles”.

Além disso, o que pode encorajar os trabalhadores a participar mais ativamente nas greves e a ter mais confiança no sucesso é a aproximação das eleições presidenciais dos EUA em 2024. “O movimento trabalhista sabe que esse momento é limitado”, disse à CBS MoneyWatch, Jeff Schuhrke, ativista trabalhista e professor-assistente da Escola de Estudos Trabalhistas Harry Van Arsdale Jr., da Faculdade Estadual SUNY Empire.

Em 26 de setembro, o presidente dos EUA, Joe Biden, visitou Michigan em uma demonstração de lealdade aos trabalhadores do setor automotivo em greve, tornando-se o primeiro presidente em exercício conhecido na história dos EUA a aderir a um grupo ativo. “O presidente considerou benéfico e talvez até crítico para seu futuro político ser visto ao lado dos trabalhadores”, disse Schuhrke. Quando a greve do UAW atingiu seu 25º dia, um relatório da CBS citou dados do The Anderson Economic Group, afirmando que apenas as primeiras três semanas da greve custaram 5,5 bilhões de dólares para a indústria.

Especialistas disseram que o impacto econômico das greves foi relativamente limitado. Ainda assim, o crescimento econômico poderá ser afetado se as greves continuarem e aumentarem. “A greve da Kaiser durou apenas três dias. Mas se os trabalhadores fizerem outra greve mais longa, notaremos um impacto. Portanto, a resposta curta é que até agora o impacto foi contido, mas podemos ver um impacto maior”, disse à Xinhua, Dean Baker, economista-sênior do Centro de Pesquisa Econômica e Política.

Layth Alwan, professor de economia da cadeia de suprimentos na Lubar School of Business da Universidade de Wisconsin-Milwaukee, compartilhou uma visão semelhante com o The Milwaukee Journal Sentinel, dizendo que se as greves continuarem, “haverá efeitos em cascata, possíveis paralisações e falências”, disse ele. “Os fornecedores mais vulneráveis são os menores, que mal conseguiram aguentar o período de paralisação de COVID-19”, disse Alwan, citado pelo diário.

Fontes: Copyright Xinhua. Proibida a reprodução.
Links diretos: https://portuguese.xinhuanet.com/20231012/b6ce429fcff849eeba37c4434aa9eae3/c.html

Matthew Rusling, em Washington D.C., contribuiu para a matéria

Repórteres de vídeo: Xu Jing, Xie E, Hu Yousong e Zeng Hui

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por Anders Noren

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