
A diplomacia brasileira é reconhecida no mundo inteiro pela sua postura de alto nível, de respeito à autodeterminação dos povos e da resolução dos conflitos por meio do diálogo. Em todos os grandes eventos dos últimos cem anos, o Brasil sempre teve posturas centradas e altivas, independente do presidente de momento. Essa posição a qual os brasileiros têm muito do que se orgulhar está sendo rapidamente destruída pelo governo de Jair Bolsonaro e um exemplo vexatório vem sendo a abordagem feita em relação à Venezuela, onde o Brasil, assim como outros países da América Latina, rebaixam-se a simples repetidores do que é ordenado pelo governo dos Estados Unidos.
Muito da bagunça que se tornou as relações internacionais na América do Sul é culpa do Brasil. Sem se colocar com a firmeza e a grandeza de ser a liderança natural da região, a pequenez diplomática que tomou conta do Itamaraty desde o governo de Michel Temer, tornou-se servilismo caricato com o exótico chanceler Ernesto Araújo nomeado por Bolsonaro. Logo no início do ano, Bolsonaro, em “ato no sense”, bateu continência para um assessor de Donald Trump, John Bolton, que defende o “direito” dos Estados Unidos invadirem outros países quando quiserem. Certamente Bolton veio combinar com Bolsonaro o apoio do Brasil a esta cena patética realizada no dia 23 de janeiro em Caracas, quando um deputado venezuelano do baixo clero, Juan Guaidó, autoproclamou-se presidente daquele país (ação que por si só parece sair de um programa de comédia).
A Venezuela vem sofrendo há anos com sanções unilaterais por parte dos Estados Unidos que impõem um bloqueio econômico e financeiro semelhante ao que faz contra Cuba há 60 anos. Dessa forma, a Venezuela não pode usar boa parte do mercado financeiro, pois suas negociações passam pelos Estados Unidos, onde o dinheiro ficaria retido. Empresas e cidadãos norte-americanos estão proibidos de realizar qualquer tipo de transação com o governo venezuelano e as empresas deste país (onde está o “livre mercado” essas horas?).
Com isso, o país governado por Nicolás Maduro não pode, por exemplo, negociar seus títulos da dívida e realizar compras internacionais, não porque não tenha dinheiro para pagar, mas porque esse dinheiro jamais chegaria aos fornecedores. Essa é a verdadeira razão da crise econômica que afeta a Venezuela e não uma suposta “ditadura malvada” comandada por Maduro. Deve-se notar que essas sanções nunca foram capazes de derrubar governo nenhum no mundo, apenas trazendo sofrimento para as populações atacadas pelos Estados Unidos.

Ao cometer a atitude irresponsável de apoiar um governo paralelo no país vizinho, Bolsonaro demonstra todo seu desconhecimento sobre os interesses brasileiros e uma enorme ignorância em política externa. É evidente que Trump e os governos subalternos da região trabalham não pela paz e estabilização da Venezuela, mas sim, pelo confronto, ou pior, uma guerra civil que pode ocorrer em caso de escalada violenta em solo venezuelano. Dentro da sua ideologia cega, onde “ou se está comigo ou se está contra mim”, Bolsonaro não percebe que um conflito na Venezuela espalhará suas consequências por toda a região, o que se pode ver em escala (ainda) reduzida na questão da migração venezuelana.
Caso o pior aconteça, nada ocorrerá com os Estados Unidos, deixando todo o ônus para os países da América do Sul. Bolsonaro deveria preocupar-se também com os desdobramentos internos que tal situação causaria. Demonstrando nas primeiras semanas de governo fragilidades enormes em sua capacidade de presidir sequer seu próprio staff, o mandatário deveria pensar duas vezes antes de apoiar pessoas que se “autoproclamam” presidente. Há gente muito mais esperta e melhor organizada ao seu redor. Vai que a moda pega…

Para um ardo defensor do capitalismo, Bolsonaro não entende (ou não quer entender) que obedecer a Trump prejudica também a economia brasileira. Isso porque diversas empresas de nosso país possuem negócios na Venezuela, ou vendem bens e serviços ao país vizinho, sendo afetadas pelo bloqueio norte-americano. Podemos citar rapidamente alguns exemplos: construtoras com diversas obras na Venezuela; a Embrapa, com convênios no setor agropecuário; a Fiocruz, que vendia diversos medicamentos e vacinas; a Refinaria de Abreu e Lima, abandonada em Pernambuco, onde a Venezuela refinaria parte de seu petróleo nos pagando para isso; quase todas as jazidas de nióbio, metal estratégico para a indústria atual, localizadas justamente na fronteira entre os dois países, etc.
Obviamente que o Brasil será substituído pela Venezuela por outros parceiros comerciais, abrindo mão de um mercado próximo e que lhe era totalmente favorável. Em outras palavras, graças ao infantilismo político que norteia o governo, o Brasil está perdendo dinheiro. Abandonar o processo de integração latino-americana, principalmente quando você é a economia mais forte da região, é um ato de estupidez.

O interesse do Brasil na América Latina, seu entorno imediato, deve ser sempre o da paz, da normalização das relações diplomáticas e de integração econômica, agindo em posição de vanguarda, para garantir ambiente estável para os negócios, onde as empresas brasileiras, públicas e privadas levarão vantagem em diversos setores. O caminho para a estabilização da Venezuela é o diálogo, com o estabelecimento de acordos concretos que delimitem a disputa política dentro de marcos pacíficos e o auxílio para sua recuperação econômica, que favorecerá a toda a América do Sul, principalmente com o retorno dos migrantes ao seu país de origem. O Brasil pode liderar esse processo, com a grandeza que se espera, ou se restringir a brincar de “o mestre mandou” com o “chefe” Donald Trump – se este sobreviver ao impeachment que começa a se desenhar nos Estados Unidos.
Roberto Santana Santos
Historiador e professor de história, com graduação e mestrado pela UERJ, doutorando em Políticas Públicas pela mesma instituição. Secretário Executivo da Rede de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN) da UNESCO. Autor do livro “Coronéis e empresários: da esperança da transição democrática à catástrofe neoliberal”, publicado pela Multifoco, 2014.
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