Kruzenshtern: conheça o veleiro russo que celebra 200 anos de descobrimento da Antártica

O tripulante Maxim conduziu a visita dos jornalistas ao veleiro Kruzenshtern. Crédito: Alessandra S. Brites/Revista Intertelas.

O descobrimento da Antártica ainda é uma fato histórico desconhecido do público brasileiro. Neste ano de 2020, completam-se 200 anos da chegada dos capitães russos Fabian von Bellingshausen e Mihail Lazarev ao continente gelado. Estes dois marinheiros passaram pelo Rio de Janeiro, em 2 de novembro de 1819, para depois seguir ao sul e serem os primeiros a avistarem a Antártica pela primeira vez no ano seguinte.

Por esta razão três embarcações já passaram pela capital carioca, no intuito de celebrar com o público local esta data histórica. O primeiro foi o Iate “Sibir”, cuja estadia a Revista Intertelas teve oportunidade de cobrir. Posteriormente, o navio Admiral Vladimirski, da Marinha da Rússia, atracou no porto do Rio. A tripulação desta embarcação aproveitou para realizar uma homenagem especial aos pracinhas brasileiros, depositando flores no Monumento ao Expedicionário.

Agora o veleiro Kruzenshtern chega ao Rio de Janeiro com o mesmo objetivo. Neste ano, os russos também comemoram 75° aniversário de vitória soviética sobre as forças da Alemanha Nazista, a chamado Grande Guerra Patriótica. A comemoração desta data histórica os russos fazem questão de celebrar com os brasileiros, seus aliados na luta contra o Nazismo. Até 24 de janeiro de 2020 o público do Rio poderá visitar a embarcação gratuitamente, das 10h às 15h, no Armazém 7 (Ao lado do AquaRio), Porto da capital carioca.

Na recepção ao capitão Mihail Eremtchenko, oficiais de comando e cadetes, o cônsul geral da Federação da Rússia no Rio de Janeiro Vladimir Tokmakov salientou : “nós sempre fazemos questão de salientar que esta foi uma vitória conjunta de várias nações, foi a nossa vitória e, por isso, fazemos questão de salientar a importância estratégica da participação brasileira no front da Itália. Foram momentos cruciais para a decisão da guerra naquelas localidades. O Brasil é o único país da América do Sul que participou diariamente do teatro de operações na Europa e junto aos aliados. Nós nunca dividimos a Vitória em nosso e deles e vamos sempre destacar a ajuda dos países aliados, inclusive a da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e da Marinha do Brasil“.

A chegada do Kruzenshtern também é a chance especial para os brasileiros conhecerem mais sobre a história da Rússia, aproximando os dois países em uma mensagem conjunta de paz“, afirmou o cônsul russo. Em uma época de instabilidade política internacional, as regiões dos pólos ártico e antártico são já observadas por vários analistas do ocidente como potenciais localidades de disputa política e territorial. Em grande parte pelo posicionamento geopolítico e as riquezas naturais destes territórios.

Contudo, desde o seu descobrimento aos acordos internacionais estabelecidos durante o período soviético e hoje, as autoridades russas salientam que a Antártica deve ter um rumo histórico diferente : “a resposta a questão política é bem simples, o continente antártico deve permanecer internacional e fora da disputa política“, enfatiza o capitão Eremtchenko. Atualmente 29 países possuem bases científicas na Antártica e a exploração do continente permanece sendo realizada por estas nações, onde o Brasil é uma delas. Sobre a visita ao Rio, o capitão ainda lembrou: “é uma parada muito importante e simbólica, porque tentamos seguir a tradição e o trajeto realizado por Bellingshausen e Lazarev na expedição da descoberta da Antártica 200 anos atrás“.

A jornada de Fabian von Bellingshausen e Mihail Lazarev, passando pelo Brasil, até chegar à Antártica

O século XIX foi um período de significativo avanço tecnológico, o que impulsionou expedições em todo o mundo. Nesta época Inglaterra e o Império da Rússia estavam presentes na busca por novas descobertas na região hoje conhecida como Antártica. Em séculos anteriores o mercador, geógrafo e navegador italiano Américo Vespúcio já presumia a existência de terras ao sul do Globo.

