
“Lobo Guerreiro 2” é o maior sucesso de bilheteria da história do cinema da China. Lançado em 2017, conta as aventuras de um ex-soldado chinês que enfrenta mercenários ocidentais na África. É um excelente termômetro para entender a política externa do país asiático no governo do presidente Xi Jinping (no poder desde 2012), em meio à efervescência do patriotismo e o seu retorno à condição de grande potência.
A série Lobo Guerreiro tem muito em comum com a tetralogia americana de Rambo. Nos dois casos, o protagonista é um ex-militar que serviu com distinção nas forças especiais mas enfrentou problemas de adaptação na volta ao lar, sem contudo perder seu senso de lealdade à pátria e o respeito de seus antigos comandantes. Os dois filmes chineses são estrelados e dirigidos por Jing Wu, famoso em seu país como ator e especialista em artes marciais.

No primeiro episódio da série, Leng Feng é um atirador de elite do Exército chinês, recrutado para as forças especiais em uma missão de perseguição a traficantes de drogas. No segundo, ele sofre uma série de dramas individuais – o desaparecimento de sua noiva e um confronto com o crime organizado e policiais corruptos – que levam à sua expulsão das Forças Armadas. Ele vai trabalhar como segurança em um país africano não nomeado, na costa do Oceano Índico. Quando essa nação mergulha em uma guerra civil, Leng se oferece como voluntário para resgatar médicos e trabalhadores chineses isolados no interior do país, ameaçados por rebeldes e mercenários ocidentais.
A China na África
A escolha do cenário traz uma série de questões sobre política internacional ausentes do primeiro filme da série. O roteiro é um apanhado bem-feito das tensões contemporâneas na África e inclui sequências envolvendo ataques de piratas, batalhas urbanas e o surto de uma misteriosa epidemia, semelhante ao vírus ebola.

A China tem demonstrado interesse crescente na África desde a década de 2000, com o comércio com o continente crescendo mais de 20 vezes e ultrapassando US$200 bilhões por ano. Os chineses se tornaram investidores importantes no continente, construindo infraestrutura, e apostando em setores como agricultura, energia, indústria e mineração. Também há uma substancial migração de chineses para vários países africanos, desde técnicos e gerentes das grandes obras na região até comerciantes que atuam por conta própria na abertura de lojas e outros pequenos negócios.
Todas essas facetas das relações sino-africanas estão presentes no filme. Os chineses são retratados como amigos dos africanos, mostrando entusiasmo com a região, desenvolvendo relações de amizade e afeto com os moradores locais e os auxiliando tanto na criação de empregos quanto na ajuda humanitária. Os mercenários ocidentais, em contraste, aparecem como brutais, sem se importar em nada com a população e interessados apenas em roubar as riquezas naturais.

A maior parte das sequências africanas de “Lobo Guerreiro 2” foram filmadas na África do Sul, inclusive na famosa favela de Soweto, e impressionam pela qualidade técnica das batalhas e cenas de ação. Há combates em ambientes variados: nas ruas de cidades africanas, no interior de fábricas e hospitais e embates envolvendo tanques e navios de guerra. Os tiroteios urbanos, em especial, se destacam pelo dinamismo e alta complexidade da execução.
A Mensagem Patriótica
“Lobo Guerreiro 2” teve sete vezes mais bilheteria do que o filme inicial da série, algo incomum em qualquer franquia. Além da qualidade técnica das sequências de ação, muito de seu sucesso pode ser explicado por sua mensagem patriótica, em sintonia com as ambições diplomáticas da China na presidência de Xi Jinping.
Os militares e diplomatas chineses são mostrados como patriotas dedicados e competentes, preocupados tanto em proteger seus conterrâneos quanto em ajudar os africanos que passam por dificuldades em razão da guerra civil. No filme, mesmo os adversários tratam os chineses com respeito. O general que comanda os rebeldes diz em certo momento ao líder dos mercenários ocidentais que precisa do apoio da China, pois como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, o país é crucial para suas ambições políticas.
Em uma das sequências-chave de combate, o protagonista lidera um comboio pelo meio de uma zona de guerra segurando apenas uma bandeira da China, e fazendo com que tropas do governo e dos rebeldes parem de atirar e deixem passar os veículos, pois sabem que o melhor a fazer é respeitar os chineses e não se envolver em problemas com eles.
O conflito do filme vem sobretudo dos mercenários ocidentais, que em conflito com seus clientes rebeldes desenvolvem uma agenda própria, anti-chinesa. Seu líder demonstra ter uma rivalidade pessoal com o protagonista. No clímax dramático, o líder dos soldados e o herói chinês tem um diálogo revelador:
“Pessoas como eu sempre serão superiores a pessoas como você. Se acostume a isso.”
“Não. Isso é história.”

Os tempos são outros e a época de humilhação da China ficou para trás. Para não deixar espaço para dúvidas, no fim do filme há uma tela com um passaporte chinês no qual os espectadores são assegurados que, se enfrentarem problemas no exterior, poderão contar com o apoio da mãe-pátria. As plateias adoraram.
Maurício Santoro
Doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor-adjunto e chefe do Departamento em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Título: Lobo Guerreiro 2
País: China
Direção: Jing Wu
Roteiristas: Qun Dong e Yan Gao
Elenco: Jing Wu, Frank Grillo, Celina Jade
Duração: 2h03min
Lançamento: 27 de julho de 2017
Idioma: mandarim, inglês e francês
Legendas: português
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