Economia, política e cultura são áreas naturalmente interligadas. Ainda que para facilitar o dia-a-dia tenha-se o costume de separá-las, como se fossem departamentos isolados. Em termos acadêmicos e inclusive profissionais, seria um erro não considerá-las como partes de um todo no cenário político nacional e internacional atual. A China, país que já disputa com os Estados Unidos a posição de maior economia mundial, tem um projeto a longo prazo, em conjunto com seus parceiros e vizinhos regionais, de criar na Ásia um segundo polo de poder econômico, político e cultural, promovendo um equilíbrio de poder mundial entre Ásia e as potências do Atlântico Norte (leia-se Estados Unidos e Europa Ocidental). O chamado Soft Power, conceito primeiramente abordado pelo teórico das Relações Internacionais dos Estados Unidos, Joseph Nye, tem um papel fundamental no mundo da tecnologia da informação e comunicação deste início do século XXI.
Diferentemente do poder militar (hard power), o soft power é quando há a capacidade de influenciar o público em geral, fazendo-o aceitar e assumir valores éticos, formas de pensar e, às vezes, até sentir conforme a vontade daquele que busca persuadi-los: neste caso, específico, os países. A China já tem a total compreensão da importância desta outra forma de poder e, sabendo dos diversos obstáculos que possuí, busca aos poucos tornar-se uma nação incumbida destes potenciais. A indústria cinematográfica, entre todas as formas artísticas, a que possui a maior capacidade de alcançar diferentes audiências ao redor do mundo, já faz parte dos planos de criadores de políticas e empresários chineses.

Com relação a sua imagem perante as diversas cinematografias nacionais, os chineses almejam prolongar a ideia de serem um mercado e um parceiro de extrema importância. Provavelmente, em razão deste contexto, a Apex-Brasil, junto ao Rio2C, organizou um painel, em 2018, que buscou informar produtores brasileiros e outros profissionais do audiovisual sobre as características peculiares deste novo mercado que emerge. Um dos participantes, o professor e pesquisador Zu Heng, da China Film Arquive, destacou que as constantes modificações que o país vem realizando promovem mudanças econômicas, mas também culturais, trazendo os chineses de volta para as salas de cinema.
Atualmente, segundo o jornal China Daily, a Administração Estatal de Imprensa, Publicação, Rádio, Cinema e Televisão (SAPPRFT) acredita que o país poderá tornar-se, em 2030, o maior mercado cinematográfico do mundo, ultrapassando Hollywood e Bollywood, esta última a indústria que mais filmes produz nos dias de hoje. Ainda segundo essa agência de notícias, uma medida que visou à expansão e ao aprimoramento das instalações de salas de cinema já fez a China ultrapassar a América do Norte com mais de 44.400 telas de cinema, incluindo mais de 38.300 telas em 3D, em março de 2017.
Abordando diferentes temáticas, os filmes chineses conseguiram atingir números de chamar a atenção: 7 bilhões de dólares em vendas de ingressos, 602 milhões no mercado externo em 2016, de acordo com o SAPPRFT. A revista Forbes, em artigo do jornalista Mark Hughes, salientou que, em 2017, a China respondeu por US$ 983 milhões do total mundial de US$ 2,02 bilhões para os sete filmes de maior bilheteria deste ano. “… o poder de bilheteria da China foi responsável por 48,6% da receita mundial para os sete filmes principais…”, escreveu o autor. A Lei de Promoção da Indústria Cinematográfica, aprovada em março do ano passado, visa canalizar mais recursos cinematográficos em áreas rurais e introduzir mais produtos para o mundo.
A importação de filmes estrangeiros também possibilitou o desenvolvimento da indústria nacional em si. Segundo membro da Administração Estatal de Imprensa, Publicação, Rádio, Cinema e Televisão da China, Gao Wei, “de 1995 a 2001, o país importou 10 filmes estrangeiros todos os anos. Depois de ingressar na Organização Mundial do Comércio, em 2001, a China aumentou o número de filmes importados para 20 ao ano. O número foi aumentado para 34 em 2012”.

Ainda de acordo com Gao Wei, a nova lei indica o início de uma nova era para a indústria cinematográfica, em que o governo planeja aderir à descentralização, simplificar o processo de exame e aprovação de filmes, diminuir as barreiras para entrada de tais produções no mercado cinematográfico da China e padronizar o mercado. Vale lembrar que alguns países, como os EUA, enfrentam a política de quotas que impedem mais inserção dos filmes provenientes de Hollywood no mercado chinês. A coprodução também, segundo Gao Wei, auxiliou de forma indireta o rápido desenvolvimento da indústria cinematográfica chinesa, o que torna tal parceria um fator de maior foco aos empresários e promotores de políticas do país.
A China já há alguns anos ultrapassou os Estados Unidos como parceiro comercial do Brasil e o cinema pode se tornar uma outra via comercial interessante, se houver da parte de profissionais do setor e do poder público brasileiro real interesse em finalmente promover iniciativas estratégicas de levar o cinema nacional a outro patamar, em outras regiões pouco conhecidas do Brasil. O diretor executivo e cofundador da Globalgate, uma empresa estrangeira bem atuante no mercado chinês, William Pfeiffer, afirma ser crucial para explorar as potencialidades do audiovisual na China, para além de estar a par de suas peculiaridades, estabelecer uma parceria sólida com produtoras e profissionais chineses. Sem obviamente esquecer dos antigos parceiros europeus, latino-americanos e dos Estados Unidos, o Brasil precisa se lançar a outros mercados e estar em sintonia com este novo mundo que aos poucos se desenvolve no continente asiático, lar de outras grandes cinematografias como a indiana, japonesa, coreana e tailandesa, e que a China vai aos poucos assumindo a liderança como um possível centro deste segundo pólo de poder mundial.
Fonte: Texto originalmente publicado no site do Instituto de Conteúdos Audiovisuais Brasileiro (ICAB)
Link direto: http://icabrasil.org/2016/index.php/mediateca-reader/china-um-novo-polo-cinematografico-internacional-emerge.html