O belo filme “Z: A cidade proibida” (2017), de James Gray, fez pouco barulho quando estreou, vítima provável da infantilização crônica do público e da ditadura dos filmes de super-heróis, que atualmente monopolizam o circuito comercial de exibição. Uma pena, já que o filme é um drama histórico dos melhores, retratando a vida extraordinária do coronel Percival Fawcett, explorador britânico desaparecido nos anos 20, enquanto procurava os vestígios de uma civilização avançada no coração da selva amazônica brasileira.
O filme de Gray investiga as ambições e motivos de Fawcett, que arrisca tudo em busca de glória e boas posições (e rendimentos) dentro da máquina administrativa do Império Britânico. Contudo, conforme vai amadurecendo, sobrevivendo às duríssimas expedições amazônicas e à Primeira Guerra Mundial (que serviu como oficial, onde foi gravemente ferido), ele vai humanizando sua percepção dos povos que conhecia, colocando-se contrário às interpretações pré-definidas da lendária Academia de Geografia Real, que julgava como inferiores os povos originários da America.
Me surpreendeu a atuação de Charlie Hunnam como Fawcett. Ele consegue imprimir o romantismo tardio do personagem, esmagado por uma época que se fechava, progressivamente, para as “expedições civilizatórias”, muito em voga durante a era vitoriana, até a eclosão da primeira Grande Guerra. Também surpreende a maturidade da interpretação de Robert Pattinson como Costin, o grande companheiro de viagens de Fawcett.
Apesar da fotografia belíssima de Darius Khondji, o filme de Gray é, sobretudo, sobre os seus personagens. Mesmo com alguns planos grandiosos, o tom do filme é intimista. A câmera está quase sempre perto dos seus personagens, uma forma eficiente de retratar a mata densa e fechada, cenário de várias importantes sequências do filme.
O “inferno verde”, descrito por Euclides da Cunha na sua viagem ao alto Purus, está lá. A viagem não é o tormento existencial de “Aguirre”, de W. Herzog. Ela serve para mostrar a força de carácter dos personagens. A direção é correta, segura, clássica…O diretor sempre pensa no cenário ideal para a tragédia daqueles homens.
Um tipo de filme que cada vez mais parece estar condenado, seja pelos seus propósitos e temas. Lembra muito um outro, também pouco lembrado, do final dos anos 90: “Montanhas da Lua” (1988), de Bob Rafelson, sobre os incríveis Richard Francis Burton e John Speke, os primeiros europeus a chegarem na foz do rio Nilo, nos meados do século XIX.
Outro grande filme, de um diretor irregular, que retrata a era vitoriana, a sede de glórias de um império que se espalhava para mais de 1/4 do globo, e que reproduzia toda sorte de interpretações equivocadas, muitas vezes racistas e eurocêntricas, sobre o mundo e todos que neles habitavam. Uma época que produziu um determinado tipo de homem que não existe mais, fundamentalmente pelas transformações sociais e econômicas que o mundo sofreu nos últimos 120 anos.
Homens que incorporavam um desejo irrefreável pelo cenário geográfico e humano, dotados de sincero desejo civilizatório, ainda que com os instrumentos teóricos (muitas vezes preconceituosos) datados e questionáveis, próprios a época vitoriana. Sobre “Montanhas da Lua”, desejo escrever algo mais estruturado em breve. Muito pelo seu personagem principal (Burton), um homem fascinante (dentre os seus muitos feitos, tradutor dos “Lusíadas” para o inglês).
Fonte: Texto originalmente publicado no site do O Beco do Cinema
Link direto: https://obecodocinema.wordpress.com/2017/12/26/em-z-o-retrato-tragico-dos-homens-vitorianos/
Título: Z – A Cidade Perdida
País: EUA
Direção: James Gray
Roteiristas: James Gray e David Grann (autor do livro)
Elenco: Charlie Hunnam, Robert Pattinson, Sienna Miller
Duração: 141 min/ 104 min (China continental, versão editada)
Lançamento: 21 de abril de 2017
Idioma: inglês, português, tupi, espanhol e alemão
Legendas: português