Políticas estadunidenses e Coreia: uma trajetória de manobras e falta de bloqueios estruturais

Crédito: Straits Times.

No final do século XIX, movimentos de resistência anti – Japão já apareciam estrategicamente entre grupos de coreanos que viviam tanto na península, quanto em países vizinhos como China, Manchúria e até mesmo no Japão. Esses movimentos apareciam de um crescente descontentamento sobre a condução política que a Coroa coreana havia tomado nos anos que declararam a decadência da Dinastia Joseon.

Isso significa que a sociedade coreana percebeu o entreguismo do próprio governo às forças imperialistas do Japão e Estados Unidos, já na década de 80 do século XIX, agravado ainda no início do século XX com a entrada determinante do Japão na península coreana. Geograficamente, a península foi um alvo atraente, por estar ligada à China e à facilidade de chegar à Rússia e à Manchúria. Isso sem mencionar a proximidade com o arquipélago japonês. 

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Logo, China e Japão entraram em conflito na Guerra Sino-Japonesa para decidir qual país teria autonomia de proteger a península coreana das rebeliões que estavam acontecendo entre os camponeses e o governo. Este já enfraquecido o suficiente para clamar por ajuda internacional, culminando com a vitória japonesa (Tratado de Shimonoseki). O Japão ao colonizar a península em 1910 já enfrentava movimentos de resistência de caráter nacionalistas. Os grupos nacionalistas formavam-se dentro e fora do território coreano, que tinham como objetivo comum a libertação da colônia e restabelecimento de um Estado soberano. 

Atualmente, cerca de 75 anos desde a dissolução da colônia japonesa na Coreia, ainda é difícil falar da emancipação total da sociedade coreana. Voltando em sua história, enquanto as nações enfrentam-se na Segunda Guerra Mundial e acordos diplomáticos fervilhavam entre as potências dos Aliados e do Eixo, na Coreia os movimentos de resistência enfrentavam não apenas os japoneses, como também a insuficiência de organização política que determinaria seu futuro.

Similar a tantos outros países colonizados durante o século XIX, movimentos nacionalistas emergem constantemente entre os coreanos, com grande senso de proteção da identidade cultural e hegemonia natural. Enquanto a ofensiva japonesa determinava a aniquilação de identidades da cultura coreana – como, por exemplo,  proibir a língua coreana – também limitou atividades políticas, sendo que essas eram comuns entre a aristocracia e intelectuais nos séculos anteriores.

Sendo assim, os líderes políticos que conduziam os movimentos de resistência eram líderes com contatos internacionais e condições de debates insistentes sobre a libertação. Aproveitando o frágil momento entre os anos 1930 e 1940 em que o Japão priorizava a Guerra, os líderes destacavam-se  efetivamente. Após alguns exílios de membros, parte dos grupos de resistência situavam-se na China, Rússia e Manchúria, salientando a vigorosa influência socialista que então se destacava nas identidades dos movimentos.

General Douglas MacArthur (USA) com o coreano Syngman Rhee, Tóquio, 1948. Crédito: dailytelegraph.com.au

Os nomes que mais se destacam entre os líderes dos movimentos, encontravam-se o conservador Syngman Rhee e o comunista Kim Il Sung. Vamos destacar aqui a atividade conflitante de Rhee, que como antigo membro da burguesia e cristão, considerava  o arquétipo imperialista como modelo a ser tomado assim que a Coreia conquistasse sua independência.

Rhee defendia que era necessário estabelecer acordos diplomáticos com os países imperialistas de modo que fizessem parte dos interesses da Coreia, mesmo que honrasse os acordos de exploração com o Japão. Rhee, como líder de movimentos da burguesia, considerava que a libertação traria a força para a modernização da sociedade coreana, porém essa força era projetada na ideologia de darwinismo social, determinando que a burguesia iria além de trazer a liberdade à nação, promover a evolução social com apoio de outras nações poderosas, como os Estados Unidos. 

Kim Il Sung em 1993. Crédito: dailytelegraph.com.au

Nessa situação, Rhee tornou-se o homem responsável por afinar os interesses dos Estados Unidos sobre a península coreana. Com as manifestações dos grupos de resistência intensificaram-se durante a Guerra Mundial, os vários líderes políticos organizaram meios de estruturar as vertentes políticas. Eles sistematizaram-se em alinhamentos ideológicos e partidos possíveis para condicionar o arranjo pós libertação. No entanto, havia falta de unidade entre os nacionalistas, e esse é um dos argumentos que justificam a eclosão da Guerra da Coreia, mais tarde em 1950. 

