
Questões mentais e emocionais, apesar de serem elementos que fazem do humano um ser único, ainda continuam sendo desprezadas pela grande maioria. Mesmo com o passar dos anos e ocorrendo mudanças de costumes e valores, ainda é difícil para grande parte da população mundial admitir a existência de doenças mentais e, para além de moléstias propriamente ditas, ter em conta a importância da saúde mental e admitir a influência que as emoções têm em nossas vidas, podendo moldá-las e definir nossos rumos, ainda que não tenhamos ciência disso. Compreender o quão significativos são os relacionamentos pessoais, a forma como enfrentamos as dificuldades da vida, os momentos de lazer, ou como àqueles caros a nós são fundamentais, mas apresentam tamanha simplicidade que passam facilmente desapercebidos, ou menosprezados.
O modelo econômico-social também influência nas questões referentes aos valores e ao psicológico. Parece estranho, mas ele é capaz de também definir e redefinir códigos de ética e moral. Uma sociedade ocidental apresenta valores mais focados no indivíduo, enquanto o oriente tende a ser mil vezes mais coletivista. O capitalismo molda anseios e objetivos das multidões, que, provavelmente, em muitos casos não fazem parte da real vontade das pessoas. Por exemplo, nem todos almejam ser milionário, ou bilionários, ou ter o carro e roupas das melhores marcas e grifes, mas, de forma geral, o ideal de sucesso é focado em tais objetivos de vida.

Por estas e outras tantas razões esquecemos quem realmente somos, se um dia paramos para refletir sobre este tema tão vital. Ao ignorar estas questões aos poucos ficamos doentes, vamos encontrando dificuldades para ultrapassar e lidar com os acontecimentos do cotidiano, não sabendo como lidar com situações tipo quando o filho cresce e vai embora de casa, seguir o próprio caminho, ou com as frustrações do conviver em sociedade, ou até em saber o que se passa conosco, com nossos distúrbios, ou complicações psicológicas.
O resultado é apenas o aumento significativo de doenças mentais e suas consequências para a sociedade. Eis alguns números, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS) mais de 264 milhões de pessoas no Globo tem depressão. Segundo a Our World in Data 284 milhões sofrem de ansiedade, dados de 2017. Ainda, de acordo com a organização, 970 milhões tiveram, ou têm, algum distúrbio de saúde mental, ou fazem uso de alguma substância química.

Estes números parecem pouco, mas a OMS já salientou que é difícil realizar o levantamento exato dos casos, em razão do alto desconhecimento sobre estes problemas, mas também pelo preconceito e irrelevância que os países de forma geral tratam estas questões. O livro “Consultório de Psicologia”, de Cynthia Bezerra, psicóloga e psicanalista, lançado pela editora Autografia, leva em conta diversos dos temas já salientados neste texto de forma leve e inovadora. Apaixonada por culinária, ela faz um paralelo entre o ato de cozinhar e os problemas do dia-a-dia, inclusive dedicando especial atenção aos temas atuais como depressão e ansiedade.
Para cada capítulo, há uma receita que o leitor pode experimentar. Tendo estudado psicanálise no Corpo Freudiano do Rio de Janeiro, e sendo pós-graduada em psicologia hospitalar pela Santa Casa de Misericórdia, este livro de estreia da autora surgiu a partir dos conflitos que mais foram trazidos ao seu consultório. Segundo a própria escritora, em entrevista para a Revista Conexão Literatura, estes não são artigos científicos, sendo apenas baseados em suas observações do cotidiano e do que experienciou em suas consultas.
É possível verificar que a relação aqui estabelecida entre o prazer de cozinhar, ou de se alimentar, seja uma maneira de poder encontrar um caminho que leve à solução de muitos conflitos, ou que resulte em uma forma de renascimento, ou de encontro das pessoas com a sua essência, até então escondida em algum lugar. A força dos alimentos está para além do saciar a fome, pode despertar os sentidos físicos que, consequentemente, despertam memórias, ou trazem percepções que até então não sabíamos, ou não conhecíamos de nós mesmos. Características do nosso íntimo que foram encobertas, muitas vezes por motivos pessoais, e também em razão do contexto social que impõe regras e formas de se viver, afastando-nos desta sensibilidade que deveria estar conosco desde o princípio, auxiliando-nos na busca por existir e ter uma vida plena.
Deixe seu comentário