O mesmo acreditava, séculos depois, o também navegador, explorador e cartógrafo inglês James Cook. Porém as condições climáticas severas fizeram muitos acreditarem ser impossível chegar até o continente. Assim, ficou a cargo dos marinheiros russos que resolveram enfretar o desafio, em um espírito aventureiro que caracterizava os navegadores daquele tempo. “Eu nasci no meio do mar; e como um peixe não pode viver fora da água, eu não posso viver fora do mar“, uma vez disse Bellingshausen, oficial da Marinha Imperial da Rússia e comandante do “Vostok”.

Lazarev, que comandou o “Mirniy“, também apresentava a mesma paixão por velejar, tendo desde a infância sonhado em ser marinheiro. Segundo o site Russia Beyond, em artigo escrito por Georgui Manáev, os russos tinham certa vantagem sobre as demais nações nesta questão, pois não só sabiam fazer embarcações adequadas para tal clima, como viajar em condições extremas. Posteriormente, a Primeira Circum-navegação da Rússia, realizada entre 1803 e 1806, liderada por Ivan Kruzenshtern, cujo nome é hoje atribuído ao veleiro atual, foi possível aos russos estarem convencidos de que podiam realizar a missão.

Assim, dois navios partiram com 190 marinheiros, na Segunda Expedição Marítma Mundial da Rússia. Ao chegarem no Brasil foram recebidos pelo cônsul geral da Rússia no Rio daquela época. Grigori Ivanovitch Langsdorff, pesquisador, naturalista, etnógrafo e explorador russo. Ele que tinha participado da Primeira Expedição Mundial da Rússia, comandada por Kruzenshtern. Langsdorff esteve em 1803 na Ilha de Santa Catarina, onde estudou a natureza local. Chegou ao Rio em 1813, realizando intenso estudo sobre a história natural local. Parte de seus estudos estão publicados em co-autoria com F.D.L von Fischer no livro “Plantes recueillies pendant le voyage des Russes autour de Monde” (1810).

Segundo ainda o Manáev, os marinheiros tinham a sua disposição limões e repolho fermentado (alimento rico em vitamina C, que ajudava a evitar o escorbuto). No intuito de preservar as fontes de vitaminas, em todos os portos trocavam dinheiro e mercadorias por frutas frescas. O rum era usado para aquecerem-se. Ainda conforme informações do portal, apenas uma pessoa morreu durante a viagem, em decorrência do que se conhecia na época por “febre nervosa”, após atravessar o círculo antártico. Somado a isso, as condições entre as duas embarcações eram distintas.

O “Vostok” possuia 117 tripulantes e o “Mirny”, 73. Este último apresentava uma estrutura melhor para enfrentar as condições climáticas geladas e rígidas, sendo planejado por engenheiros navais russos. Já o Vostok foi construído segundo padrões britânicos, tendo de ser consertado diversas vezes durante a viagem.  Após passarem pelas Ilhas Sandwich do Sul, descobertas pelo inglês Cook, os russos finalmente chegaram à Antártica. De acordo com Manáev, estas foram as palavras de Lazarev sobre o novo continente: “é uma enorme calota de gelo de grande altura que se estende até onde o olho pode ver”.

Mais foi publicado por Bellingshausen sobre a expedição e suas dificuldades, em relatório enviado ao Ministério Naval em São Petesburgo, conforme o Russia Beyond: “Nossos navios estavam constantemente no meio do gelo. Nós estávamos sofrendo grandes dificuldades com a dureza dos ventos que dominam esses mares, e ainda mais com a escuridão espessa e nevascas úmidas e pesadas que são frequentes e abundantes ali. Fomos acompanhados por geada durante toda a viagem. As montanhas de gelo, algumas com mais de 400 pés acima do mar [pés russos, cerca de 120 metros], eram nossos adversários constantes. Tivemos que nos proteger com as maiores precauções e a mais rigorosa vigilância. O erro mais ínfimo poderia ter levado nosso avanços por água abaixo”. Para saber mais sobre estes fatos históricos e curiosidades do veleiro, o público carioca tem a possibilidade de visitar o Kruzenshtern nesta sexta-feira, dia 24 de janeiro.

 

 

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por Anders Noren

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