Um ponto pouco comentado sobre a situação da península coreana na balbúrdia diplomática entre os países em guerra, é que os Estados Unidos não considerava esforçar-se para auxiliar a Coreia. Nisso, os vários movimentos coreanos buscavam centralizar o poder através de um governo provisório, admitindo que o Japão não mais exerceria força política entre aquela sociedade. Rhee viu a oportunidade que precisava para ser aclamado presidente da Coreia. Portanto, passou a trabalhar suas influências nos Estados Unidos, chamando atenção para interesses distintos, seja dos Estados Unidos, como dele próprio.

Considerando os interesses, Rhee, claramente opositor do comunismo, interviu nas possíveis ações dos Estados Unidos sobre a península. Enquanto os líderes políticos de movimentos nacionalistas, na tentativa de se organizarem politicamente pelo Governo Provisório Coreano para que assim fosse possível adquirir autonomia soberania ao se livrar tanto da colonização japonesa, como das determinantes das Nações Unidas, Rhee articulou no início dos anos 1940, apresentando- se como o representante oficial do Governo Provisório (mesmo que ainda não tivesse nada decidido).

Porém, funcionários americanos bloquearam as primeiras intenções de Rhee, ao analisarem que uma política estável na Coreia não era viável, até que fosse possível eliminar as intenções das outras potências aliadas. Significa que a descentralização política da Coreia, não era interessante aos Estados Unidos em primeiro momento, mas Rhee persistiu na condição.

Syngman Rhee em carta para Harry S. Truman com material e resposta pela interferência estadunidense na organização politica a península coreana. 17 de outubro de 1945. Crédito: https://www.trumanlibrary.gov/

Colônias já desfaziam-se, e a atenção maior dos Aliados era sobre a Índia e Grã-Bretanha. Era consensual o alargamento dos exércitos da China e Rússia pela Ásia, e de que o Japão era o inimigo que deveria ser não apenas derrotado, mas também penalizado. Rhee apresentou-se, com uma cópia de um comunicado do jornal em 10 de dezembro de 1941, onde anunciava que Washington simpatizou com o desejo de todas as pessoas sujeitas à libertação da Coreia, mas não pretendia reconhecer “movimentos livres” de grupos exilado, ou seja, os movimentos de resistência que em sua maioria eram comunistas, foram taxados como obstáculo para que os Estados Unidos auxiliasse na libertação coreana.

Ele afirmou tal justificativa em uma carta anexa que o movimento de independência da Coreia e os Estados Unidos estavam, como muitos outros, sujeitos a essa política. E do outro lado, o Japão perpetuava os estereótipos sobre os coreanos, para defender que a colonização na Coreia foi estabelecida por incapacidade de uma organização política puramente coreana para torná-la uma nação independente. 

O ex-líder da China (antes da guerra civil), Chiang Kai-shek (à direita), e o presidente da Coréia do Sul, Syngman Rhee (ao meio), se reúnem em 1949. Crédito: nuttyhistory.com/

Os outros líderes políticos dos variados grupos de resistência nacionalista, durante o período colonial mantinham-se divididos entre partidos de esquerda, de direita e de centro, discutindo os rumos que a política coreana deveria tomar para se democratizar. Rhee rebateu as formações partidárias, declarando a falta de unidade entre os nacionalistas coreanos, afirmando que “existiam alguns com a intenção dúbia de reconhecer reivindicações relacionadas à independência da Coreia”.

Ele denunciou “oportunistas” e comunistas como pessoas que procuravam utilizar a guerra do Pacífico “para estabelecer liderança própria.” Rhee, claramente contrário às organizações políticas, mais uma vez recorreu à comissão estadunidense para que ele fosse reconhecido o primeiro líder do Governo Provisório.  Agentes americanos responsáveis pela comunicação gostaram da ideia de organizar um exército irregular coreano, mas questionaram a capacidade de anunciar o apoio do ‘Conselho da Guerra do Pacífico’ à Independência coreana, pois uma declaração referente apenas à Coreia “fugia da realidade”, já que a situação da Índia não havia sido resolvida. 

Logo, os Estados Unidos aconselharam que a ideia de governo provisório fosse adiada tanto quanto a ideia de independência coreana para um futuro propício. Enquanto isso, os Estados Unidos assumiram “fazer todo possível para promover a organização e o equipamento de um exército coreano, além de promover a unidade entre os vários grupos coreanos.” Sob as circunstâncias, no entanto, os esforços americanos para unir as facções coreanas tinham poucas chances de sucesso. Rhee opôs-se a qualquer coligação, pois segundo eles, os grupos nacionalistas estavam infestados por comunistas.

General MacArthur enviado para entender a situação na península coreana. Crédito: https://www.nuttyhistory.com/

Assim, pelas determinações estadunidenses, a estratégia de usar a Coreia apenas para seus próprios interesses futuros, tinha aliados não apenas em um líder político, como também na falta da unidade entre os nacionalistas. A investida americana era inevitável, principalmente quando na Conferência do Cairo, sair à frente do bloqueio do Japão e usar a estratégica posição geográfica coreana era interessante tanto para Estados Unidos, quanto para a China. O embaixador responsável pela comunicação entre Estados Unidos e Rhee, Cromwell, enfatizou em uma carta que o reconhecimento e a “ajuda viável” dos Estados Unidos facilitariam o desenvolvimento de “atividades revolucionárias organizadas” na Coreia e, portanto, contribuiriam para vencer a guerra contra o Japão. 

Ao saber dos esforços de Cromwell, Kilsoo Haan, um líder político oposto às ideias de Rhee imediatamente tentou desacreditar o Governo Provisório ao Conselho Coreano-Americano, estrategicamente para que o interesse dos Estados Unidos diminuísse. Em uma série de cartas aos funcionários do Departamento de Estado, ele acusou Rhee de uma “ganância egoísta pelo poder” e descartou o plano do Governo Provisório e as atividades revolucionárias. Haan insistiu que todos os “verdadeiros patriotas coreanos” iriam lutar contra os japoneses até o fim e não esperavam conquistar a independência devido á influência americana.  

Um soldado dos EUA questiona dois meninos coreanos servindo no exército norte-coreano após sua captura em 1950. Crédito: nuttyhistory.com/

Apesar dos esforços pela organização política e determinação da liderança para a nação coreana, Rhee argumentava que a União Soviética tinha força e parecia mais interessada em auxiliar a libertação da península coreana do que os Estados Unidos. Entre seus argumentos havia a “certeza” do estabelecimento da “União Populista Soviética da Coreia” como consequência inevitável,caso os Estados Unidos continuassem a recusa de reconhecer o Governo Provisório, podendo culminar em uma Coreia comunista. Esses argumentos chegaram aos Estados Unidos como determinantes e tornaram inevitável a entrada americana na península. 

Fala do presidente dos Estados Unidos, Truman para as Nações Unidas sobre a península coreana, 1950

Não seria diferente, dentro do contexto geopolítico entre os anos de 1942 e 1945 que os Estados Unidos tomaria por responsabilidade a autonomia coreana, pois sempre foi um ponto interessante e fácil de dominar. Também estamos longe de responsabilizar a falta de unidade política entre os líderes de movimento da libertação coreana, como argumento de alguns historiadores coreanos, quando escrevem sobre a prévia da Guerra da Coreia. Conforme apresentam que a disposição de concentrar alianças diplomáticas contribuíram para subestimar a importância do nacionalismo coreano, cuja ideologia havia sido construída durante anos de resistência contra o governo japonês e a aristocracia entreguista do início do século XX.

Em novembro de 1950, o presidente Truman ordenou a transferência de nove dessas bombas nucleares Mark 4 para o Nona Grupo de Bombas da Força Aérea, o portador designado das armas, assinou uma ordem para usá-las contra alvos chineses e norte-coreanos. No final, Tryuman nunca deu o comando final. Crédito: nuttyhistory.com/

A experiência colonial em seus primeiros anos auxiliou a unidade de resistência, mas não dissolveu por completo a mentalidade burguesa assistente de uma entrega nacional aos interesses americanos. Estando os sul-coreanos até hoje manipulados e reféns. Mesmo seu nacionalismo contemporâneo precisa desamarrar-se por completo da influência que impede a soberania real coreana. Porém, muito longe de falta de organização política e polarizações, percebe-se ainda a mesma mentalidade culturalmente encadeada que permitiu tais alianças. 

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por Anders Noren

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